Correio Braziliense
Há diferenças e semelhanças
nas narrativas da oposição em relação a 2018. No caso do ex-presidente Lula, a
principal diferença é a clareza quanto ao adversário principal: Bolsonaro
Cabezas Cortadas é uma produção
hispânico-brasileira de 1970, dirigida por Glauber Rocha. Filmado na Espanha,
trata a ditadura de Franco e o regime militar brasileiro de forma alegórica. A
estrela do filme é o espanhol Francisco Raba, que interpreta o déspota louco
Diaz II. Todas as suas aparições na tela, da cena inicial, no castelo, aos
longos momentos de delírio, são antológicas, mas o filme acaba se descolando da
realidade, mesmo se comparado às duas ditaduras da época.
A analogia serviu para descrever a forma
como o presidente Jair Bolsonaro fora tratado por Fernando Haddad, o candidato
do PT, no segundo turno das eleições de 2018. O filme de Glauber descrevia um
déspota sozinho num castelo e acreditava falar ao telefone com pessoas
importantes para seu governo ou vida pessoal. No imaginário, resolvia problemas
civis, dava ordens, conversava sobre questões particulares.
Cenas de opressão aos índios, aos
trabalhadores, aos negros e aos estudantes retratam o que teria sido a volta ao
poder de Diaz II, em Eldorado. O país imaginário representava, no filme, o que
seria a continuação da história contada em Terra em Transe, cujo contexto é a
crise do governo Jango e o golpe militar de 1964. A colonização, a escravidão e
outros elementos recorrentes nos países da América Latina foram trazidos de
volta, como se a história estivesse voltando para trás.
Haddad havia passado todo o primeiro turno ignorando Bolsonaro, seu inimigo principal era o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin. Além disso, fizera tudo o que podia para confundir sua imagem com a do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que estava preso em Curitiba. Quem erra na escolha do adversário, geralmente perde a eleição. Foi o que aconteceu com o petista.
A narrativa de Bolsonaro em 2018 era o
combate à corrupção, ao tráfico de drogas e ao desperdício de recursos
públicos. Era uma agenda em sintonia com a opinião pública. A retórica
autoritária, conservadora, misógina e homofóbica de sua campanha acabou
naturalizada e deixada em segundo plano. A rejeição aos políticos e aos
partidos convergiria contra Haddad e o PT no segundo turno.
A acusação do golpe adotada pelo PT havia
servido para coesionar a legenda e atrair a esquerda tradicional, além de
desgastar o governo Temer e seus aliados, mas não funcionou contra Bolsonaro.
Nem a dramatização da campanha democracia ou barbárie.
Sucesso político
Bolsonaro não é um déspota imaginário, suas
ordens são cumpridas por sua equipe ministerial, cuja arquitetura é desenhada
pela presença de cerca de oito mil militares na Esplanada. O presidente da
República fala com quem lhe interessa, inclusive no mercado financeiro, e
recuperou a expectativa de poder, embora as posições estejam invertidas em
termos de favoritismo eleitoral. Com Lula na disputa, Bolsonaro corre contra o
prejuízo do seu mau governo do ponto de vista econômico e social, agravado pela
crise sanitária. Seus arroubos autoritários, até agora, foram contidos pela
Constituição e pelo Supremo Tribunal Federal. Não são delírios, são uma ameaça
real.
O sucesso de Bolsonaro até agora é
político. Conseguiu evitar um impeachment, nos seus piores momentos. Seu acordo
com o Centrão elegeu os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do
Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Assim, conta com base de apoio sólida e
confortável no Congresso, alimentada regiamente com emendas secretas ao
Orçamento da União, mas não o suficiente para que se torne um déspota de
verdade. O caso das urnas eletrônicas, contra as quais investe, é um exemplo de
que o apoio desses aliados não é incondicional.
Há diferenças e semelhanças nas narrativas
da oposição em relação a 2018. No caso do ex-presidente Lula, a principal
diferença é a clareza quanto ao adversário principal: Bolsonaro. Tanto que
atraiu o ex-governador Geraldo Alckmin (PSB), adversário histórico, para vice
na sua chapa. Quem parece sem rumo é a chamada terceira via, seus líderes,
muitas vezes, tratam Lula como o adversário principal. PSDB, Cidadania e MDB
estão afinados para escolher uma candidatura única no próximo dia 18. Só falta
combinar com o ex-governador João Doria (PSDB), que não pretende desistir da
própria candidatura para apoiar Simone Tebet (MDB). Ciro Gomes (PDT), que se
mantém em terceiro nas pesquisas, é um lobo solitário, que uiva na noite escura
contra Lula e Bolsonaro.
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