Folha de S. Paulo
A pacífica coexistência contrasta com a
dificuldade de gerar uma região mais coesa
Estudiosos da economia mundial anunciam que a era de ouro da globalização, iniciada nos anos 1990, está chegando ao fim, por ter sido golpeada, primeiro, pela pandemia da Covid-19; agora, pela invasão russa da Ucrânia. O economista Dani Rodrik, da Universidade Harvard, por exemplo, em entrevista ao jornal Valor, argumenta que a conjugação de ambos os eventos alçou os cálculos geopolíticos e as preocupações com a segurança nacional ao lugar ocupado pela integração econômica e financeira globais. O efeito, diz ele, será a reposição das regiões como esfera privilegiada de organização das cadeias produtivas e trocas internacionais.
Eis um bom momento para rever os desafios e
as oportunidades da América do Sul. Em comparação com outras áreas, o grande
triângulo regional tem a vantagem do convívio em geral pacífico entre as nações
que o ocupam —em larga medida afiançado pelo compromisso do Brasil com o
respeito ao direito internacional e a prioridade conferida à diplomacia e a
soluções negociadas das disputas de fronteiras.
Essa fecunda coexistência contrasta com a
recorrente dificuldade de gerar uma região mais coesa e apta a se apresentar
com identidade própria na cena internacional. Muitos foram os projetos de
integração que se esboroaram. Só para ficar nas últimas décadas, fracassaram a
Iirsa (Iniciativa para a Integração Regional Sul-Americana), de 2000, e a Unasul (União
das Nações Sul-Americanas), de 2008. O Mercosul (Mercado Comum do Sul), de
1991, mal se aguenta vivo, incapaz de injetar dinamismo nas trocas entre seus
participantes, menos ainda rivalizar com a China, hoje o maior parceiro
comercial do Brasil e da Argentina.
Estruturas produtivas que mal se comunicam,
comércio regional minguado, presença ativa de grandes potências, recorrente
instabilidade política e, por fim, ausência de liderança capaz de produzir
convergência —e pagar os custos inevitáveis da maior integração— explicam muito
desse triste desempenho.
As mudanças em outras paragens oferecem
nova chance ao subcontinente, desde que os seus países consigam produzir
liderança compartilhada e coordenação em torno de uma agenda comum. Os temas a
exigir inovadora cooperação são claros: enfrentamento das mudanças climáticas
com investimentos de porte em energias renováveis e defesa da Amazônia;
desenvolvimento do potencial produtivo de commodities; fortalecimento das
instituições de saúde coletiva; criação de defesas eficazes contra o
narcotráfico e outros ilícitos; enfim, a manutenção da democracia na região e
da zona de paz no Atlântico Sul. Haja desafios!
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