EDITORIAIS
Milton Ribeiro precisa sair com urgência do
MEC
O Globo
Ficou insustentável a permanência de Milton
Ribeiro à frente do Ministério da Educação diante da escandalosa denúncia de
corrupção na pasta. Apesar de não ocuparem cargos, os pastores Gilmar Santos e
Arilton Moura atuaram de forma decisiva — e nada republicana — para destinar, a
prefeitos amigos, os cobiçados recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação.
Feita na semana passada pelo jornal O Estado de S. Paulo, a revelação de que, como na pasta da Saúde, também havia no Ministério da Educação um “gabinete paralelo” vinculado ao presidente Jair Bolsonaro foi corroborada por conversa gravada numa reunião com prefeitos, divulgada na segunda-feira pela Folha de S. Paulo. Na gravação, Ribeiro diz que a prioridade é atender em primeiro lugar “aos municípios que mais precisam” e, em segundo, “a todos os que são amigos do pastor Gilmar”. “Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do Gilmar”, afirma.
É fundamental que se investiguem a fundo as
evidências de tráfico de influência no ministério. Não bastassem os números
indigentes da educação no Brasil, as denúncias são extremamente graves. Para
início de conversa, não se deveria misturar política com religião num país onde
a separação entre religião e Estado está gravada na Constituição desde 1891. Se
a destinação de recursos públicos com base em critérios religiosos e não
técnicos já seria um descalabro, torna-se criminosa quando envolta em indícios
de corrupção.
De acordo com o prefeito do município de
Luís Domingues (MA), Gilberto Braga (PSDB), o pastor Arilton Moura pediu
pagamento antecipado de R$ 15 mil para protocolar as demandas da prefeitura,
mais um quilo de ouro depois da liberação dos recursos, conduta inaceitável na
administração pública. Arilton é integrante da Convenção Nacional de Igrejas e
Ministros das Assembleias de Deus no Brasil. É preciso esclarecer também a
contrapartida exigida dos municípios pela liberação. Na conversa com os
prefeitos, Ribeiro diz: “Então, o apoio que a gente pede não é segredo, isso
pode ser publicado. É apoio sobre construção das igrejas”. Que apoio é esse? De
onde saíam os recursos? A quem beneficiavam?
Quarto ministro da Educação no governo
Bolsonaro, Ribeiro se tornou uma fábrica de crises, todas desnecessárias. O
aparelhamento ideológico levou à debandada de quadros técnicos em órgãos vitais
como o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(Inep), responsável pelo Enem, e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior (Capes), que formula políticas para universidades e área
científica.
Entre tantos absurdos, o ministro defendeu
turmas exclusivas para alunos especiais, na contramão do ensino inclusivo
previsto na Constituição (perdeu no STF) e disse que eles “atrapalhavam” as
aulas nas escolas regulares. Na pandemia, enquanto escolas ficaram quase dois
anos fechadas, o MEC foi totalmente omisso e, mesmo dispondo de verbas, incapaz
de levar o ensino remoto aonde era mais necessário.
Ribeiro é o espelho da política educacional
trôpega do governo Bolsonaro. Inepto, intolerante, arrogante. Agora ultrapassou
todos os limites. A incompetência e o despreparo viraram detalhe. Os indícios
de crimes precisam ser investigados. É fundamental sanear imediatamente o MEC.
E, para isso, Ribeiro não pode permanecer no cargo.
TSE deve corrigir teto de gastos de
campanha pelo índice de inflação
O Globo
O presidente Jair Bolsonaro e o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva têm visões distintas sobre quase tudo,
da política externa ao meio ambiente. Mas concordam na defesa da ampliação do
limite de gastos de cada candidato para a campanha eleitoral deste ano. A
decisão caberá ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que faria bem em rejeitar
a demanda dos dois.
O Congresso elevou no ano passado o fundo
eleitoral sem nenhuma comprovação da necessidade de aumento. A cifra disponível
para as campanhas saltou de R$ 1,7 bilhão em 2018 para inaceitáveis R$ 4,9
bilhões em 2022. Em respeito à autonomia do Legislativo sobre a Lei
Orçamentária, o Supremo Tribunal Federal (STF) — corretamente — manteve a
destinação.
Mas estar autorizado a gastar não significa
estar obrigado a gastar. O mesmo Legislativo que aprovou o fundo eleitoral
turbinado não alterou o teto de gasto existente para os candidatos a diferentes
cargos, e caberá ao TSE arbitrar a questão.
Nas últimas eleições, o limite para as
campanhas presidenciais foi de R$ 105 milhões (R$ 70 milhões no primeiro turno
e R$ 35 milhões no segundo). Para este ano, o PL faz plano de usar até metade
dos R$ 300 milhões a que tem direito para reeleger Bolsonaro. No PT, algumas
vozes falam em investir até R$ 200 milhões para reconduzir Lula à Presidência.
Parlamentares em campanha para o Congresso também querem elevar os valores de
suas campanhas.
O problema para a classe política é que não
adianta correr e votar a alteração do teto agora. Mudanças na legislação não
podem ocorrer em ano eleitoral. Tempo para a votação não faltou. Desde 2017 se
espera uma definição dos parlamentares sobre o tema. Diante da indefinição e da
proximidade das eleições, o TSE decidiu em dezembro preencher o vazio legal e
afirmou que se pronunciaria sobre o assunto.
Como revelou reportagem do GLOBO, a
tendência da Corte é fechar os ouvidos para a ladainha e seguir o bom senso. O
plano é adotar o mesmo critério aplicado nas eleições municipais de 2020,
quando houve apenas correção pelo IPCA nos valores destinados ao pleito
anterior. Confirmada essa opção, o limite para campanhas presidenciais ficaria
em torno de R$ 130 milhões, valor mais que suficiente para cada candidato
divulgar suas ideias e promessas ao eleitorado.
Se for essa a decisão do TSE, boa parte da
dinheirama do fundo eleitoral provavelmente será destinada a candidaturas
minoritárias consideradas menos competitivas, que comumente gastam bem menos
que o limite máximo. O efeito poderá ser positivo. Em vez de engordar
desproporcionalmente a cota dos favoritos, o dinheiro dará aos menos conhecidos
a chance de ser ouvidos. Considerando que o aumento do fundo já está
autorizado, poderá ser a opção menos pior.
Guerra, mês 1
Folha de S. Paulo
Ucrânia resiste, e Putin, sob sanções,
parece disposto ao conflito prolongado
Ninguém sabe o que Vladimir Putin esperava
de fato com seu ataque descabido à Ucrânia, que explodiu no cotidiano
mundial há
um mês.
Especula-se o óbvio: a guerra não vai bem
para o presidente russo, pela lógica segundo a qual ele esperaria que o susto
colocasse Kiev de joelhos, aceitando suas condições para desfigurar o país e
torná-lo uma província amiga de Moscou.
Os impactos globais ainda estão por ser
vistos em sua plenitude, a começar pelas ondas de choque das duras sanções
impostas ao Kremlin. Não se pode prever ainda até onde irão nem a extensão de
seus danos econômicos gerais.
Já a união dos países da Otan, a aliança
militar ocidental, irá durar? Em especial se a Rússia for percebida como uma
ameaça menor, na hipótese de fracassar em seus objetivos estratégicos na
Ucrânia —ainda mais com um desempenho militar considerado decepcionante?
Sem esse interesse comum, ressentimentos
antigos podem vir à tona. A Alemanha, líder econômica da Europa, é criticada
até hoje por sua reação ortodoxa à crise econômica de 2008.
Os EUA, por ora, só auferem lucro. Claro,
seria melhor para Joe Biden enfrentar eleições legislativas sem ter de
responder por que, afinal, chegamos à guerra. Mas ele vai bem até aqui, porque
seu verdadeiro rival estratégico, a China, está em uma posição complexa.
O acerto que Xi Jinping firmou com Putin a
20 dias da invasão, ponto culminante de um processo de retórica unificada
contra o Ocidente, deu em nada por ora.
Se Pequim esperava um passeio russo na
Ucrânia como forma de ditar novas regras para o jogo internacional, talvez
pensando em emular o modelo com Taiwan a seu lado, terá de pensar duas vezes.
A cautela chinesa insinua a esperança de um
rearranjo inevitável de ordem mundial, seja qual for o resultado da guerra. Mas
Xi tem uma miríade de problemas econômicos para resolver antes disso.
Isso dito, o conflito é jovem. Vencedora da
batalha de comunicação, a Ucrânia está longe de poder cantar vitória militar.
Ao contrário. Salvo um colapso ora insondável, Putin parece apostar numa guerra
de atrito para implodir o vizinho.
Uma saída intermediária é possível, porém
na prática a desolação em solo garantirá uma Ucrânia sem dentes e um Putin
ditatorial.
A alternativa, uma iminente derrota russa,
traz o risco de uma reação radical, como recorrer a armas nucleares para
subjugar Kiev. Parece impensável, mas anda no topo das preocupações ocidentais,
até para tentar manietar o russo.
Tais especulações acompanham o
caleidoscópio do combate real. O prolongamento da guerra só aumenta o número de
variáveis para um mundo mais inseguro.
Gato e rato na cracolândia
Folha de S. Paulo
Feira de drogas muda de endereço, mas
tensão é crescente, e futuro, incerto
Entre o espanto e o alívio, moradores e
comerciantes do entorno da praça Júlio Prestes, no centro da cidade de São
Paulo, festejaram no último fim de semana a dispersão
repentina de centenas de usuários de entorpecentes na região conhecida
como cracolândia.
Como num passe de mágica, a concentração
diuturna de traficantes e dependentes químicos no feirão de drogas a céu aberto
desapareceu de maneira pacífica —e não após midiáticas operações policiais,
como é comum há décadas.
Os usuários se espalharam por outras vias
da capital. Ao menos um terço deles —cerca de 200 pessoas— migrou
para a praça Princesa Isabel, a poucos metros dali.
O espaço já era ocupado por famílias sem
teto, que agora vivem sob um clima de tensão. O tráfico parece estar se
adaptando: na terça-feira (22) havia cerca de 50 tendas estrategicamente
posicionadas longe dos olhos da polícia.
Os motivos da mudança abrupta não estão
exatamente claros. Segundo a Polícia Civil, a ordem partiu da própria facção
criminosa que detém o monopólio do crack.
A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB)
afirma que não houve nenhum tipo de acordo com o crime organizado. Para o
secretário-executivo de Projetos Estratégicos, Alexis Vargas, o esvaziamento se
deu após 92 detenções realizadas desde junho do ano passado.
"As prisões ocorreram em todos os
níveis do tráfico. Ficou mais difícil chegar droga à cracolândia, e os preços
subiram", avalia.
A operação Caronte, como foi batizada,
também deflagrou uma série de despejos e emparedamentos de hotéis. Combinada a
obras de recapeamento nas ruas, a ação teria sufocado o chamado
"fluxo".
O jogo de gato e rato entre polícia e
traficantes vem desde os anos 1990, quando a funesta aglomeração começou a se
formar. Em 2017, após ostensiva operação policial, o então prefeito João Doria
(PSDB) chegou a decretar o fim da cracolândia. À época, contudo, o tráfico
também se deslocou à praça Princesa Isabel. Tempos depois, acabou retomando o
espaço habitual.
Neste momento é impossível saber se o fluxo
adotará a praça em definitivo ou se mais uma vez se reagrupará nas ruas
próximas.
O que parece certo é que, no longo prazo, ações administrativas e de repressão são mais efetivas se conectadas a políticas preventivas, sociais e de tratamento de dependentes. Não há passes de mágica na árdua luta contra o vício.
Assim Bolsonaro trata a educação
O Estado de S. Paulo.
A permanência do ministro da Educação no
cargo é intolerável. Mas nada melhor virá de Bolsonaro, que é o principal
responsável pela calamidade que assola a pasta
A permanência do ministro da Educação no
cargo é intolerável.
Milton Ribeiro nunca teve condições
técnicas de assumir o Ministério da Educação (MEC). De toda forma, após a
revelação do funcionamento de um gabinete paralelo, com evidências de mau uso
de dinheiro público e sérios indícios de corrupção, extinguiram-se as condições
políticas para sua permanência no cargo. O ministro precisa ser exonerado
imediatamente.
No entanto, os problemas do MEC são
anteriores a Milton Ribeiro. Não é obra de um ministro específico, mas de um
presidente da República que despreza, com palavras e obras, a educação.
Jair Bolsonaro não é só mal-educado, como
se orgulha disso. Usa frequentemente sua falta de educação como arma política.
Capitalizando sua insegurança e seu ressentimento, notabilizou-se por
grosserias, ofensas e intimidações de adversários políticos. Em décadas no
Congresso, Bolsonaro nunca propôs um só projeto relevante para a educação e
combateu vários. No Planalto, a educação e áreas correlatas, como cultura ou
ciência e tecnologia, jamais passaram de uma trincheira avançada de suas
pretensas guerrilhas culturais.
O descalabro a que o MEC vem sendo
submetido desde janeiro de 2019 é fiel expressão do modus operandi do
bolsonarismo. No início do governo, a pasta foi entregue ao professor Ricardo
Vélez Rodríguez, que durou três meses no cargo. Sua inexperiência e inaptidão
para a função eram notórias.
Depois, Jair Bolsonaro dobrou a aposta no
descaso da pasta, nomeando o economista Abraham Weintraub. A pretexto de
combater o “marxismo cultural”, Weintraub descarregou uma artilharia de
desinformação e insultos contra professores, pesquisadores e autoridades
nacionais e internacionais, deixando um rastro de confusão, desarticulação e
incivilidade. Deixou a pasta e o País às pressas, depois de o Supremo mantê-lo
como investigado no inquérito referente a ameaças contra a Corte. Aquele que
era responsável, no plano federal, por orientar e coordenar a formação das
novas gerações estava mais preocupado em escapar das consequências da lei.
Em seguida, Bolsonaro nomeou o professor
Carlos Decotelli, cujas incongruências curriculares e indícios de plágio o
impediram de assumir a chefia do MEC.
Quarto titular da pasta em 18 meses, Milton
Ribeiro era tão inexperiente em administração pública e políticas educacionais
quanto seus predecessores. A credencial que contou para sua nomeação era,
parafraseando Bolsonaro, a de “terrivelmente evangélico”. Foi só mais um
terrível ministro.
Milton Ribeiro alheou-se à deliberação
educacional mais importante no Congresso, o novo Fundeb. Entre mais de 30
prioridades apresentadas pelo Planalto em 2021, quando assumiram os novos
presidentes da Câmara e do Senado apoiados pelo governo, apenas uma se referia
à educação: a regulamentação do homeschooling. Na pandemia, o MEC foi paradigma
de omissão. Negligenciando necessidades básicas, como a viabilização de meios
digitais para o ensino remoto, a pasta dedicou-se a intimidar reitores e
gestores, manipular o Enem, sucatear instituições de pesquisa e canalizar recursos
para projetos eleitoreiros.
Agora, foi revelada a existência de um
gabinete paralelo armado para favorecer grupos religiosos e, ao que tudo
indica, abastecer os bolsos de corruptos, à imagem e semelhança do que a CPI da
Pandemia revelou sobre o Ministério da Saúde. Escancara-se, assim, o modo como
o bolsonarismo trata as pastas que detêm os dois maiores orçamentos da União e
respondem por duas demandas cruciais da sociedade: saúde e educação.
Os congressistas têm motivo, portanto, para
colher assinaturas para uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Também acionaram
a Procuradoria-geral da República, o Tribunal de Contas da União e o Judiciário
para apurar improbidade administrativa e tráfico de influência. Não é possível
que o escândalo do MEC fique impune.
A cada minuto que Milton Ribeiro permanece
à frente do MEC, acrescenta-se mais insulto à injúria. Mas é certo que não se
pode esperar, no curto prazo, dias melhores. Bolsonaro continua na Presidência
da República.
Combate à corrupção dentro da lei
O Estado de S. Paulo.
Ao condenar Dallagnol, o STJ não disse que
Lula é inocente, tampouco dificultou o combate à corrupção. Apenas reconheceu
que a lei vale para membros do MP
O Superior Tribunal de Justiça (STJ)
considerou que o ex-procurador da República Deltan Dallagnol, uma das mais
proeminentes figuras da Operação Lava Jato, exorbitou os limites de suas
funções como membro do Ministério Público Federal (MPF) durante uma entrevista
coletiva, em setembro de 2016, na qual utilizou uma apresentação em Powerpoint
para explicar uma denúncia oferecida contra o ex-presidente Lula da Silva. Por
maioria de votos, os ministros da Quarta Turma do STJ condenaram Dallagnol ao
pagamento de indenização de R$ 75 mil ao ex-presidente a título de danos
morais.
No entendimento da Corte, o mesmo rigor
técnico, a precisão, a clareza e a coerência de uma denúncia feita pelo parquet
devem ser observados também nos atos de divulgação de seus termos à sociedade.
Tudo o que não houve naquela apresentação.
Segundo o STJ, Deltan Dallagnol, como
procurador da República, não poderia ter se referido ao denunciado na ocasião
como “comandante máximo do esquema de corrupção” e “maestro de uma organização
criminosa”, além de recorrer a expressões taxativas e fazer afirmações que não
constavam na denúncia. A condenação ao pagamento de indenização foi motivada
precisamente pelo descompasso entre a apresentação do Powerpoint e as provas
apresentadas na peça acusatória.
A decisão do STJ, como era esperado, foi
objeto de exploração política e midiática tanto por Dallagnol como por Lula. Os
dois usaram e abusaram de discursos falaciosos feitos sob medida para inflamar
seus respectivos apoiadores.
Em vídeo divulgado por meio de suas redes
sociais, Dallagnol afirmou que sua condenação pelo STJ era uma “reação do
sistema” contra o combate à corrupção. Ora, isso não tem o menor cabimento. A
decisão da Corte simplesmente reconheceu que os membros do Ministério Público
devem respeitar a lei e, quando atuam fora de seus limites, precisam arcar com
as consequências. O STJ em nada reduziu a capacidade de o Estado perseguir
crimes financeiros e desvios de recursos públicos.
O ex-procurador da República disse ainda
que, após a sua condenação, “simplesmente por ter realizado seu trabalho”,
ninguém mais haveria de ter “coragem de investigar e punir criminosos
poderosos” no País. Dallagnol insiste, assim, na desinformação. Ele não foi
condenado por apresentar uma denúncia contra o ex-presidente Lula da Silva. A
indenização por danos morais não se deve ao cumprimento de uma tarefa
funcional, e sim ao uso abusivo do cargo para outras finalidades. Assim, a
decisão do STJ não reduziu a autonomia funcional dos membros do Ministério
Público. Apenas recordou que todos estão sujeitos à lei.
Por sua vez, Lula usou a condenação de
Dallagnol para insistir na cantilena de que seria inocente dos crimes pelos
quais foi acusado. É a velha farsa de tentar atribuir a decisões judiciais o
que elas não dizem. No caso em questão, o STJ não avaliou as acusações contra o
líder petista. Apenas se debruçou sobre o comportamento do ex-procurador.
Vale lembrar ainda que as outras decisões
judiciais, que reverteram as condenações de Lula, foram embasadas em questões processuais,
e não de mérito. Ou seja, mais do que sobre o líder petista, a anulação dessas
sentenças diz sobre os erros de membros do Ministério Público e do Poder
Judiciário.
Lula não foi declarado inocente pelo STJ
neste caso. Afinal, ele não estava sendo julgado na ação. Tampouco o combate à
corrupção “virou cinzas” no País, como Dallagnol quer que a população acredite.
O STJ apenas reafirmou que os agentes públicos devem atuar dentro da lei e em
conformidade com suas atribuições funcionais. A apresentação de uma denúncia
não é motivo para ofender a honra alheia com afirmações que extrapolam a
própria peça acusatória. Toda pessoa acusada continua tendo direitos, que devem
ser respeitados.
A decisão do STJ joga luzes também sobre o
equívoco de transformar o trabalho do Ministério Público em atividade
midiática. Num Estado Democrático de Direito, é na Justiça, e não na opinião
pública, que os crimes devem ser punidos.
Ressurge a pressão pela relíquia
corporativa do quinquênio
Valor Econômico
Custo do benefício será de R$ 10 bilhões,
se lista de favorecidos não crescer
Dois senadores do PT, Humberto Costa e
Rogério Carvalho, e uma do PSL, Soraya Throniche, fizeram emendas na PEC 63,
ressuscitando para a ordem do dia a relíquia extinta do quinquênio - o direito
ao acréscimo de 5% nos vencimentos de magistrados e membros do Ministério
Público (e outros mais) a cada cinco anos de serviço, chamada de “parcela
indenizatória de valorização por tempo” pelo autor da PEC de 2013, o então
senador Gim Argello. A regalia foi extinta para o Judiciário em 2005.
Argello foi preso em uma das fases da
Operação Lava Jato, acusado de ter recebido pelo menos R$ 7,2 milhões para
evitar que empreiteiros depusessem em duas comissões parlamentares de inquérito
sobre a Petrobras. Foi indultado pelo então presidente Temer em 2017 e sua condenação
foi anulada agora pelo STJ, sob o argumento que o delito que cometeu deveria
ter sido julgado pela Justiça Eleitoral.
Em apenas 10 linhas de sua PEC, Argello
traz de volta regalias adicionais à parcela mais bem remunerada do serviço
público, a elite do Judiciário. É fixado o máximo de sete quinquênios (grosso
modo, 35% a mais nos vencimentos) como parcela indenizatória. O termo é
necessário, porque esta classificação propicia que sobre essa parcela dos
vencimentos não incida o imposto de renda e possivelmente não conte para o
limite do teto, de R$ 39 mil. Magistrados e procuradores, em uma cena que já se
tornou rotineira, por motivos incompreensíveis para quem não está familiarizado
com a burocracia do Estado, frequentemente recebem quantias que chegam a R$ 500
mil em um único mês, e decerto necessitam de mais um estímulo para cumprirem
diligentemente suas funções.
Para além do fato de ser incongruente que o
contribuinte pague um salário ainda maior a procuradores ou magistrados para
que permaneçam em seus postos muito bem remunerados, a PEC vai mais longe. Os
novos ingressantes nestas carreiras jurídicas do serviço público poderão, para
fazer jus ao quinquênio, contar o tempo que não trabalhavam para o Estado e
exerciam a advocacia privada. Há mais: a PEC estabelece o benefício retroativo.
Assim que a emenda constitucional entrar em vigor, “produz efeitos
financeiros”, ou seja, é permitida desde logo a contagem do tempo anterior à
sua aprovação para engordar holerites.
Benefícios, ainda que travestidos de
indenizatórios, têm efeitos em cascata ao longo do tempo, estendendo-se
progressivamente a mais categorias e, potencialmente, em alguns casos, a todos
os servidores públicos. Na PEC de Argello, em suas dez linhas, fica claro que
farão jus à “valorização” magistrados e Ministério Público da União, dos
Estados e do DF.
Ficou alguém de fora? Sempre fica e a
emenda da senadora do PSL incluiu os membros da Defensoria Pública,
esclarecendo que os salários de aposentados e pensionistas dessas carreiras
também farão jus à regalia. Além de receberem os mesmos reajustes de salários
dos membros da ativa, a PEC sacramenta o paradoxo esdrúxulo de remunerar
crescentemente por tempo de serviço quem já sequer trabalha mais.
Coube ao senador petista Humberto Costa
lembrar-se de outra categoria que estaria sendo abandonada ao relento pela PEC.
Em sua emenda, ele incluiu, além da Defensoria Pública, os delegados da Polícia
Federal e das polícias civis, os da União e dos Estados. Em outra emenda, ainda
não numerada, Costa, por fim, inclui na lista dos que terão direito ao
quinquênio os procuradores municipais.
A PEC vai na contramão da reforma administrativa,
da modernização do Estado e de princípios mínimos de racionalidade da
administração pública - é declaradamente um benefício que não precisa de
justificativas, corporativo. E o corporativismo do Judiciário é o mais poderoso
da República, porque são os juízes que interpretam a lei e frequentemente o
fazem com os argumentos que lhes vier à cabeça. O presidente do Supremo
Tribunal Federal, Luiz Fux, adiou por anos o julgamento de liminares por ele
concedidas sobre o auxílio moradia a magistrados, mesmo que possuíssem imóvel
próprio e trabalhassem na cidade em que residiam. Revogou-as apenas depois que
o presidente Michel Temer concedeu reajuste de 16,3% dos salários do STF, para
R$ 39,2 mil, em fim de novembro de 2018.
Com gastos de 1,8% do PIB brasileiro, a
Justiça do país é uma das mais caras do mundo, suplantando a da Alemanha, a
mais dispendiosa da Europa. Por pressão de magistrados, PT e PSL, custará R$ 10
bilhões mais, se a lista de favorecidos não crescer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário