Presidente fez pronunciamento ao vivo e, em seguida, publicou decreto que extingue penas de prisão e multa impostas ao deputado do PTB
Weslley Galzo, Célia Froufe, Julia Affonso,
Marcelo Godoy e Gustavo Queiroz, / O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA e SÃO PAULO - Menos de
24 horas depois de o Supremo
Tribunal Federal (STF) condenar o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) a
oito anos e nove meses de prisão, o presidente Jair Bolsonaro saiu em
defesa do aliado. Ele editou um inédito decreto e concedeu perdão da pena imposta por dez dos 11 ministros da Corte.
A decisão de Bolsonaro foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União (DOU) nesta quinta-feira, 21. Antes, ele havia anunciado o benefício da graça – perdão individual da pena – em transmissão nas redes sociais ao lado da primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
Na fala ao vivo, Bolsonaro desafiou o
Supremo: “Este é um decreto que vai ser cumprido”, afirmou. Silveira, que foi à
Corte no dia de seu julgamento acompanhado do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP),
filho do presidente, foi condenado por incitar agressões a ministros e atentar
contra a democracia. Silveira defendeu também o fechamento do STF e estimulou
animosidade com as Forças
Armadas. A Corte mandou a Câmara cassar o mandato do
parlamentar bolsonarista, que quer concorrer ao Senado pelo Rio.
Congressistas reagiram e prometeram entrar com ações no Supremo contra o ato presidencial. Segundo apurou o Estadão, ministros dizem considerar Silveira inelegível, embora o decreto não se estenda apenas à ordem de prisão. Eles já esperam as ações contra o decreto.
Na transmissão, o presidente afirmou que o
aliado “somente fez uso de sua liberdade de expressão”. Ele disse que concedeu
a “graça constitucional” porque a sociedade se encontra em “legítima comoção em
vista da condenação de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de
opinião”. Juristas veem inconstitucionalidade.
O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PSD-AM),
afirmou que a decisão de Bolsonaro “só confirma o desapreço dele pela ordem
democrática”. Segundo o parlamentar, “o decreto é absolutamente inepto na medida em que
ele anula uma pena que ainda não existe porque o processo não transitou em
julgado”. Graça e indulto (perdão coletivo) só podem ser concedidos quando
esgotados todos os recursos. Ainda cabem
embargos à decisão do Supremo.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP)
disse ao Estadão que
vai ajuizar ação no STF para anular o decreto. No Twitter, ele escreveu que o
presidente usou um dos Poderes “para perdoar o criminoso”.
O presidente do PSOL, Juliano Medeiros, disse
ao Estadão que
a bancada do seu partido vai propor um projeto de decreto legislativo na Câmara
para sustar a decisão de Bolsonaro. Medeiros afirmou ainda que vai procurar
partidos de oposição para entrar no Supremo contra o ato.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), emitiu
nota na qual afirmou que o decreto é uma "prerrogativa do
presidente". "Certo ou errado, expressão de impunidade ou não,
é esse o comando constitucional, que deve ser observado", afirmou.
Segundo ele, o Congresso não pode sustar a medida, mas pode aprimorar a
Constituição "até para que não se promova a impunidade".
Procurado, o presidente da
Câmara, Arthur
Lira (PP-AL), disseram que não pretendem se pronunciar. O
deputado alagoano recorreu nesta quarta-feira ao Supremo para
que o Poder Legislativo tenha a palavra final em casos de cassação de
parlamentares em julgamentos da Corte.
COMEMORAÇÃO. Parlamentares
bolsonaristas, por sua vez, comemoraram o decreto. A deputada Carla Zambelli (PL-SP) foi
às redes sociais elogiar o presidente. “Momento histórico para o Brasil! Para
todo aquele que, como nós, acredita que o País pode voltar a ter democracia
após a decisão de ontem do STF”, escreveu. “Grande atitude! Chefe de Estado e
da Nação, Bolsonaro tem sido o maior guardião das nossas liberdades, da
democracia e da Constituição”, disse a deputada federal Bia Kicis (PL-DF), no
Twitter.
Na transmissão semanal em redes sociais,
Bolsonaro voltou a tratar do assunto mais tarde. Ele citou um voto do
ministro Alexandre
de Moraes, que foi relator no processo de condenação do
deputado Silveira, em uma ação julgada em 2019 para apresentar um precedente.
“Tudo está sob a jurisprudência do próprio ministro”, disse.
Naquele ano, a Corte decidiu, por sete
votos a quatro, que o indulto é ato privativo do presidente e não fere a
separação dos Poderes. Na ocasião, o Supremo julgou uma ação da
Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o indulto natalino concedido pelo então presidente Michel
Temer (MDB), em 2017. A PGR sustentava que o decreto
desvirtuava a finalidade do perdão. Quando o caso foi levado a julgamento, o
relator da ação, ministro Luís
Roberto Barroso, votou parcialmente a favor do pedido da PGR e
destacou que o dispositivo não se aplica em casos de multa. Mas acabou vencido.
Um dos alvos preferenciais da militância
bolsonarista e relator da ação contra Silveira, Moraes foi o responsável pelo voto
vencedor na sessão de 2019 que garantiu ao presidente o direito de conceder
indultos. No fim da transmissão, Bolsonaro voltou a repetir que decreto é
constitucional e será cumprido. “Era o que eu tinha a declarar, é assunto pacificado”, afirmou.
ARGUMENTOS. Juristas apresentam
outros argumentos. Professor titular de Direito Público da Universidade de São
Paulo, Floriano de Azevedo Marques afirmou
que graça e indulto são atos políticos do presidente, mas para ele o decreto de
Bolsonaro é contrário à Constituição Federal e à lei. “Se indulta o condenado.
Mas o Daniel Silveira não está ainda condenado pois a decisão não transitou em
julgado. Logo o Bolsonaro indultou que ainda não está condenado. Um caso raro
de ‘indulto precoce’”, disse.
O advogado criminalista e ex-diretor do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) Cristiano Avila Maronna disse que o decreto pode ser derrubado no STF. Ele vê dois vícios de fundamentação no decreto: fundamentação inidônea e violação da regra da impessoalidade. “O decreto transforma a minoria em maioria e nesse sentido falta justificativa idônea”, disse o advogado em relação ao argumento de comoção social.
Nenhum comentário:
Postar um comentário