Valor Econômico
Vitória em São Paulo, que daria sobrevida
ao bolsonarismo em caso de derrota nacional, já seria suficiente para um
compromisso de apoio mútuo entre Haddad e Garcia
A crença de que a eleição presidencial se
define em São Paulo tem movido erros e acertos de campanhas. Não é diferente
este ano.
A filiação de Geraldo Alckmin ao PSB para
compor a chapa presidencial petista e a escolha de Tarcísio Freitas, o ministro
menos contaminado do bolsonarismo, para a disputa estadual são acertos. A
disputa presidencial de João Doria, o quinto governador paulista a se perder no
mesmo caminho desde a redemocratização, é erro.
Dele emerge a ameaça de derrota que paira
sobre o PSDB na disputa pela manutenção do governo que o partido comanda há
quase 27 anos.
Fernando Henrique Cardoso, o único tucano a
chegar ao Palácio do Planalto, o fez sem escala no Bandeirantes. O PT, das
quatro eleições presidenciais que ganhou, só em uma (2002) venceu também em São
Paulo. A despeito desse histórico, uma vitória em São Paulo é estratégica.
A primeira razão é aritmética. O Amapá triplicou sua fatia no eleitorado nacional nos últimos 30 anos e chegou a 0,3% do total. Já São Paulo se manteve estável (21,7%) mas na condição de maior colégio eleitoral. É preciso juntar os sete Estados do Norte e os três Sul para emparelhá-lo.
Esta aritmética move Jair Bolsonaro na sua
busca por uma vaga no segundo turno. Com uma rejeição em São Paulo superior à
média nacional, o presidente precisa colar sua imagem num candidato local
descontaminado. De maneira que, a cada cinco pontos amealhados pelo ministro na
disputa paulista, pingue um a mais na contagem nacional para o chefe chegar ao
segundo turno.
Tarcísio Freitas, carioca e torcedor do Fluminense,
já é mais conhecido pelos paulistas que o vice-governador Rodrigo Garcia,
graças à atuação das redes bolsonaristas na divulgação de seu nome. Tem como
cartão de visitas a experiência na infraestrutura, quesito em que o governo
paulista investiu o dobro do que a União o fez em todo o país no ano passado.
Mas a numeralha só conta um pedaço da
história. Mais do que eleger presidentes, São Paulo os tem derrubado. As
multidões que saem às suas ruas, dos carapintadas aos pixulecos, dão concretude
aos números frios da impopularidade dos governantes. Repaginadas, também
serviram de munição para quem quer ganhar no tapetão, como mostrou o 7 de
setembro de 2021.
É nesta caixa de ressonância que o PT mira.
Tem sua maior chance no Estado, desde 2002, quando José Genoino foi para o
segundo turno contra Alckmin. Mais do que os eleitores, quem amplifica o volume
das manifestações no Estado, estejam estas nas ruas, no noticiário, nos fóruns
empresariais, sindicais e culturais, é a concentração. De tudo. Se São Paulo
tem um pouco mais de um quinto dos eleitores, chega a um terço de toda a
riqueza produzida no país. O som vem daí.
Por isso Lula destacou o mais tucano de
seus correligionários, o ex-prefeito Fernando Haddad para a missão de
conquistar a caixa de ressonância do antipetismo nacional. Puxou Alckmin tanto
para amaciar sua chapa quanto para abrir caminho para Haddad, que já busca um
vice “honesto e bom gestor”, ou seja, um dublê do novo parceiro lulista.
Se o ex-prefeito já se movia naturalmente
para o centro, a saída de Guilherme Boulos da disputa estadual é um incentivo a
mais à moderação. Se o eleitor de esquerda se incomodar, não terá para onde ir.
Quando candidato à Presidência Haddad dizia
aos amigos que, se eleito, seu ministro da Fazenda seria Persio Arida,
economista da campanha de Alckmin, seu adversário em 2018. Agora está em uma
disputa em que o eleitor não escolhe com o bolso, mas com foco nos serviços de
segurança, saúde, educação e transporte. Enfrentará um governo que entregou
mais que aqueles que o antecederam. Já viveu situação parecida quando, a
despeito da boa gestão na capital, foi derrotado na tentativa de reeleição. Mas
a situação não está condenada a se repetir.
Ao contrário de Lula, que tem na defesa da
democracia o eixo de sua polarização com Bolsonaro, Haddad tem dois adversários
fortes cujas máquinas federal (Freitas) e estadual (Garcia) tendem a pesar mais
do que os valores.
Haddad lidera a disputa mas também enfrenta
a rejeição mais alta, quesito em que ruma para ter concorrentes quando os
eleitores se derem conta de quem são os candidatos e seus apoiadores. Bolsonaro
e Doria lideram a disputa de padrinhos mais rejeitados.
A rejeição de Doria ruma para se tornar um
clássico da história política. A Coronavac faz dele um dos gestores públicos
mais credores de reconhecimento nesta pandemia. Mas a avidez do governador pelo
confete e a incapacidade de esquentar a cadeira, o sufocam na raiz. No seu
lugar, brotou a aversão à política de isolamento.
A obsessão pelo marketing, a traição a
Alckmin e até a agressividade contra Bolsonaro no auge da pandemia pesam contra
si e contaminam tudo o que faz. O Estado tem a menor taxa de homicídios da
história (6/100 mil habitantes) e multiplicou por nove os alunos matriculados
em tempo integral, mas metade da população o desaprova como governador.
Entre 1995 e 2021, São Paulo cresceu 65,2%
e o Brasil, 71,5%. De sua posse até o fim do ano passado, o Estado cresceu 8% e
o país, 1,8%, mas ele se mostra incapaz de convencer mais do que 3% da
população de que governaria bem o país.
Rodrigo Garcia terá apenas seis meses como
governador para tirar o manto do antecessor sobre este legado. Não será fácil
porque, como candidato a presidente, a gestão em São Paulo é o que Doria terá a
mostrar.
Seus correligionários acham que os 20% de
reconhecimento da gestão são suficientes para colocar Garcia no segundo turno,
mas o apoio de Bolsonaro sozinho amealha mais do que isso para Tarcísio. Não
será fácil convencer o eleitor de que é preferível prorrogar a fadiga de
material com o PSDB a entregar a polícia para Eduardo Bolsonaro acabar com as
câmeras nos uniformes que derrubaram a letalidade policial.
O risco de o bolsonarismo, derrotado
nacionalmente, sobreviver em São Paulo seria suficiente para Haddad e Garcia
fazerem um acordo de apoio recíproco, em caso de um dos dois não ir para o
segundo turno. Como disse Alckmin na filiação ao PSB, ao lembrar as disputas
contra Lula, era um tempo em que não se colocava em questão a democracia. Agora
é.
Não há, porém, pontes capazes de costurar
um compromisso anti-bolsonarista. E assim, depois de danificar trilhos por onde
escoam os destinos da nação, o bolsonarismo parte para tomar a locomotiva.
Nenhum comentário:
Postar um comentário