O Globo
É difícil prever no que vai dar o escândalo que se abateu nos últimos dias sobre o Ministério da
Educação. Mas é fácil perceber que, nesse caso, demitir Milton Ribeiro pode
não ser suficiente para fazer o escândalo se distanciar do Palácio do Planalto.
E não apenas porque Ribeiro diz, na reunião com prefeitos que teve o áudio
exibido pela Folha de S.Paulo, que atender os pedidos de liberação de verba do
pastor e lobista Gilmar Santos "foi um pedido especial" do presidente
da República.
Os registros públicos das agendas de
Bolsonaro mostram que, quando Milton Ribeiro assumiu o cargo, o pastor já tinha
acesso livre ao Palácio do Planalto. Gilmar já havia sido recebido duas vezes
antes de Ribeiro chegar ao ministério. E depois da terceira visita a Bolsonaro,
deixou o Palácio e foi direto para o MEC falar com Ribeiro.
O ministro mal tinha completado dois meses de mandato quando o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) agradeceu ao pastor pelo apoio à família, num vídeo publicado nas redes sociais: "Se não fossem pessoas como o senhor, certamente a nossa guerra aqui na disputa do poder em Brasília seria muito mais complicada".
Talvez esses antecedentes expliquem por
que, mesmo com toda a pressão que a bancada evangélica e o Centrão fizeram num
primeiro momento pela demissão de Ribeiro, Bolsonaro tenha mandado avisar que
não vai tirá-lo do cargo assim tão facilmente. Disposição que se manteve firme
mesmo depois que um prefeito maranhense relatou ter recebido do pastor que
atuava com Gilmar, Arilton Moura, um pedido de propina de R$ 15 mil antes e um
quilo de ouro depois da liberação dos recursos.
Assim que o presidente deixou claro que não
cederia, fontes ligadas ao Centrão e a parlamentares evangélicos começaram a
procurar os jornalistas para tentar emplacar algumas ideias. A primeira, que o
ministro foi "ingênuo" ao se deixar gravar – mas não necessariamente
ao permitir que os pastores indicados por Bolsonaro formassem um "gabinete
paralelo" dentro do MEC.
Uma segunda frase muito repetida era a de
que o ministro da Educação não é problema dos evangélicos, mas uma questão que
concerne exclusivamente a Bolsonaro. "Esse é um problema do
executivo", disse o líder da bancada evangélica, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). "Não fomos nós que
colocamos, não somos nós que vamos pedir para tirar."
Outra conversa corrente, ainda, era sobre o
temor de que o ministro saísse atirando, caso percebesse que havia sido
abandonado. Com que munição e contra quem, exatamente, ninguém disse.
Analisando o que está em disputa, porém, é possível imaginar.
O dinheiro sobre o qual os pastores estavam
sentados no MEC era do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o FNDE,
que financia a construção de escolas, creches e quadras de esportes, a compra
de ônibus escolares e equipamentos de tipos variados.
São realizações bem visíveis, o chamado
"dinheiro na veia", bem mais palpável para os eleitores dos grotões
do que a lendária diretoria da Petrobras que fura poço, tão almejada em
governos anteriores. Mais precisamente R$ 10,1 bilhões em 2022, destinados
majoritariamente a emendas parlamentares, incluindo o orçamento secreto comandado por Arthur Lira (PP-AL).
Os principais cargos do fundo são
preenchidos pelos três partidos que compõem o Centrão de Bolsonaro: PP,
Republicanos e PL. Mas eis que, quando um prefeito precisa ir ao ministério
pleitear a liberação da verba para sua obra ou equipamento, encontra lá um
pastor cobrando pedágio que não era nem do Centrão e nem ligado às principais
lideranças evangélicas que compõem o governo.
Considerando que, pela lei eleitoral, o
dinheiro precisa ser gasto até o início de julho, fica evidente que os pastores
ligados a Bolsonaro atravancaram o caminho de muita gente em um momento
crucial. Não era preciso ter dotes divinos para saber que, em algum momento, ia
dar no que deu.
Nada disso tem a ver com religião, com a
guerra cultural que o presidente buscou travar no Ministério da Educação e nem
com a presença dos evangélicos no governo. Quem conhece bem o eleitorado
evangélico afirma que tampouco o episódio será capaz de fazê-los deixar de
votar em Bolsonaro.
É – isso sim– mais um capítulo deplorável
na história de um governo que começou celebrizado pelas rachadinhas, passou
pelos coronéis lobistas de vacinas e agora torna célebre a
propina em barra de ouro. E que pode custar à Bolsonaro, já bastante cercado
pelo Centrão e outros tipos de pastores, bem mais do que um quilo de ouro.
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