Valor Econômico
Na França, eleitor parece não se guiar pela
perda de renda
A eleição deste domingo na França pode
trazer recados surpreendentes ao presidente Jair Bolsonaro e ao ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva. Estabelecer analogias entre o segundo turno do país
europeu e o Brasil não será tão óbvio como se poderia inferir.
O presidente Emmanuel Macron, de
centro-direita, é favorito para continuar no Palácio do Eliseu por mais quatro
anos. Marine Le Pen, da extrema-direita, tende a perder. Isso indica que a maré
a favor do populismo conservador e autocrático começa a refluir no mundo e pode
fomentar um clima desfavorável à reeleição do presidente Jair Bolsonaro aqui?
Não necessariamente. Sob um determinado ponto de vista, a provável vitória de
Macron relativiza o peso da economia na campanha, um dos trunfos de Lula.
É fato que existem ondas na política eleitoral mundial. É impossível não estabelecer ligação entre a vitória de Donald Trump e do Brexit no Reino Unido em 2016 e a de Bolsonaro no Brasil, em 2018. Assim como não há dúvidas que é com Marine Le Pen que a direita conservadora brasileira mais se identifica. O maniqueísmo ideológico é uma paixão mundial.
A dinâmica eleitoral na França, contudo, é
oposta à brasileira. Marine Le Pen faz este ano um discurso menos ideológico.
Ela ataca Macron pelo flanco da economia, pela inflação mais alta na França das
últimas décadas, pela falta de perspectiva econômica das classes mais pobres do
país. Ela se autoidentifica como “a candidata do poder de compra”. Propôs
medidas intervencionistas para proteger a renda dos trabalhadores, como um
incentivo financeiro para as empresas que aumentarem em 10% os salários de seus
empregados. Macron procura desconstruir essas propostas como pouco responsáveis
do ponto de vista fiscal.
Se o populismo econômico de Marine Le Pen
flerta com o racismo, ao propor privilégios a cidadãos franceses em relação a
imigrantes em diversas políticas públicas, ela por outro lado abrandou o tom
eurocético e não falou durante a campanha de uma saída francesa da União
Europeia.
Macron tem lançado mão da carta da
ideologia e dos costumes neste segundo turno. Ele aponta que a vitória da
adversária colocaria em risco valores caros à França. No debate televisivo
entre os dois na quarta-feira, Macron usou o argumento moral para dar uma
estocada em sua rival. Disse que a proposta de Marine Le Pen de abolir o uso de
véu islâmico em espaços públicos era uma “traição ao espírito francês”. Uma
maneira de argumentar que a defesa da tolerância faz parte da essência nacional
que sua adversária tanto exalta.
A questão moral esteve na base de outro ataque
de Macron a sua oponente no debate. O presidente tocou em um ponto
constrangedor para a sua oponente, a guerra da Ucrânia. O partido de Marine Le
Pen tomou empréstimos com bancos russos em 2014. “Você pensa em seu banqueiro
quando fala sobre a Rússia”, acusou.
Na França, o incumbente tenta desviar o
foco da pauta econômica e despertar no eleitorado o medo em relação ao que
significaria a vitória do oponente em ameaça a valores morais. Busca
transformar o segundo turno em um plebiscito sobre a oponente. A oponente tenta
sair desta armadilha e focar na economia.
A vitória de Macron, caso confirmada, em
linhas gerais, significará que para o eleitorado francês a crise do custo de
vida não é a régua usada para definição de voto. Guardadas as colossais diferenças
entre a realidade de um país e de outro, é a dinâmica exatamente inversa à
existente no Brasil entre Bolsonaro e Lula.
O teatro das operações na França é o
eleitorado das esquerdas. Na França, o voto é facultativo e o esquerdista Jean
Louis Melenchon teve nada menos que 22% dos votos. Melenchon foi enfático em
apelar para que seus eleitores não entreguem um só voto sequer a Marine Le Pen.
Mas há dúvidas se ele será ouvido. Seus eleitores podem ficar em casa. Ou até
votarem na extrema-direita.
Carioca da zona oeste e residente na França
desde 1981, o ex-diretor de ensino superior da Unesco Marco Antônio Rodrigues
Dias relata que o voto em Melenchon, em grande parte, foi um voto de protesto
contra Macron e que percebeu muitos eleitores do esquerdista pouco preocupados
com o triunfo de Marine Le Pen, sobretudo entre os mais jovens. Predomina
nestes casos a indiferença.
Economista e empresário com negócios na
área de telemetria na França, o cearense Igor de Lucena faz mais um paralelismo
entre a eleição francesa e a brasileira. Repetiu-se em 2022 a polarização de
2017 entre a centro-direita e a direita pelo fracasso total das “terceiras
vias”. Arrogante, desconectado de questões sociais, Macron manteve a liderança
nas pesquisas mesmo sem fazer campanha e acossado pelos protestos dos “coletes
amarelos”, manifestantes que tomaram as ruas nos últimos anos.
Seu desgaste não migrou para as intenções
de voto de ninguém. Melenchon tinha suas próprias arestas para aparar e não
teve como capturar toda a potência do voto “nem-nem”, oposto tanto a Macron
quanto a Le Pen. Neste domingo, no segundo turno francês, a dupla rejeição terá
que se resignar a optar por um ou outro, ou então ficar em casa.
Brasília
A disputa no Distrito Federal retrata, em
miniatura, os dilemas nacionais daqueles que se espremem entre o bolsonarismo e
o lulismo. O governador Ibaneis Rocha (MDB) está com a sua aliança
relativamente encaminhada somando PL, Republicanos e PP. Seu destino natural é
atrelar-se ao projeto de reeleição presidencial, escoltado na competição pelo
Senado por Flávia Arruda (PL) ou Damares Alves (Republicanos).
O palanque de Lula deve ficar com o
ex-deputado federal Geraldo Magela (PT), em que pese a possível candidatura de
Rafael Parente (PSB). A senadora Leila Barros (PDT) dará suporte para Ciro
Gomes.
No que se convenciona chamar de “terceira
via”, reina a confusão. Federados, o PSDB e o Cidadania não conseguem se
entender entre si e muito menos fazer um acordo com o União Brasil.
O senador Izalci Lucas (PSDB) quer disputar
o Palácio do Buriti. Mas não tem o apoio da deputada Paula Belmonte
(Cidadania), que fechou um acordo para ser o nome ao Senado na chapa do senador
José Reguffe (União Brasil) ao governo. Nem a direção nacional do PSDB, nem a
do Cidadania arbitram o conflito.
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