Folha de S. Paulo
Por ora, taxa de câmbio refresca pouco o
calor da caldeira que é a inflação mundial
O real foi a moeda que mais se valorizou
neste ano, entre as 38 acompanhadas pelo FMI, todas as que
interessam, o dinheiro de países que fazem o PIB
global quase inteiro. Na média de março em relação à média de dezembro
de 2021, o
dólar caiu quase 11%. As comparações são de valores nominais (ou seja,
não descontam inflações nem corrigem a taxa de câmbio por outros fatores
relevantes).
É a história econômica mais relevante dos tempos que correm, pois o país não tem política econômica propriamente dita, estando à deriva ou na inércia. No que importa, restam apenas as decisões do Banco Central, agora quase a reboque do que vai acontecer com os preços mundiais de commodities. No mais, existe sempre a possibilidade de o governo aloprar além do que já se sabe e estourar as contas a fim de ganhar uns votos.
A taxa de câmbio pode dar um refresco na
inflação. Pouca gente se arrisca a falar do assunto porque:
1) A valorização recente do real compensa
pouco o imenso tombo que ocorreu na epidemia, alta de 30,5% do dólar de
fevereiro de 2020 a dezembro de 2021;
2) Assim como a alta recente foi uma
surpresa, é também difícil dizer quanto vai durar, o que depende de humores da
finança mundial, do tamanho do tombo que a economia
global vai tomar com a guerra da Ucrânia ou da quantidade de
disparates que vamos ouvir na campanha eleitoral, para ficar em poucos
exemplos;
3) O preço de mercadorias básicas,
commodities, subiu tanto neste ano que a alta do real ainda enxuga gelo
inflacionário. Além do mais, a inflação
doméstica se disseminou (preços de vários setores econômicos aumentam,
embora não os salários, convém notar).
Ainda assim, é a novidade que temos; pode
vir a ser um motivo de alívio, com alguma sorte e com a contenção das loucuras
domésticas (gostamos de dar tiro no pé, no peito e, nos últimos dez anos, na
cabeça). Sim, o movimento não ocorre apenas no Brasil, mas com algumas moedas
do mundo, em particular as dos países latino-americanos, que todos apanharam
muito no câmbio nos dois primeiros anos da epidemia.
Por ora, a alta do real em relação ao dólar
refresca pouco o calor da caldeira que é a inflação mundial. O preço
do petróleo (tipo Brent) aumentou cerca de 50% neste ano. O da
gasolina, 47%. Trigo, 46%. Soja, 29%. Minério de ferro, 20%. Boi gordo, porém,
e açúcar ficaram quase na mesma. As contas constam de relatório de economistas
do Bradesco (que tratava de outro assunto e que nada têm a ver,
necessariamente, com o argumento destas linhas).
Convém lembrar que nem a variação
dos preços mundiais nem sua tradução em reais são repassadas imediata
ou integralmente para os preços domésticos. A inflação no atacado ou para os
produtores não se transforma sem mais nem menos em inflação para o consumidor.
Isto posto, a gente pode ver que a ordem de grandeza dos aumentos das
commodities e da valorização do real é diferente, para pior.
O dólar baixou a R$ 4,84 nesta quarta-feira. Na última semana útil, ficou em R$ 5,02. Na média de dezembro, estava em R$ 5,66. Em fevereiro de 2020, último mês antes do início "oficial" da pandemia, em R$ 4,34. Em janeiro de 2020, em R$ 4,15 (sempre em valores nominais, sem qualquer tipo de correção). O real ainda precisa comer muito arroz e feijão, aliás caros, para se recuperar. Em tese, vai ser muito difícil que volte aos valores de inícios de 2020, mas ainda pode vir refresco pela frente. Se houvesse um governo, não dependeríamos tanto dessa esmola da sorte mundial. Mas é o que temos. Se os candidatos a presidente disserem coisa com coisa, uma espécie de pré-governo de 2023, também ajuda.
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