Valor Econômico
Se tivesse dependido apenas de Lula e FHC,
aliança já teria ocorrido
A filiação do ex-governador Geraldo Alckmin
ao PSB foi, sem dúvida, o fato político mais relevante da corrida presidencial
até agora. O mais incrível foi ver Alckmin, ex-representante da ala
conservadora do PSDB, derramar-se em elogios ao ex-presidente Lula (PT).
“É esta a grande causa do Brasil que nos
une, que nos irmana, neste momento histórico. Temos que ter os olhos abertos
para enxergar, a humildade para entender, que ele [Lula] é hoje o que melhor
reflete e interpreta o sentimento de esperança do povo brasileiro”, discursou o
ex-tucano, que saiu do PSDB para ser candidato a vice-presidente na chapa de
Lula. “Não tenho dúvida de que o presidente Lula, se Deus quiser, eleito, vai
reinserir o Brasil no cenário mundial, vai alargar o horizonte do
desenvolvimento econômico e vai diminuir essa triste diferença social que nós
temos no país.”
Nas redes sociais, além de o acontecimento
de ontem ter sido um dos mais vistos e comentados, circularam chistes e piadas
de todo tipo, “memes”, como se diz na internet. Apoiadores do petista e do novo
“socialista” disseminaram imagens da novidade política. Num dos vídeos,
avisa-se, em meio ao som de metralhadoras e antes de mostrar Alckmin
discursando, que as cenas são “fortes”, recomenda-se a retirada de crianças da
sala e observa-se de que não se trata de obra ficcional. No fim, uma pilhéria
que se pretende epígrafe: “No Brasil, inverossímil é a vida e não a arte”.
Para além do gracejo, importa entender o movimento político. Olhando-a em perspectiva, a união Lula-Alckmin, embora não traduza perfeitamente o encontro há muito esperado entre o PT e o PSDB, significa, sim, a aproximação entre essas duas forças da social-democracia brasileira - ainda que o ex-governador de São Paulo seja menos identificado com essa doutrina do que, por exemplo, o senador José Serra (PSDB-SP), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-governador Mário Covas, falecido em 2001.
Petistas e tucanos não estiveram juntos
antes por uma razão: disputa do poder. É quando a vaidade (ou veleidade) se
sobrepõe à nobreza da compreensão de que, em certos momentos, é preciso abrir
mão de interesses pessoais em benefício de algo maior - o destino de 211
milhões de pessoas, a maioria, pobre.
Lula e FHC estiveram politicamente juntos
muito antes de disputarem a presidência. Em 1978, o então sindicalista _ o PT
foi fundado dois anos depois _ fez campanha para FHC, candidato ao Senado pelo
MDB de São Paulo. Em 1984, os dois participaram do movimento “diretas já”, cujo
objetivo era eleger, pelo voto popular, o sucessor do último general do regime
militar.
Dois anos depois, Lula e FHC, defenderam,
na essência, valores da social-democracia durante a formulação da nova
Constituição. É verdade que o PT boicotou a cerimônia de homologação da nova
Carta Magna. Petistas alegaram que o texto saiu como desejavam a direita e o
chamado “centrão” da época. Na ocasião (1988), espalhou-se a informação de que
o partido se recusara a assinar o ato de criação da Constituição.
Na verdade, os petistas subscreveram a
Carta porque esta foi uma formalidade exigida de todos os constituintes. Mas, o
boato manchou a imagem da sigla - o que eles fizeram foi muito pior porque,
afinal, significou rejeitar a nova lei fundamental do país, que, apesar de
todos os problemas, instituiu como cláusulas pétreas direitos e garantias
fundamentais que sustentam o regime democrático e encerram projeto de nação.
Em 1989, na primeira eleição direta para
presidente desde 1960, Lula superou Leonel Brizola, do PDT, e foi para o
segundo turno. Perdeu para Fernando Collor, mas, ali, deu-se fato histórico que
muitos ainda não enxergaram: depois de 59 anos, o getulismo deu lugar ao
lulismo como fenômeno dominante da política (governa-se com ou contra esses
dois movimentos).
Em várias ocasiões de sua história, o PT
optou pelo poder imediato e acabou pagando caro. Em 1992, foi o partido mais
atuante na campanha de impeachment de Collor. Quando este caiu, o vice Itamar
Franco ameaçou não assumir se não tivesse apoio da maioria das legendas.
Presumindo que a gestão Itamar fracassaria e sabendo que a sucessão
presidencial ocorreria dali a dois anos, os petistas recusaram-se a apoiar o
governo. Desobedecendo a essa ordem, a ex-prefeita Luíza Erundina aceitou
convite para ser ministra e, por isso, foi “suspensa” por um ano. Em 1997, deixou
o PT e filiou-se ao PSB.
O PT calculou mal o que seria o governo
Itamar. Este tinha aliados em praticamente todas as legendas, capital político
extraordinário para governar. Se a lógica petista estivesse certa, todos
estavam errados, menos o PT. FHC conta que, em 1994, à frente do Plano Real e
sabendo que este tinha enorme chance de finalmente acabar com a hiperinflação
no Brasil, chamou Lula para uma conversa, na qual enfatizou essa predição e o
alertou que o ideal seria os dois estarem juntos politicamente.
Lula consultou Aloízio Mercadante,
referência do partido em assuntos econômicos, e este previu que o Real daria
errado. Bem, por causa do plano que liderou, FHC ganhou a eleição presidencial
de 1994 e de 1998 no 1º turno, tendo Lula como principal desafiante. Mais:
desde a volta da eleição direta, FHC foi o único a vencê-la em 1º turno.
Em 2002, o petista, finalmente, ganhou a
confiança da maioria dos eleitores e chegou à Presidência. A transição de
governo foi a mais civilizada de que se tem notícia e, no exercício do poder,
Lula se reaproximou de FHC Um exemplo: antes de participar de encontro com
autoridades europeias, em seu primeiro mês no cargo, Lula telefonou a Fernando
Henrique para lhe pedir conselho sobre como se posicionar à esperada invasão do
Iraque pelos Estados Unidos. Antes, consultou-o sobre as nomeações que
planejava fazer.
O fato é que Lula se revelou mais
pragmático do que seus apoiadores, principalmente os intelectuais da USP e os
remanescentes da guerrilha. Pragmatismo significou, basicamente, adotar e até
aperfeiçoar o arcabouço econômico da gestão tucana. Tudo deu certo e pode-se
dizer que nunca antes PT e PSDB estiveram tão próximos do ponto de vista
programático como no início da primeira gestão petista.
Mas, como no Brasil, nada é simples quanto parece ser, já no primeiro ano de mandato de Lula, seu então ministro da Casa Civil, José Dirceu, começou a falar em “herança maldita”, o que, obviamente, aborreceu FHC sobremaneira. (os outros capítulos da novela PT-PSDB continuam na próxima semana)
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