quinta-feira, 24 de março de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Milton Ribeiro precisa sair com urgência do MEC

O Globo

Ficou insustentável a permanência de Milton Ribeiro à frente do Ministério da Educação diante da escandalosa denúncia de corrupção na pasta. Apesar de não ocuparem cargos, os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura atuaram de forma decisiva — e nada republicana — para destinar, a prefeitos amigos, os cobiçados recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.

Feita na semana passada pelo jornal O Estado de S. Paulo, a revelação de que, como na pasta da Saúde, também havia no Ministério da Educação um “gabinete paralelo” vinculado ao presidente Jair Bolsonaro foi corroborada por conversa gravada numa reunião com prefeitos, divulgada na segunda-feira pela Folha de S. Paulo. Na gravação, Ribeiro diz que a prioridade é atender em primeiro lugar “aos municípios que mais precisam” e, em segundo, “a todos os que são amigos do pastor Gilmar”. “Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do Gilmar”, afirma.

É fundamental que se investiguem a fundo as evidências de tráfico de influência no ministério. Não bastassem os números indigentes da educação no Brasil, as denúncias são extremamente graves. Para início de conversa, não se deveria misturar política com religião num país onde a separação entre religião e Estado está gravada na Constituição desde 1891. Se a destinação de recursos públicos com base em critérios religiosos e não técnicos já seria um descalabro, torna-se criminosa quando envolta em indícios de corrupção.

De acordo com o prefeito do município de Luís Domingues (MA), Gilberto Braga (PSDB), o pastor Arilton Moura pediu pagamento antecipado de R$ 15 mil para protocolar as demandas da prefeitura, mais um quilo de ouro depois da liberação dos recursos, conduta inaceitável na administração pública. Arilton é integrante da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil. É preciso esclarecer também a contrapartida exigida dos municípios pela liberação. Na conversa com os prefeitos, Ribeiro diz: “Então, o apoio que a gente pede não é segredo, isso pode ser publicado. É apoio sobre construção das igrejas”. Que apoio é esse? De onde saíam os recursos? A quem beneficiavam?

Quarto ministro da Educação no governo Bolsonaro, Ribeiro se tornou uma fábrica de crises, todas desnecessárias. O aparelhamento ideológico levou à debandada de quadros técnicos em órgãos vitais como o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), responsável pelo Enem, e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que formula políticas para universidades e área científica.

Entre tantos absurdos, o ministro defendeu turmas exclusivas para alunos especiais, na contramão do ensino inclusivo previsto na Constituição (perdeu no STF) e disse que eles “atrapalhavam” as aulas nas escolas regulares. Na pandemia, enquanto escolas ficaram quase dois anos fechadas, o MEC foi totalmente omisso e, mesmo dispondo de verbas, incapaz de levar o ensino remoto aonde era mais necessário.

Ribeiro é o espelho da política educacional trôpega do governo Bolsonaro. Inepto, intolerante, arrogante. Agora ultrapassou todos os limites. A incompetência e o despreparo viraram detalhe. Os indícios de crimes precisam ser investigados. É fundamental sanear imediatamente o MEC. E, para isso, Ribeiro não pode permanecer no cargo.

TSE deve corrigir teto de gastos de campanha pelo índice de inflação

O Globo

O presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva têm visões distintas sobre quase tudo, da política externa ao meio ambiente. Mas concordam na defesa da ampliação do limite de gastos de cada candidato para a campanha eleitoral deste ano. A decisão caberá ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que faria bem em rejeitar a demanda dos dois.

O Congresso elevou no ano passado o fundo eleitoral sem nenhuma comprovação da necessidade de aumento. A cifra disponível para as campanhas saltou de R$ 1,7 bilhão em 2018 para inaceitáveis R$ 4,9 bilhões em 2022. Em respeito à autonomia do Legislativo sobre a Lei Orçamentária, o Supremo Tribunal Federal (STF) — corretamente — manteve a destinação.

Mas estar autorizado a gastar não significa estar obrigado a gastar. O mesmo Legislativo que aprovou o fundo eleitoral turbinado não alterou o teto de gasto existente para os candidatos a diferentes cargos, e caberá ao TSE arbitrar a questão.

Nas últimas eleições, o limite para as campanhas presidenciais foi de R$ 105 milhões (R$ 70 milhões no primeiro turno e R$ 35 milhões no segundo). Para este ano, o PL faz plano de usar até metade dos R$ 300 milhões a que tem direito para reeleger Bolsonaro. No PT, algumas vozes falam em investir até R$ 200 milhões para reconduzir Lula à Presidência. Parlamentares em campanha para o Congresso também querem elevar os valores de suas campanhas.

O problema para a classe política é que não adianta correr e votar a alteração do teto agora. Mudanças na legislação não podem ocorrer em ano eleitoral. Tempo para a votação não faltou. Desde 2017 se espera uma definição dos parlamentares sobre o tema. Diante da indefinição e da proximidade das eleições, o TSE decidiu em dezembro preencher o vazio legal e afirmou que se pronunciaria sobre o assunto.

Como revelou reportagem do GLOBO, a tendência da Corte é fechar os ouvidos para a ladainha e seguir o bom senso. O plano é adotar o mesmo critério aplicado nas eleições municipais de 2020, quando houve apenas correção pelo IPCA nos valores destinados ao pleito anterior. Confirmada essa opção, o limite para campanhas presidenciais ficaria em torno de R$ 130 milhões, valor mais que suficiente para cada candidato divulgar suas ideias e promessas ao eleitorado.

Se for essa a decisão do TSE, boa parte da dinheirama do fundo eleitoral provavelmente será destinada a candidaturas minoritárias consideradas menos competitivas, que comumente gastam bem menos que o limite máximo. O efeito poderá ser positivo. Em vez de engordar desproporcionalmente a cota dos favoritos, o dinheiro dará aos menos conhecidos a chance de ser ouvidos. Considerando que o aumento do fundo já está autorizado, poderá ser a opção menos pior.

Guerra, mês 1

Folha de S. Paulo

Ucrânia resiste, e Putin, sob sanções, parece disposto ao conflito prolongado

Ninguém sabe o que Vladimir Putin esperava de fato com seu ataque descabido à Ucrânia, que explodiu no cotidiano mundial há um mês.

Especula-se o óbvio: a guerra não vai bem para o presidente russo, pela lógica segundo a qual ele esperaria que o susto colocasse Kiev de joelhos, aceitando suas condições para desfigurar o país e torná-lo uma província amiga de Moscou.

Os impactos globais ainda estão por ser vistos em sua plenitude, a começar pelas ondas de choque das duras sanções impostas ao Kremlin. Não se pode prever ainda até onde irão nem a extensão de seus danos econômicos gerais.

Já a união dos países da Otan, a aliança militar ocidental, irá durar? Em especial se a Rússia for percebida como uma ameaça menor, na hipótese de fracassar em seus objetivos estratégicos na Ucrânia —ainda mais com um desempenho militar considerado decepcionante?

Sem esse interesse comum, ressentimentos antigos podem vir à tona. A Alemanha, líder econômica da Europa, é criticada até hoje por sua reação ortodoxa à crise econômica de 2008.

Os EUA, por ora, só auferem lucro. Claro, seria melhor para Joe Biden enfrentar eleições legislativas sem ter de responder por que, afinal, chegamos à guerra. Mas ele vai bem até aqui, porque seu verdadeiro rival estratégico, a China, está em uma posição complexa.

O acerto que Xi Jinping firmou com Putin a 20 dias da invasão, ponto culminante de um processo de retórica unificada contra o Ocidente, deu em nada por ora.

Se Pequim esperava um passeio russo na Ucrânia como forma de ditar novas regras para o jogo internacional, talvez pensando em emular o modelo com Taiwan a seu lado, terá de pensar duas vezes.

A cautela chinesa insinua a esperança de um rearranjo inevitável de ordem mundial, seja qual for o resultado da guerra. Mas Xi tem uma miríade de problemas econômicos para resolver antes disso.

Isso dito, o conflito é jovem. Vencedora da batalha de comunicação, a Ucrânia está longe de poder cantar vitória militar. Ao contrário. Salvo um colapso ora insondável, Putin parece apostar numa guerra de atrito para implodir o vizinho.

Uma saída intermediária é possível, porém na prática a desolação em solo garantirá uma Ucrânia sem dentes e um Putin ditatorial.

A alternativa, uma iminente derrota russa, traz o risco de uma reação radical, como recorrer a armas nucleares para subjugar Kiev. Parece impensável, mas anda no topo das preocupações ocidentais, até para tentar manietar o russo.

Tais especulações acompanham o caleidoscópio do combate real. O prolongamento da guerra só aumenta o número de variáveis para um mundo mais inseguro.

Gato e rato na cracolândia

Folha de S. Paulo

Feira de drogas muda de endereço, mas tensão é crescente, e futuro, incerto

Entre o espanto e o alívio, moradores e comerciantes do entorno da praça Júlio Prestes, no centro da cidade de São Paulo, festejaram no último fim de semana a dispersão repentina de centenas de usuários de entorpecentes na região conhecida como cracolândia.

Como num passe de mágica, a concentração diuturna de traficantes e dependentes químicos no feirão de drogas a céu aberto desapareceu de maneira pacífica —e não após midiáticas operações policiais, como é comum há décadas.

Os usuários se espalharam por outras vias da capital. Ao menos um terço deles —cerca de 200 pessoas— migrou para a praça Princesa Isabel, a poucos metros dali.

O espaço já era ocupado por famílias sem teto, que agora vivem sob um clima de tensão. O tráfico parece estar se adaptando: na terça-feira (22) havia cerca de 50 tendas estrategicamente posicionadas longe dos olhos da polícia.

Os motivos da mudança abrupta não estão exatamente claros. Segundo a Polícia Civil, a ordem partiu da própria facção criminosa que detém o monopólio do crack.

A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) afirma que não houve nenhum tipo de acordo com o crime organizado. Para o secretário-executivo de Projetos Estratégicos, Alexis Vargas, o esvaziamento se deu após 92 detenções realizadas desde junho do ano passado.

"As prisões ocorreram em todos os níveis do tráfico. Ficou mais difícil chegar droga à cracolândia, e os preços subiram", avalia.

A operação Caronte, como foi batizada, também deflagrou uma série de despejos e emparedamentos de hotéis. Combinada a obras de recapeamento nas ruas, a ação teria sufocado o chamado "fluxo".

O jogo de gato e rato entre polícia e traficantes vem desde os anos 1990, quando a funesta aglomeração começou a se formar. Em 2017, após ostensiva operação policial, o então prefeito João Doria (PSDB) chegou a decretar o fim da cracolândia. À época, contudo, o tráfico também se deslocou à praça Princesa Isabel. Tempos depois, acabou retomando o espaço habitual.

Neste momento é impossível saber se o fluxo adotará a praça em definitivo ou se mais uma vez se reagrupará nas ruas próximas.

O que parece certo é que, no longo prazo, ações administrativas e de repressão são mais efetivas se conectadas a políticas preventivas, sociais e de tratamento de dependentes. Não há passes de mágica na árdua luta contra o vício.

Assim Bolsonaro trata a educação

O Estado de S. Paulo.

A permanência do ministro da Educação no cargo é intolerável. Mas nada melhor virá de Bolsonaro, que é o principal responsável pela calamidade que assola a pasta

A permanência do ministro da Educação no cargo é intolerável.

Milton Ribeiro nunca teve condições técnicas de assumir o Ministério da Educação (MEC). De toda forma, após a revelação do funcionamento de um gabinete paralelo, com evidências de mau uso de dinheiro público e sérios indícios de corrupção, extinguiram-se as condições políticas para sua permanência no cargo. O ministro precisa ser exonerado imediatamente.

No entanto, os problemas do MEC são anteriores a Milton Ribeiro. Não é obra de um ministro específico, mas de um presidente da República que despreza, com palavras e obras, a educação.

Jair Bolsonaro não é só mal-educado, como se orgulha disso. Usa frequentemente sua falta de educação como arma política. Capitalizando sua insegurança e seu ressentimento, notabilizou-se por grosserias, ofensas e intimidações de adversários políticos. Em décadas no Congresso, Bolsonaro nunca propôs um só projeto relevante para a educação e combateu vários. No Planalto, a educação e áreas correlatas, como cultura ou ciência e tecnologia, jamais passaram de uma trincheira avançada de suas pretensas guerrilhas culturais.

O descalabro a que o MEC vem sendo submetido desde janeiro de 2019 é fiel expressão do modus operandi do bolsonarismo. No início do governo, a pasta foi entregue ao professor Ricardo Vélez Rodríguez, que durou três meses no cargo. Sua inexperiência e inaptidão para a função eram notórias.

Depois, Jair Bolsonaro dobrou a aposta no descaso da pasta, nomeando o economista Abraham Weintraub. A pretexto de combater o “marxismo cultural”, Weintraub descarregou uma artilharia de desinformação e insultos contra professores, pesquisadores e autoridades nacionais e internacionais, deixando um rastro de confusão, desarticulação e incivilidade. Deixou a pasta e o País às pressas, depois de o Supremo mantê-lo como investigado no inquérito referente a ameaças contra a Corte. Aquele que era responsável, no plano federal, por orientar e coordenar a formação das novas gerações estava mais preocupado em escapar das consequências da lei.

Em seguida, Bolsonaro nomeou o professor Carlos Decotelli, cujas incongruências curriculares e indícios de plágio o impediram de assumir a chefia do MEC.

Quarto titular da pasta em 18 meses, Milton Ribeiro era tão inexperiente em administração pública e políticas educacionais quanto seus predecessores. A credencial que contou para sua nomeação era, parafraseando Bolsonaro, a de “terrivelmente evangélico”. Foi só mais um terrível ministro.

Milton Ribeiro alheou-se à deliberação educacional mais importante no Congresso, o novo Fundeb. Entre mais de 30 prioridades apresentadas pelo Planalto em 2021, quando assumiram os novos presidentes da Câmara e do Senado apoiados pelo governo, apenas uma se referia à educação: a regulamentação do homeschooling. Na pandemia, o MEC foi paradigma de omissão. Negligenciando necessidades básicas, como a viabilização de meios digitais para o ensino remoto, a pasta dedicou-se a intimidar reitores e gestores, manipular o Enem, sucatear instituições de pesquisa e canalizar recursos para projetos eleitoreiros.

Agora, foi revelada a existência de um gabinete paralelo armado para favorecer grupos religiosos e, ao que tudo indica, abastecer os bolsos de corruptos, à imagem e semelhança do que a CPI da Pandemia revelou sobre o Ministério da Saúde. Escancara-se, assim, o modo como o bolsonarismo trata as pastas que detêm os dois maiores orçamentos da União e respondem por duas demandas cruciais da sociedade: saúde e educação.

Os congressistas têm motivo, portanto, para colher assinaturas para uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Também acionaram a Procuradoria-geral da República, o Tribunal de Contas da União e o Judiciário para apurar improbidade administrativa e tráfico de influência. Não é possível que o escândalo do MEC fique impune.

A cada minuto que Milton Ribeiro permanece à frente do MEC, acrescenta-se mais insulto à injúria. Mas é certo que não se pode esperar, no curto prazo, dias melhores. Bolsonaro continua na Presidência da República.

Combate à corrupção dentro da lei

O Estado de S. Paulo.

Ao condenar Dallagnol, o STJ não disse que Lula é inocente, tampouco dificultou o combate à corrupção. Apenas reconheceu que a lei vale para membros do MP

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou que o ex-procurador da República Deltan Dallagnol, uma das mais proeminentes figuras da Operação Lava Jato, exorbitou os limites de suas funções como membro do Ministério Público Federal (MPF) durante uma entrevista coletiva, em setembro de 2016, na qual utilizou uma apresentação em Powerpoint para explicar uma denúncia oferecida contra o ex-presidente Lula da Silva. Por maioria de votos, os ministros da Quarta Turma do STJ condenaram Dallagnol ao pagamento de indenização de R$ 75 mil ao ex-presidente a título de danos morais.

No entendimento da Corte, o mesmo rigor técnico, a precisão, a clareza e a coerência de uma denúncia feita pelo parquet devem ser observados também nos atos de divulgação de seus termos à sociedade. Tudo o que não houve naquela apresentação.

Segundo o STJ, Deltan Dallagnol, como procurador da República, não poderia ter se referido ao denunciado na ocasião como “comandante máximo do esquema de corrupção” e “maestro de uma organização criminosa”, além de recorrer a expressões taxativas e fazer afirmações que não constavam na denúncia. A condenação ao pagamento de indenização foi motivada precisamente pelo descompasso entre a apresentação do Powerpoint e as provas apresentadas na peça acusatória.

A decisão do STJ, como era esperado, foi objeto de exploração política e midiática tanto por Dallagnol como por Lula. Os dois usaram e abusaram de discursos falaciosos feitos sob medida para inflamar seus respectivos apoiadores.

Em vídeo divulgado por meio de suas redes sociais, Dallagnol afirmou que sua condenação pelo STJ era uma “reação do sistema” contra o combate à corrupção. Ora, isso não tem o menor cabimento. A decisão da Corte simplesmente reconheceu que os membros do Ministério Público devem respeitar a lei e, quando atuam fora de seus limites, precisam arcar com as consequências. O STJ em nada reduziu a capacidade de o Estado perseguir crimes financeiros e desvios de recursos públicos.

O ex-procurador da República disse ainda que, após a sua condenação, “simplesmente por ter realizado seu trabalho”, ninguém mais haveria de ter “coragem de investigar e punir criminosos poderosos” no País. Dallagnol insiste, assim, na desinformação. Ele não foi condenado por apresentar uma denúncia contra o ex-presidente Lula da Silva. A indenização por danos morais não se deve ao cumprimento de uma tarefa funcional, e sim ao uso abusivo do cargo para outras finalidades. Assim, a decisão do STJ não reduziu a autonomia funcional dos membros do Ministério Público. Apenas recordou que todos estão sujeitos à lei.

Por sua vez, Lula usou a condenação de Dallagnol para insistir na cantilena de que seria inocente dos crimes pelos quais foi acusado. É a velha farsa de tentar atribuir a decisões judiciais o que elas não dizem. No caso em questão, o STJ não avaliou as acusações contra o líder petista. Apenas se debruçou sobre o comportamento do ex-procurador.

Vale lembrar ainda que as outras decisões judiciais, que reverteram as condenações de Lula, foram embasadas em questões processuais, e não de mérito. Ou seja, mais do que sobre o líder petista, a anulação dessas sentenças diz sobre os erros de membros do Ministério Público e do Poder Judiciário.

Lula não foi declarado inocente pelo STJ neste caso. Afinal, ele não estava sendo julgado na ação. Tampouco o combate à corrupção “virou cinzas” no País, como Dallagnol quer que a população acredite. O STJ apenas reafirmou que os agentes públicos devem atuar dentro da lei e em conformidade com suas atribuições funcionais. A apresentação de uma denúncia não é motivo para ofender a honra alheia com afirmações que extrapolam a própria peça acusatória. Toda pessoa acusada continua tendo direitos, que devem ser respeitados.

A decisão do STJ joga luzes também sobre o equívoco de transformar o trabalho do Ministério Público em atividade midiática. Num Estado Democrático de Direito, é na Justiça, e não na opinião pública, que os crimes devem ser punidos.

Ressurge a pressão pela relíquia corporativa do quinquênio

Valor Econômico

Custo do benefício será de R$ 10 bilhões, se lista de favorecidos não crescer

Dois senadores do PT, Humberto Costa e Rogério Carvalho, e uma do PSL, Soraya Throniche, fizeram emendas na PEC 63, ressuscitando para a ordem do dia a relíquia extinta do quinquênio - o direito ao acréscimo de 5% nos vencimentos de magistrados e membros do Ministério Público (e outros mais) a cada cinco anos de serviço, chamada de “parcela indenizatória de valorização por tempo” pelo autor da PEC de 2013, o então senador Gim Argello. A regalia foi extinta para o Judiciário em 2005.

Argello foi preso em uma das fases da Operação Lava Jato, acusado de ter recebido pelo menos R$ 7,2 milhões para evitar que empreiteiros depusessem em duas comissões parlamentares de inquérito sobre a Petrobras. Foi indultado pelo então presidente Temer em 2017 e sua condenação foi anulada agora pelo STJ, sob o argumento que o delito que cometeu deveria ter sido julgado pela Justiça Eleitoral.

Em apenas 10 linhas de sua PEC, Argello traz de volta regalias adicionais à parcela mais bem remunerada do serviço público, a elite do Judiciário. É fixado o máximo de sete quinquênios (grosso modo, 35% a mais nos vencimentos) como parcela indenizatória. O termo é necessário, porque esta classificação propicia que sobre essa parcela dos vencimentos não incida o imposto de renda e possivelmente não conte para o limite do teto, de R$ 39 mil. Magistrados e procuradores, em uma cena que já se tornou rotineira, por motivos incompreensíveis para quem não está familiarizado com a burocracia do Estado, frequentemente recebem quantias que chegam a R$ 500 mil em um único mês, e decerto necessitam de mais um estímulo para cumprirem diligentemente suas funções.

Para além do fato de ser incongruente que o contribuinte pague um salário ainda maior a procuradores ou magistrados para que permaneçam em seus postos muito bem remunerados, a PEC vai mais longe. Os novos ingressantes nestas carreiras jurídicas do serviço público poderão, para fazer jus ao quinquênio, contar o tempo que não trabalhavam para o Estado e exerciam a advocacia privada. Há mais: a PEC estabelece o benefício retroativo. Assim que a emenda constitucional entrar em vigor, “produz efeitos financeiros”, ou seja, é permitida desde logo a contagem do tempo anterior à sua aprovação para engordar holerites.

Benefícios, ainda que travestidos de indenizatórios, têm efeitos em cascata ao longo do tempo, estendendo-se progressivamente a mais categorias e, potencialmente, em alguns casos, a todos os servidores públicos. Na PEC de Argello, em suas dez linhas, fica claro que farão jus à “valorização” magistrados e Ministério Público da União, dos Estados e do DF.

Ficou alguém de fora? Sempre fica e a emenda da senadora do PSL incluiu os membros da Defensoria Pública, esclarecendo que os salários de aposentados e pensionistas dessas carreiras também farão jus à regalia. Além de receberem os mesmos reajustes de salários dos membros da ativa, a PEC sacramenta o paradoxo esdrúxulo de remunerar crescentemente por tempo de serviço quem já sequer trabalha mais.

Coube ao senador petista Humberto Costa lembrar-se de outra categoria que estaria sendo abandonada ao relento pela PEC. Em sua emenda, ele incluiu, além da Defensoria Pública, os delegados da Polícia Federal e das polícias civis, os da União e dos Estados. Em outra emenda, ainda não numerada, Costa, por fim, inclui na lista dos que terão direito ao quinquênio os procuradores municipais.

A PEC vai na contramão da reforma administrativa, da modernização do Estado e de princípios mínimos de racionalidade da administração pública - é declaradamente um benefício que não precisa de justificativas, corporativo. E o corporativismo do Judiciário é o mais poderoso da República, porque são os juízes que interpretam a lei e frequentemente o fazem com os argumentos que lhes vier à cabeça. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, adiou por anos o julgamento de liminares por ele concedidas sobre o auxílio moradia a magistrados, mesmo que possuíssem imóvel próprio e trabalhassem na cidade em que residiam. Revogou-as apenas depois que o presidente Michel Temer concedeu reajuste de 16,3% dos salários do STF, para R$ 39,2 mil, em fim de novembro de 2018.

Com gastos de 1,8% do PIB brasileiro, a Justiça do país é uma das mais caras do mundo, suplantando a da Alemanha, a mais dispendiosa da Europa. Por pressão de magistrados, PT e PSL, custará R$ 10 bilhões mais, se a lista de favorecidos não crescer.

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