O Estado de S. Paulo
É preciso remontar a educação numa perspectiva plural, que reconhece múltiplas entradas e diversos caminhos de formação
Todas as sociedades desenvolveram alguma
forma de ensino além da educação infantil estritamente familiar, voltadas para
transformar a criança em adulto. Sociedades dotadas de escrita criaram algum
tipo de escola que transferia para os seus alunos os valores e conhecimentos
indispensáveis para pertencer a essa civilização.
Esta preparação do aluno para a vida adulta
foi sistematizada no modelo de escola pública, geralmente atribuída ao regime
bonapartista: um ensino formal, padronizado num currículo nacional de
conhecimentos e atividades, destinado a formar o adulto, com as competências
necessárias ao exercício da cidadania.
Dentre todas as insuficiências atribuídas à educação no Brasil, creio que a mais grave seja o desconhecimento da razão de ser da escola pública, que consiste em formar o cidadão. Isto é, um adulto capaz de entender e exercer seus direitos e deveres, e de buscar as opções a seu alcance, seja para dar continuidade à sua educação, seja para se colocar no mercado de trabalho, sem nunca ficar prisioneiro de suas opções.
Apesar de todas as legislações inovadoras,
permanece a rigidez de um currículo voltado para uma abordagem enciclopédica
das áreas científicas e de humanidades. Esse modelo nem garante a chance de
acesso ao ensino superior, nem prepara o aluno para dar continuidade a uma
formação ocupacional, muito menos para disputar um lugar no mercado de
trabalho, que lhe permita não só manter-se e manter uma família, nem tampouco
abre portas para o desenvolvimento de novos conhecimentos e competências.
Se entendermos que a missão da escola
pública é formar cidadãos, veremos que ela é o instrumento mais eficaz para o
Estado lutar contra a desigualdade social. Mas, enquanto segregar o ensino
voltado para dar acesso ao ensino superior e um ensino básico que não transmite
competências para ocupar um lugar no mercado de trabalho, continuará
perpetuando a reprodução e a ampliação dessa desigualdade. Embora importante,
garantir que uns poucos jovens oriundos das classes D e E alcancem a
universidade é insuficiente. Para converter a educação numa verdadeira
ferramenta a serviço da igualdade, é preciso subverter a lógica das hierarquias
de títulos e diplomas. É preciso remontar a educação dentro de uma perspectiva
plural, que reconhece múltiplas entradas e diversos caminhos de formação.
O mercado de trabalho está exigindo novas
competências, cada vez mais complexas. O ensino acadêmico e o tecnológico
precisam pôr seus alunos em contato direto com este mercado em mutação, desde o
ensino básico. Isso exigiria a colaboração entre a escola e empresas e
organizações dispostas a oferecer possibilidades de estágio.
De novo, a flexibilização do ensino precisa
tornar possível certificar esse tipo de experiência, desde o ensino básico até
a universidade. Com isso, as funções de orientação nas escolas precisam ir além
de ajudar a escolha de disciplinas, e abrir rotas de acesso para experiências
de trabalho mais compatíveis com as competências dos alunos.
Isso supõe um redirecionamento da gestão
escolar, da distribuição do tempo de trabalho dos professores e das salas de
aula, para envolver o conhecimento do mercado de trabalho e implementar acordos
de cooperação que sejam benéficos para as escolas e para as empresas e
organizações. Não para fornecer mão de obra eventual, mas para contribuir para
a oferta de capacidades de trabalho, com maior potencial para apreender mais
rapidamente e contribuir com novas soluções para o funcionamento das
organizações.
Trata-se de mudar o foco da competência
para ser aprovado em exames para a formação do cidadão. Isso só é possível
flexibilizando currículos, certificações e barreiras que segregam o ensino
básico do técnico. E o ensino só poderá acompanhar as mudanças tecnológicas e
de gestão do setor produtivo caso trabalhe em sintonia com as organizações e
empresas, por um lado, e, por outro lado, com as escolas técnicas e
universidades para demandar soluções inovadoras para seus desafios.
Nada disso é fácil e até pode ser encarado
como improvável, quando se leva em conta o abismo que existe entre a demanda
pela escola pública e os resultados alcançados. Falar numa escola que acompanha
as mudanças tecnológicas do mercado de trabalho, quando pesquisas recentes
sugerem que nosso ensino público não é capaz sequer de alfabetizar parte
relevante de seus alunos, dá uma ideia das dimensões do desafio.
Quando se considera que em muitas das redes
de ensino público as escolas permaneceram fechadas em razão das restrições da
pandemia por mais de dois anos, e as medidas de reestruturação do espaço escolar
e de gestão do fluxo de alunos e professores não foram sequer planejadas,
pode-se ter uma medida do que precisa mudar.
Se conseguirmos eleger um governo que se
empenhe em garantir uma escola pública com a missão de preparar cidadãos
cientes de seus direitos e deveres, e competentes para buscar seu próprio
sustento, daremos um passo para esta verdadeira revolução.
*Senador (PSDB-SP)
Nenhum comentário:
Postar um comentário