Folha de S. Paulo
Crise da eletricidade passa, real se
valoriza, mas preços ainda fervem por vários motivos
As represas das usinas hidrelétricas não
tinham tanta água em fevereiro desde 2014, quando passaram a ocorrer secas
horríveis, com risco de racionamento e conta de luz cara. O preço
do dólar cai desde o início do ano, mas é cedo para haver refresco nos
preços, ainda que a valorização do real possa conter reajustes dos
combustíveis, no curtíssimo prazo. A inflação
alta ainda vai longe, no ritmo de pelo menos 9% ao ano até junho.
Não é registro de mera aritmética econômica. A inflação tem efeito direto na veia da política. É um dos motivos pelos quais Jair Bolsonaro e comparsas tentam inventar medidas para agradar a tais e quais grupos, limitados, mas que talvez rendam votos suficientes para garantir uma vaga no segundo turno.
Quanto à inflação, apesar das chuvas, do
alívio na eletricidade e da surpresa grande e agradável da baixa recente do
dólar, a
coisa vai mal ainda.
Não aconteceu a baixa do preço de
commodities (coisas como petróleo, grãos, minérios). A safra recorde de grãos
murchou por
causa da seca no Sul, com perdas na soja e problemas no milho e no arroz, o
que também encarece óleos e rações, o que bate no preço das carnes.
É possível que a situação ainda piore, por
causa da guerra
ou quase-guerra na Ucrânia, que afeta preços de petróleo, gás natural,
grãos e óleo de cozinha, pelo menos. A inflação de alimentos no Brasil voltou a
dar uma piorada também por causa das chuvas que prejudicaram as hortas.
Os preços da indústria continuam
pressionados, como diz o clichê de mercado, por causa do dólar muito caro até
dezembro e pela persistente escassez mundial de insumos. Os problemas de
abastecimento das fábricas demoram a passar até por causa da ômicron, de que
pouco e cada vez menos se fala, mas que provoca distúrbios econômicos e mata
muita gente (mais de 800 pessoas por dia no Brasil, mas esquecemos desse
assunto).
O IPCA-15 foi a 10,8% ao ano em fevereiro
(taxa acumulada nos últimos 12 meses dessa versão do IPCA que mede a variação
de preços de meados de um mês a meados do mês seguinte). A inflação de
alimentos, que chegou a 19% ao ano em fevereiro de 2021, subia mais devagar,
mas voltou a acelerar para 9,5% em fevereiro.
Bolsonaro e cúmplices tentam se virar. O
governo federal tentou faturar o reajuste previsto de mais de 33% para
professores do ensino básico. Vai tentar
passar esse saque de R$ 1.000 do FGTS, o que alivia a vida de uns 40
milhões. A renegociação do Fies (o financiamento público de mensalidade de
faculdade privada) começa em março e pode ajudar 1 milhão de estudantes (ou
ex-estudantes).
Parece que foram
para a gaveta as ideias desastrosas de reduzir impostos de
combustíveis ao custo de dezenas de bilhões, mas deve haver alguma redução de
imposto, para
o diesel e para produtos industrializados. Sabe-se lá se ou quando
tais cortes de tributos vão chegar aos preços, mas é uma tentativa que o
demagogo pode alardear.
Mais que isso, a redução de impostos pode
até resultar em algum pequeno estímulo econômico, embora não se saiba na mão de
quem esse dinheiro vá cair. Se aparecer também o dinheiro do FGTS, mais um tico
de ajuda.
É tudo muito pouco e sujeito aos solavancos
grandes que virão ao longo do ano —ainda pode haver guerra feia, ainda haverá aumento
de taxas de juros nos EUA, a campanha eleitoral pode balançar dólar e juros
por aqui, a depender dos disparates que vamos ouvir na campanha.
É pouco, ressalte-se. Mas, por ora,
Bolsonaro joga para perder de pouco no primeiro turno. Indo para o segundo,
fica viva inclusive a oportunidade de promover um tumulto golpista.
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