Valor Econômico
PM se rebela no segundo maior colégio
eleitoral do país, em que o presidente da República não tem palanque
O senador Flavio Bolsonaro (PL-RJ) esteve
no gabinete do governador de Minas Gerais na semana passada na companhia do
deputado federal e ex-ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), na
tentativa de fazê-lo vice na chapa de Romeu Zema à reeleição.
Marcelo Álvaro deixou o governo depois de
ser acusado pelo Ministério Público Eleitoral de comandar um laranjal com as
verbas do fundo partidário.
Quando o deputado e o senador deixaram a
sede do governo mineiro, o presidente Jair Bolsonaro permanecia sem palanque no
segundo maior colégio eleitoral, aquele que, desde 1989, é a bússola da eleição
presidencial. Quem ganha em Minas, vence no Brasil.
Depois de se eleger nas asas do bolsonarismo em 2018, Zema quer distância do presidente. Estreante na política, conduz governo itinerante, ora visitando prefeitos como fazia com os lojistas de sua rede varejista, ora gravando vídeos para o Tik Tok em que lava pratos, faz pão de queijo e flexões abdominais.
De pavio mais alongado do que o do prefeito
de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), provável palanque petista, Zema
ganhou um bilhete premiado com o acordo decorrente do acidente de Brumadinho.
Este acordo lhe permitiu uma receita extra de R$ 11 bilhões para infraestrutura
- não apenas nas cidades atingidas pela barragem.
O que tinha tudo para ser um passeio de
Zema pela campanha à reeleição, porém, se transformou numa tormenta - por obra
e graça dos policiais militares, da devoção às planilhas e da falta de
autoridade. Se for capaz de refazer este enredo, mantém-se favorito. Se não,
estende o tapete vermelho para o caos, único cenário em que o bolsonarismo
ainda pode vicejar.
Na origem da confusão que hoje grassa em
Minas está uma polícia militar que, em 1997, depois de greve histórica, que
levou à morte de um cabo, foi agraciada com um aumento que nenhuma outra
categoria do funcionalismo obtivera, além da anistia aos amotinados.
A carreira do então governador tucano
Eduardo Azeredo nunca mais se aprumaria, mas aquele movimento fez surgir uma
leva de lideranças policiais que ingressariam na política e hoje são base do
bolsonarismo no Estado. Um deles, o deputado estadual Washington Rodrigues
(PTB), faz vídeos hoje ensinando a colegas da ativa os procedimentos da “greve
branca” - “Sou PhD na matéria”.
Vinte e cinco anos depois, o governador, a
aprender com os erros alheios, prefere colecionar os seus. A crise que eclode
agora foi postergada graças à covid-19. Em 2020, custou a cabeça do secretário
de Governo que precipitou o anúncio de um aumento para a polícia.
Naquele ano o reajuste foi enviado à
Assembleia Legislativa onde uma parlamentar do PT o estendeu a todo o
funcionalismo. Encalacrado pelo endividamento, cuja rolagem depende de um
regime de recuperação fiscal, o governador, a manter o aumento original dos
policiais e vetar o resto, optou por um veto integral.
O reajuste ficou adormecido sob a pandemia
enquanto a maior parte dos Estados aumentou suas polícias por receio de que
Bolsonaro, ao propagar a concessão de benesses a policiais federais, acabe por
semear insatisfação nas categorias estaduais.
Mal havia se recuperado de sua quarentena
em janeiro Zema se deparou com uma nota do comandante da Polícia Militar
respaldando a legitimidade da manifestação que ocorreria no dia 21 com a
participação de seus comandados da ativa.
A PM é força auxiliar do Exército, mas está
subordinada ao governador. Se o comando é dúbio, a disciplina tem prescrição
constitucional. Está submetida ao mesmo veto à greve ou manifestação vigente
para as Forças Armadas.
Apesar disso, o comandante manteve seu
cargo, bem como o secretário de Segurança, Rogério Greco. Ex-promotor e
professor de direito penal, Greco foi colunista do Terça Livre, canal
bolsonarista ancorado por Alan dos Santos, que teve prisão decretada pelo
ministro Alexandre de Moraes e está foragido nos Estados Unidos.
O apoio ao comandante não está restrito às
hostes bolsonaristas. Estende-se ao senador Alexandre Silveira (PSD-MG). O
senador, que foi delegado da polícia civil e assumiu a cadeira quando Antonio
Anastasia foi para o TCU, diz que o comandante assumiu o “papel de liderança”
que o governador deveria ter tido ao “acalmar a tropa antes que acontecesse um
desastre”.
Não estranha que, num Estado em que um
comandante é parabenizado pela liderança numa manifestação de PMs, a baderna se
estenda aos agentes penitenciários que também entraram em “greve branca”.
Em 2019 quando os PMs fizeram um motim no
Ceará, o então comandante do Nordeste, general Marco Antonio Freire Gomes, hoje
comandante de operações terrestres do Exército, ligou ao governador Camilo
Santana. Disse-lhe que teria o apoio do Exército para não fazer concessões aos
amotinados.
O isolamento de Zema, que não construiu
pontes no governo federal nem com os demais governadores, estende-se também ao
comandante do Sudeste, general Tomás Ribeiro Paiva, que serviu como ajudante de
ordens do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Zema só não está isolado daqueles que
almejam sua cadeira. Com quase o triplo da intenção de voto do segundo colocado
(Kalil), é o cerco de dentro que o ameaça. O governador reproduziu uma base de
governo a la Bolsonaro mas custa a manejá-la.
Além de Marcelo Álvaro Antonio, a vice é
cobiçada por Marcelo Aro (PP), deputado federal que passou do círculo do
ex-deputado Eduardo Cunha para o do ministro Ciro Nogueira sem largar a
Federação Mineira de Futebol, dominada por sua família há três gerações.
Sem maioria na Assembleia Legislativa, foi
alvo de uma CPI da Cemig, que o levou a recuar da privatização da estatal. O
presidente da Casa, Agostinho Patrus (PV), foi visitado por uma comissão de
policiais que liderou a manifestação. Recebeu deles uma moção de repúdio ao
regime de recuperação fiscal proposto pelo governador.
A ausência de limites desses policiais
estreitou a saída. Se Zema atender às demandas não apenas ficará refém das
barganhas como terá dado a senha para que a insubordinação se reproduza
alhures.
Se fincar o pé, sem a devida costura
política, pode assistir ao descontrole do movimento. Como a segurança pública
já está sob comando bolsonarista, a possibilidade de uma intervenção para dar a
Bolsonaro o palanque que a política lhe nega em Minas, parece descartada. O
caos, não.
Nenhum comentário:
Postar um comentário