EDITORIAIS
É preciso investigar intervenção de Flávio
na Receita
O Globo
É grave a revelação de que pelo menos cinco
servidores da Receita Federal foram mobilizados durante quatro meses para
apurar se os dados fiscais do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) haviam sido
acessados de modo irregular e depois repassados ao Conselho de Controle de
Atividades Financeiras (Coaf), dando início ao caso que ficou conhecido como
Escândalo das “Rachadinhas”. De acordo com as denúncias, o ex-PM Fabrício
Queiroz comandava um esquema de desvio de parcela dos salários dos funcionários
do gabinete de Flávio, quando ele era deputado estadual no Rio de Janeiro.
Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, a mobilização do aparelho do Estado em benefício do filho Zero Um aconteceu depois de uma reunião, revelada pela revista ÉPOCA, envolvendo o presidente Jair Bolsonaro, o chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, e advogados que representavam Flávio e haviam encaminhado o pedido de investigação ao então secretário especial da Receita, José Barroso Tostes Neto.
A própria Receita já reconheceu que Tostes
Neto se reuniu três vezes com Flávio em 2020, uma delas na casa dele, no dia 17
de setembro, quando o caso das “rachadinhas” foi tema de discussão. A mobilização
dos funcionários do Fisco para tratar dos interesses do filho do presidente
ocorreu, segundo os documentos revelados, poucas semanas depois, no dia 23 de
outubro, por ordem de Tostes Neto.
Tivesse havido acesso irregular aos dados
fiscais do senador, evidentemente seria uma violação inaceitável dos seus
direitos. Mas a investigação que a Receita promoveu especialmente para
verificar essa suspeita comprovou que nada disso aconteceu.
A apuração demonstrou que não há como
acessar os sistemas da Receita sem deixar rastros, ao contrário do que
insinuava a defesa de Flávio. Também não encontrou nenhum acesso que fugisse à
normalidade, novamente em desafio a exemplos hipotéticos trazidos pelos
advogados nos documentos em que exigiam a investigação. Todas as acusações
contra o Fisco se revelaram um espantalho para tentar desviar as investigações
das “rachadinhas” do foco principal. Ao final, restou claro o que todos já
sabiam: as informações que deram origem às denúncias de “rachadinha” surgiram
nos relatórios de rotina que o Coaf prepara para analisar transações
financeiras suspeitas.
O que choca no episódio é a desfaçatez com
que Flávio aparentemente usou de sua proximidade com o Planalto para tentar
fazer prevalecer uma versão que o livrasse das denúncias. Bolsonaro decerto não
é o primeiro presidente a usar a máquina do Estado para defender interesses
seus e de seus familiares. Mas isso não alivia a situação. Trata-se de mais uma
traição aos valores republicanos expressos na Constituição que ele jurou cumprir
ao tomar posse. A Procuradoria-Geral da República tem o dever não apenas de
levar adiante as acusações contra Flávio no caso das “rachadinhas” — que a
Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) tratou de esvaziar numa decisão
questionável —, mas também de abrir uma nova investigação para apurar a
intervenção dele na Receita.
Com adiamento do carnaval, não dá para
aceitar desfiles de blocos
O Globo
O desfile de mais de cem foliões do bloco
Não Adianta Ficar Putin, na Zona Portuária do Rio, na manhã do último sábado,
confundiu a cabeça dos cariocas. Pelo segundo ano consecutivo, oficialmente os
cortejos de carnaval estão proibidos na cidade devido à pandemia de Covid-19.
Apenas as escolas de samba ganharam salvo-conduto, mesmo assim a festa foi
adiada para 21 de abril, feriado de Tiradentes, em decisão tomada em conjunto
pelas prefeituras do Rio e de São Paulo.
Dispersado pela Guarda Municipal depois de
quase três horas de desfile, o bloco chamou a atenção para o risco de as
decisões das prefeituras caírem no vazio. As maiores cidades do país resolveram
suspender ou adiar o carnaval deste ano. Mas os sinais estridentes de rebeldia
não vêm só do Rio. Em Salvador, onde as festas também estão proibidas, um bloco
ignorou as normas e desfilou pelas ruas do Centro Histórico no domingo
retrasado.
Cidades como Rio, Salvador, Recife e São
Paulo, onde o carnaval tem grande peso no calendário turístico, tomaram a decisão
correta de cancelar a festa. Quando foram anunciadas as medidas, o Brasil vivia
a disparada de casos provocada pela variante Ômicron do Sars-Cov-2. Era
impossível saber no fim do ano passado ou no início de 2022 como estaria o
cenário epidemiológico no carnaval. Seria irresponsabilidade autorizar eventos
que, pela própria natureza, geram grandes aglomerações e, consequentemente,
favorecem a transmissão do vírus.
É verdade que, em praticamente todo o país,
já se observa um declínio no número de infectados, mas o Brasil ainda registra
média de mais de 800 mortes de Covid-19 por dia, e os sistemas de saúde
permanecem pressionados. Não é difícil imaginar as consequências para as já
exauridas equipes do Sistema Único de Saúde (SUS) de uma nova onda após a farra
momesca.
Não basta baixar decretos proibindo os
desfiles. As prefeituras precisam dialogar com representantes dos blocos e
aumentar a fiscalização para garantir que as regras sejam cumpridas. Algumas
cidades cancelaram o feriado de carnaval para desestimular a desobediência.
É preciso levar em conta também que, apesar
do veto aos blocos, em muitas cidades festas e shows privados com cobrança de
ingressos estão autorizados. Por isso é importante exigir comprovante de
vacinação e cobrar a adoção de protocolos sanitários como o uso de máscaras,
por mais difícil que seja implantá-los em eventos que reúnem centenas e até
milhares.
Se não houver fiscalização, corre-se o
risco de repetir o que aconteceu no Rio, então capital da República, em 1912.
Naquele ano, em razão da morte do barão do Rio Branco às vésperas da folia, o
governo decidiu adiar a festa para depois da Páscoa, fato raro na história da
cidade (em 1918, quando houve a terrível gripe espanhola, o carnaval não
silenciou). O luto, porém, foi solenemente ignorado pelos cariocas, e a folia
rolou solta. O Rio acabou tendo dois carnavais, o clandestino e o oficial.
Apuração rachada
Folha de S. Paulo
Com mobilização comprovada da Receita, caso
Flávio Bolsonaro segue sem respostas
Foram bem-sucedidos até aqui os esforços do
senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) para deter as investigações sobre desvios
ocorridos em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e
seu envolvimento com o chamado esquema das "rachadinhas".
Desde que as primeiras suspeitas vieram à
tona, pouco antes da chegada de seu pai ao Palácio do Planalto, uma sucessão de
decisões judiciais paralisou o trabalho dos promotores estaduais que examinavam
suas transações financeiras.
Sua vitória mais significativa foi
alcançada no fim do ano passado, quando o Superior Tribunal de Justiça anulou
todas as decisões do juiz de primeira instância que autorizara o início das
apurações.
A corte concluiu que ele não tinha
jurisdição sobre os atos praticados por Flávio como deputado estadual —e que o
processo deveria ser conduzido pelo Tribunal de Justiça do Rio. Devolveu-se o
inquérito à estaca zero, e anularam-se as provas colhidas.
Foram empurradas para debaixo do tapete
também as desconfianças geradas pela intensa movimentação do senador no
interior do governo, em busca de elementos que o ajudassem a jogar areia nas
engrenagens das investigações.
Documentos
inéditos obtidos por este jornal mostram que a Receita Federal chegou
a mobilizar cinco funcionários para averiguar suspeitas levantadas pelos
advogados do senador contra auditores fiscais, durante quatro meses.
Difícil imaginar que o tenham feito sem
pressão do círculo íntimo do presidente Jair Bolsonaro (PL), após uma reunião
da defesa de seu filho mais velho com o Gabinete de Segurança Institucional e a
Agência Brasileira de Inteligência.
Segundo Flávio, o fisco promoveu uma
devassa ilegal em suas contas para alimentar o Conselho de Controle de
Atividades Financeiras (Coaf), órgão de inteligência cujos relatórios apontaram
os primeiros sinais de desvios.
Os papéis revelados agora indicam que essas
alegações foram descartadas pela Receita após investigações internas, mas
várias dúvidas sobre o trabalho dos auditores e a reação do filho do presidente
permanecem sem esclarecimento.
A defesa de Flávio manifestou surpresa ao
tomar conhecimento dos documentos, alegando não ter sido informada pela Receita
do resultado das apurações, e insistiu na tese de que ele foi alvo de
perseguição dos promotores.
Se é possível que abusos tenham sido
cometidos, o filho de Bolsonaro parece ter levado a melhor até agora. O
secretário da Receita que atendeu ao seu pedido de investigação, José Barroso
Tostes Neto, foi afastado, e as pontas soltas do inquérito das
"rachadinhas" continuam à espera de providências.
Mais negligência
Folha de S. Paulo
Remédios eficazes ainda não estão no SUS,
em contraste com rapidez na cloroquina
Sim, existem tratamentos precoces para a
Covid-19. Não são, porém, os que Jair Bolsonaro apregoa.
No início da pandemia, profissionais de
saúde, desesperados por não ter como tratar seus pacientes, passaram em revista
o arsenal de drogas da medicina, em busca de um remédio já licenciado que
tivesse atividade contra o Sars-CoV-2.
Foi nesse contexto que fármacos como
cloroquina, um antimalárico, ivermectina, um vermífugo, e nitazoxanida, outro
vermífugo, ganharam notoriedade. Estudos muito preliminares sugeriam que eles
poderiam funcionar. Mas essa hipótese acabou derrubada.
Por razões que cientistas cognitivos ainda
precisam investigar mais, alguns grupos, em geral com ideologia mais à direita,
recusaram-se a assimilar os resultados dos trabalhos e seguem até hoje
afirmando que cloroquina e quejandos são eficazes contra a Covid-19.
Os laboratórios, porém, não ficaram
parados. Assim como vacinas foram desenvolvidas em tempo recorde, a indústria
farmacêutica criou ou encontrou drogas que têm atividade contra o vírus e
salvam vidas quando ministradas nas fases iniciais da infecção. São os
tratamentos precoces reais.
Fala-se aqui de fármacos como o Paxlovid,
capaz de reduzir hospitalizações e mortes em 89%, o Remdesivir, com eficácia de
86%, e o Molnupiravir, entre 30% e 50%.
Agora, o escândalo. Como bem observou
o médico infectologista e colunista da Folha Esper
Kallás, ainda morrem no Brasil cerca de 800 pessoas por dia devido à
Covid-19, mas ainda não colocamos esses medicamentos nos hospitais, onde
salvariam inúmeras vidas.
A Anvisa nem sequer terminou o processo de
licenciamento de todos, embora alguns estejam em uso até na Venezuela. As
drogas que já foram aprovadas ainda não foram incorporadas ao SUS.
É uma lentidão que contrasta com a rapidez
com que o governo de Jair Bolsonaro disponibilizou a cloroquina e outras drogas
inúteis contra o coronavírus.
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, diz
que já está em contato com os fabricantes para encomendar os produtos, mas
alerta que serão
necessárias também mudanças na legislação.
Espera-se que o ministro não queira também
fazer uma consulta pública, como a que convocou para atrasar a vacinação
infantil. A eventual alteração na lei pode ser feita por medida provisória, mas
é preciso algum senso de urgência.
Defesa intransigente das eleições
O Estado de S. Paulo
O novo presidente do TSE reiterou o
compromisso da Justiça Eleitoral na defesa da democracia e das eleições. Tempos
excepcionais exigem atenção excepcional
Em seu discurso de posse, o novo presidente
do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Edson Fachin, fez uma firme
defesa do regime democrático, da integridade das eleições e da Justiça
Eleitoral. Ao abordar os desafios atuais, Fachin reiterou o compromisso de
intransigência com ataques e ameaças às regras democráticas e ao debate
público.
“A democracia é, e sempre foi,
inegociável”, lembrou o presidente do TSE. A necessidade de defender
explicitamente o regime democrático, como também ocorreu com o discurso do
ministro Luís Roberto Barroso ao deixar a presidência da Corte, confirma uma
vez mais o caráter não trivial das atuais circunstâncias
político-institucionais. De fato, sob a vigência da Constituição de 1988, é
inédito o fenômeno de ataques sistemáticos à democracia e às eleições que ora
se observa.
“Há muitos desafios a serem enfrentados. O
primeiro (...) é proteger e prestigiar a verdade sobre a integridade das
eleições brasileiras”, afirmou Edson Fachin. Não são bombas ou tanques de
guerra que ameaçam as eleições de 2022. É uma afronta mais sutil, mas não menos
perniciosa. A ameaça apresenta-se nas campanhas de desinformação sobre o
processo eleitoral, que tentam disseminar a desconfiança sobre a lisura do
pleito. Sempre, mas especialmente nesse cenário, é preciso resgatar o valor da verdade,
da racionalidade e da ciência: desvendar os sofismas das teorias fantasiosas,
dando crédito apenas a fatos comprovados e informações de fontes seguras.
Com realismo, o presidente do TSE lembrou
que a desinformação no processo eleitoral deve ser combatida por toda a
sociedade. Não é tarefa exclusiva da Justiça Eleitoral. Compete a todos zelar
por um espaço de debate público saudável, o que, num Estado Democrático de
Direito, é sinônimo de ambiente livre e plural, respeitoso com as diferenças e,
muito especialmente, com a dignidade de cada um. “A tolerância é o exercício de
reconhecer a dignidade alheia, (...) elemento indispensável para a harmonia
social”, disse Edson Fachin.
Como segundo desafio, o presidente do TSE
mencionou o fortalecimento das próprias eleições, que “constituem a ferramenta
fundamental não apenas para garantir a escolha dos líderes pelo povo soberano,
mas para assegurar que as diferenças políticas sejam solvidas em paz pela
escolha popular”. Trata-se de importante dimensão do processo eleitoral, tantas
vezes esquecida nestes tempos de polarização acentuada.
As eleições não são apenas um procedimento
para definição de governantes e parlamentares. São, devem ser, caminho de
pacificação das diferenças político-ideológicas. O pleito eleitoral envolve
disputa – e, muitas vezes, disputa dura e acirrada –, mas isso não significa
intensificar o esgarçamento do tecido social. É precisamente o contrário: as
eleições são uma ferramenta poderosa para que a sociedade possa organizar
pacífica e respeitosamente suas diferenças.
O terceiro desafio, segundo o presidente do
TSE, é o respeito ao resultado das urnas. Novamente, chama a atenção a
excepcionalidade dos tempos atuais. É necessário mencionar não apenas que a
vontade do eleitor será respeitada – o que, num regime democrático, deveria ser
um truísmo –, mas que o respeito às urnas se apresenta como um desafio. Eis a
verdade incômoda: em 2022, há gente no Brasil interessada em tumultuar o
processo eleitoral e em tornar plausível a ideia – verdadeiramente absurda e
fora de lugar num Estado Democrático de Direito – de desautorizar a Justiça
Eleitoral e, consequentemente, o resultado das urnas.
“Paz e segurança nas eleições em 2022, eis
o que almejamos”, concluiu Edson Fachin, que colocou a defesa do legado da
Justiça Eleitoral como o quarto desafio do TSE. “A Justiça Eleitoral brada por
respeito. E alerta: não se renderá”, avisou.
Se as ameaças assombram, é tran-quilizador
constatar o compromisso firme do TSE com a democracia. Que as decisões da
Justiça Eleitoral expressem igual veemência. Abusos e crimes contra as eleições
não podem ficar impunes.
Motim policial agora é ‘legítimo’
O Estado de S. Paulo
Romeu Zema e Rodrigo Pacheco tratam a
insurreição dos policiais de Minas Gerais como se fosse algo absolutamente
normal
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema
(Novo), demonstrou perigosíssima tolerância com a insubordinação das forças
policiais do Estado, sobre as quais ele deve exercer autoridade por imperativo
constitucional. Em nota, Zema classificou como “absolutamente legítima” a
manifestação política que no dia 21 passado reuniu milhares de bombeiros e
policiais civis e militares – inclusive da ativa e armados, pasme o leitor – em
protestos por reajuste salarial na capital mineira. De acordo com o governador,
encontrar recursos para a concessão de aumento salarial aos agentes de
segurança pública é “um problema que tem tirado o sono da cúpula do governo”.
Ora, quem deve estar com dificuldades para
dormir sossegado é o cidadão mineiro que vê seu governador ser complacente com
as flagrantes ilegalidades cometidas pelos policiais civis e militares da ativa
que participaram dos protestos. Tudo começou a desandar quando Zema não
destituiu imediatamente o comandante da Polícia Militar (PM) mineira, coronel
Rodrigo Sousa Rodrigues, logo após este ter autorizado a participação de seus
comandados nos protestos, uma desabrida afronta ao regulamento militar e à
Constituição. Como se não bastasse, os policiais militares houveram por bem
realizar uma votação em frente à Assembleia Legislativa em que decidiram entrar
em greve até que o Palácio Tiradentes se manifeste sobre as reivindicações dos
insurgentes.
Convém lembrar que greve ou manifestações
contra superiores são peremptoriamente vedadas a policiais e bombeiros
militares. Se levadas a cabo, configuram crime de motim, conforme a legislação
penal militar. Tão nefasta é a ideia de policiais de braços cruzados, que o
Supremo Tribunal Federal estendeu a proibição de greve aos policiais civis.
Servidores públicos militares ou civis que
portam armas e exercem o monopólio da violência em nome do Estado não podem ter
voz em manifestações de natureza política. Se querem tê-la, têm total liberdade
para seguir outra carreira profissional. A razão para essa vedação, fundamental
para a vigência do regime democrático, é muito fácil de ser entendida. A
política é, por excelência, o meio pelo qual a sociedade negocia pacificamente
interesses muitas vezes conflitantes. Em outras palavras, política é “a guerra
civil sem o combate armado”, como bem definiu o cientista político David
Runciman, da Universidade de Cambridge. Negociações bem-sucedidas pressupõem
equilíbrio e boa-fé entre as partes. Como garantir essas precondições quando
uma das partes coloca armas sobre a mesa e ameaça prejudicar a segurança da
coletividade?
O comportamento truculento e ameaçador das
lideranças grevistas indica uma perigosíssima subversão do papel das forças de
segurança do Estado. “Eu não sei o que vai ser a partir de amanhã (dia 23/2) ou
depois de amanhã. Se o governo continuar com intransigência, sou capaz de
afirmar que, ainda que sejam demitidos mil, dois mil (policiais), vai virar um
caos em Minas Gerais”, disse ao Estadão o subtenente Heder Martins de Oliveira,
presidente da Associação dos Praças, Policiais e Bombeiros Militares de Minas
Gerais. Tal advertência ficaria melhor na boca de um mafioso, e não na de um
policial.
Além do governador Romeu Zema, quem não vê
qualquer problema na sublevação dos militares mineiros é ninguém menos que o
presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). No Twitter,
Pacheco escreveu que “a reivindicação das forças de segurança de Minas é legítima
e de direito”, e que Zema tem o “dever de ouvi-la” e de “estar aberto” à
negociação. Tão inacreditável quanto a solidariedade de Pacheco aos
insubordinados é o fato de o presidente do Senado ser considerado um grande
jurista. Como, então, considerar “de direito” uma manifestação que é
expressamente vedada por lei e pela Constituição?
Por trás da tolerância de Zema e Pacheco
estão os interesses eleitorais de ambos. Mas nada justifica a complacência com
a insurreição dos policiais, tratando-a como se fosse algo absolutamente
normal.
Quem deve estar animado é o presidente Jair Bolsonaro, que já estimulou motins policiais e sempre cresce em meio à balbúrdia.
Cenário para inflação segue sem sinais de
melhora
Valor Econômico
Quase um ano depois de o BC ter começado a
aumentar os juros, os índices continuam a mostrar reajustes disseminados de
preços
O cenário para a inflação no Brasil
permanece complicado. Quase um ano depois de o Banco Central (BC) ter começado
a aumentar os juros, os índices continuam a mostrar reajustes disseminados de
preços. O quadro de uma inflação resistente aponta para mais duas ou três altas
da Selic, taxa que tende a subir dos atuais 10,75% para a casa de 12% a 13% ao
ano e aí ficar por um período considerável, com efeitos negativos sobre a
atividade econômica, especialmente a partir do segundo semestre.
Divulgado ontem, o Índice Nacional de
Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15) de fevereiro teve alta de 0,99%,
variação acima do 0,87% do consenso dos analistas. Com isso, o acumulado em 12
meses passou de 10,20% em janeiro para 10,76% em fevereiro, um número muito
superior ao teto da banda de tolerância da meta deste ano, de 5%.
Uma abertura mais detalhada do indicador
evidencia que os problemas não são localizados. A média dos cinco núcleos
acompanhados de perto pelo BC também ficou em 0,99%, o que fez o acumulado em
12 meses passar de 7,76% para 8,32%. Mesmo as medidas de núcleo, que buscam dar
um retrato mais preciso da tendência da inflação, ao reduzir a influência dos
itens mais voláteis, seguem bem acima da meta perseguida pelo BC.
Há reajustes fortes de preços em três
categorias importantes: alimentação no domicílio, serviços e bens industriais.
Em fevereiro, a alta desse primeiro grupo foi de 1,49%, o que fez a variação em
12 meses voltar a reacelerar, de 8,47% para 9,47%. É um aumento que prejudica
principalmente os mais pobres, uma vez que os alimentos pesam mais na cesta de
consumo da população de baixa renda. A alta de serviços, por sua vez, foi de
1,36%, levando o acumulado em 12 meses para 5,99%.
No caso dos bens industriais, a aceleração
dos preços em curso desde o fim de 2020 preocupa, num cenário marcado por
problemas nas cadeias globais de oferta e de câmbio excessivamente
desvalorizado em grande parte desse período. A inflação do grupo foi de 1,17%
em fevereiro, com a variação em 12 meses subindo para 12,95%.
Relatório do Grupo de Conjuntura do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) chama atenção para os fatores
que continuam a pressionar os preços de bens industriais, mesmo com a forte
queda do dólar ocorrida ao longo deste ano. É o caso da alta das commodities e
do descasamento entre a oferta e a demanda de insumos, num quadro de
dificuldade de normalização das cadeias produtivas, escrevem Maria Andreia
Parente Lameiras e Marcelo Lima de Moraes. Nesse cenário, os economistas do
Ipea elevaram a projeção para o IPCA de 2022 de 4,9% para 5,6%, “tendo por base
as circunstâncias atuais, que combinam inflação corrente elevada, pressões
persistentes de commodities, cadeias produtivas desreguladas e contribuições
climáticas menos favoráveis”.
O recuo do dólar é uma notícia positiva
para a luta contra a inflação, mas o movimento se deu num momento de disparada
de produtos básicos. A queda da moeda americana, desse modo, não deve ser
suficiente para contrabalançar o efeito do aumento das commodities. Além disso,
os analistas não veem os níveis atuais, na casa de R$ 5, como sustentáveis. O
ponto é que a elevação dos juros nos EUA e as incertezas relacionadas às
eleições no Brasil tendem a pressionar o câmbio nos próximos meses. Por
enquanto, as tensões entre Rússia e Ucrânia não afetaram o real, mas um
eventual agravamento da crise pode aumentar a aversão global ao risco,
reduzindo a busca por ativos de países emergentes.
Com uma inflação ainda tão alta e tão
disseminada, o BC deverá elevar mais vezes a Selic, que estava em 2% ao ano em
março do ano passado. Hoje, a expectativa é que a taxa supere 12%. Sem a ajuda
da política fiscal, num ano em que o governo e a base aliada no Congresso
querem elevar gastos e reduzir impostos às pressas, o custo do combate à
inflação fica exclusivamente nos ombros do BC.
Juros mais altos por mais tempo vão
obviamente afetar a economia. Relatório do Bradesco divulgado ontem nota que o
atual ciclo de alta da Selic começou em março de 2021, mas que o juro entrou em
terreno contracionista - aquele que desestimula a atividade - apenas no quarto
trimestre do ano passado, devendo ficar nesse campo até o fim de 2023. “Em
geral, os efeitos de um aperto da política monetária são percebidos a partir de
dois trimestres, ou seja, o segundo semestre deste ano deve registrar efeitos
mais significativos”, aponta o Bradesco. Um crescimento mais fraco será um dos
custos de uma política fiscal que perdeu a credibilidade, contribuindo para a
necessidade de um ciclo mais forte de alta de juros.
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