Editoriais
Bolsonaro tem de ser obrigado a respeitar
as leis
Valor Econômico
Resta ao Congresso, TSE e STF encontrarem
formas legais de obrigar o presidente a respeitar a “harmonia entre Poderes”
Em 15 de dezembro de 2021, a Polícia
Federal, em inquérito no qual o presidente Jair Bolsonaro é investigado por
divulgar fake news sobre as urnas eletrônicas, a delegada Denisse Ribeiro disse
que ele teve “atuação direta e relevante” com sua live, feita para provar a
existência de fraudes - e que, obviamente, não provou nada. A live, segundo a
PF, foi realizada “com o nítido propósito de desinformar e levar parcelas da
população a erro quanto à lisura do sistema de votação”. Bolsonaro mudou de
tática depois e passou a usar o comando das Forças Armadas para os mesmos fins.
Há mais no inquérito da PF. Andaram à caça
de indícios, que levaram à live mentirosa, o general Luiz Eduardo Ramos (na
época na Secretaria Geral de Governo) e o general Augusto Heleno, do Gabinete
de Segurança Institucional (Folha de S. Paulo, ontem). Esse esforço deu em
nada.
O Tribunal Superior Eleitoral convidou
então as Forças Armadas para fazerem parte, junto com órgãos oficiais e da
sociedade civil, do Comitê de Transparência das Eleições, criado para
aperfeiçoar o processo eleitoral.
O comportamento dos militares na comissão
mostrou que buscaram de todas as formas encontrar vulnerabilidades nas urnas
eletrônicas. Revelou também que o comando militar, sob o ministro da Defesa,
Paulo Sérgio Nogueira, alinhou-se ao presidente na tarefa e que Bolsonaro não
desperdiçou a chance valiosa para tentar desmoralizar o sistema eleitoral
eletrônico.
O indicado para a comissão foi o general Heber Portella, escolhido pelo então ministro da Defesa, Braga Netto, hoje o mais forte candidato à vice na chapa de Bolsonaro. Ao longo dos trabalhos, o presidente, em mais um de seus devaneios reveladores, disse que as Forças Armadas tinham encontrado irregularidades. Era mais uma mentira de Bolsonaro, que fez questão de dizer que a escolha de Heber teve seu aval. “Esqueceram que sou eu o comandante em chefe das Forças Armadas”, afirmou, deixando claro que havia uma missão a cumprir.
Em fevereiro, o TSE divulgou que respondera
a 80 pedidos específicos de informações dos militares, em documento de 69
páginas e três anexos de mais de 700 páginas. Todo o trabalho serviu para
esclarecer dúvidas só das Forças Armadas, porque desde a implantação das urnas
em 1996 sua vulnerabilidade nunca foi questionada. Mas os militares não ficaram
satisfeitos e enviaram mais sete perguntas.
O ministro da Defesa, Paulo Nogueira,
cometeu várias descortesias ao longo do processo, como ao dizer, após reunião
com o presidente do Supremo, Luiz Fux, para discutir temas institucionais, que
as Forças Armadas estavam em “permanente estado de prontidão... para o cumprimento
das suas missões constitucionais”. Soou mais como ameaça, pois entre as missões
que a lei delega aos militares não está a de tutelar ou se meter em questões
eleitorais.
Depois, por ofício, o ministro pediu a
divulgação dos trabalhos da Comissão de Transparência, alegando que não o fez
pessoalmente porque não foi recebido pelo ministro Edson Fachin quando o
general quis, como se tivesse o poder para determinar a agenda de um ministro
do STF, que já com ele estivera várias vezes.
Enquanto isso, Bolsonaro espalhava a céu
aberto ideias para tumultuar as eleições e não aceitar seus resultados, se
derrotado. A primeira, risível, é de que os militares deveriam participar da
contagem de votos, uma forma de evitar o conluio em uma “sala secreta” no TSE,
“onde meia dúzia de técnicos diz ‘quem ganhou foi esse’”, afirmou. À proposta
aberrante, seguiu-se outra, a de o PL, ao qual se filiou, contratar uma empresa
“de ponta” para fazer auditoria das eleições. Todos os partidos e vários órgãos
da sociedade civil já fazem isso há muito tempo. E ameaçou: “A situação vai
ficar bastante complicada para o TSE se a empresa concluir que o sistema não é
auditável”.
O TSE já perdeu muito tempo explicando a
segurança das urnas para quem explora a questão com objetivos políticos anti-democráticos.
Bolsonaro é um defensor da ditadura, período em que os militares não se
preocupavam com urnas, mas com impedir eleições para a Presidência.
Resta ao Congresso, TSE e STF encontrarem
formas legais de obrigar o presidente a respeitar a “harmonia entre Poderes”,
uma de suas obrigações constitucionais. Ele não pode simplesmente continuar a
desacatar as instituições e preparar um sério tumulto, há muito marcado para
outubro.
Resposta do TSE a questões sobre urna expõe
militares
O Globo
É preciso reconhecer e aplaudir o esforço e
a paciência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em responder a todos os
questionamentos a respeito do sistema de votação brasileiro. Nada disso deverá
mudar a tentativa do presidente Jair Bolsonaro para desacreditar as urnas
eletrônicas, é verdade. Mas, a cada novo passo, fica mais claro quanto têm a
perder aqueles que embarcarem na evidente intenção de criar confusão que anima
a campanha de desinformação bolsonarista.
Atendendo à demanda do ministro da Defesa,
Paulo Sérgio Nogueira, o presidente do TSE, ministro Edson Fachin, publicou as
respostas aos últimos questionamentos do representante dos militares na
Comissão de Transparência das Eleições, a CTE. Pelo teor, entende-se
perfeitamente por que o TSE preferira evitar publicá-las. Além de reiterar as
razões por que podemos manter plena confiança nas urnas eletrônicas e na
contagem de votos, o documento expõe de modo incontornável a ignorância
vergonhosa em que se basearam os questionamentos do representante militar na
CTE.
Dos sete itens analisados pelos técnicos,
dois revelam erros básicos de estatística cometidos na análise do teste de
integridade das urnas. O terceiro comprova a incompreensão de que os votos já
são totalizados descentralizadamente, nos Tribunais Regionais Eleitorais (a tal
“sala escura” de apuração não passa de fantasia). Dois outros itens deixam
transparecer o desconhecimento da auditoria já feita pelo Tribunal de Contas da
União (TCU) no sistema eleitoral e das normas em vigor em caso de falhas
descobertas nos testes.
Nos dois únicos itens pertinentes — a necessidade de incluir o modelo mais moderno de urna nos testes de invasão e de publicar as listas de votação para evitar duplicidade de abstenção e voto —, as respostas do TSE foram convincentes. Sobre o primeiro, o tribunal informou que o novo modelo ficará pronto nos próximos dias, as informações sobre sua configuração estarão disponíveis e comprovarão a segurança. Sobre o segundo, argumentou que a publicação violaria a legislação de dados pessoais e que não é incomum alguém justificar a ausência por precaução, mas conseguir votar mesmo assim.
O teor absolutamente descabido dos
questionamentos permitiu ao TSE mais uma vez demonstrar não apenas sua
competência no desenvolvimento de um sistema eleitoral de excelência
reconhecida no mundo todo, mas também sua boa vontade em levar a sério até as
indagações mais estapafúrdias.
Antes da divulgação, o general Nogueira
dera por encerrado o trabalho do representante da Defesa na CTE e assumira
pessoalmente a interlocução com o TSE. Não se sabe exatamente com que intenção.
É um erro que na certa contribuirá para expor e macular ainda mais a imagem das
Forças Armadas, ao associá-las à campanha de desinformação de Bolsonaro.
Nogueira deveria simplesmente deixar o assunto na mão da instituição mais
competente e legitimamente responsável pela integridade das eleições: o próprio
TSE.
É até compreensível — embora não menos
lamentável — que os generais da reserva e ministros Augusto Heleno e Luiz
Eduardo Ramos se envolvam em ataques ao sistema eleitoral, como sugere
inquérito da Polícia Federal. Mas não dá mais para aceitar que as Forças
Armadas regulares se metam num assunto para o qual não têm competência nem
legitimidade — e diante do qual só têm passado vergonha.
Desespero da população de rua não será
resolvido com medidas paliativas
O Globo
Cenas de cidadãos vivendo nas ruas há muito
fazem parte do cotidiano das grandes cidades brasileiras, sem que o poder
público tenha encontrado soluções satisfatórias para enfrentar o desafio. A
pandemia, o agravamento da crise econômica e as altas taxas de desemprego
surtiram efeito multiplicador sobre esse problema social e urbano. Nunca se viu
tanta gente nas calçadas das metrópoles em barracas e instalações improvisadas
com lonas, papelão ou madeira.
Como mostrou reportagem do GLOBO, em São
Paulo, maior cidade do país com seus 12,4 milhões de habitantes, os números
impressionam. De acordo com o censo divulgado pela Prefeitura paulistana no
início do ano, durante a pandemia o número de moradias improvisadas nas
calçadas aumentou 230%, de 2.050 em 2019 para 6.778 no ano passado. Apesar da
expansão dos locais, o total de moradores em situação de rua não cresceu no
mesmo ritmo: subiu 31%, de 24.344 para 31.884.
No Rio, segunda cidade mais populosa do
país, a tendência se repete. Segundo o último censo da Secretaria municipal de
Assistência Social, feito em 2020 e divulgado no ano passado, havia 7.272
cidadãos em situação de rua, parte vivendo nas calçadas (75,2%), parte acolhida
em abrigos da Prefeitura (24,8%). Cerca de 20% dos entrevistados disseram ter
ido para as ruas depois do início da pandemia. Entre os motivos estão conflitos
familiares, alcoolismo, uso de drogas, desemprego e queda na renda.
O perfil do morador de rua mudou com a
pandemia. O censo paulistano mostrou que, se antes predominavam homens
solteiros, agora aumentou a presença das famílias, que quase dobraram, de 4.868
em 2019 para 8.927 em 2021. A mudança é evidente, dado o grande número de
crianças vivendo em barracas ou moradias improvisadas. Uma explicação é que,
com a crise, muitas famílias perderam renda e não têm como pagar aluguel.
Medidas radicais como instalar pedras
pontiagudas sob viadutos, para evitar a ocupação por moradores de rua, além de
desumanas, não resolvem. É preciso buscar soluções racionais. Em São Paulo,
está causando polêmica a proposta da secretária de Direitos Humanos e Cidadania
do município, ex-vereadora Soninha Francine, de resgatar um projeto antigo que
previa campings para abrigar moradores de rua. A ideia é que eles possam
instalar suas barracas num local com banheiro, cozinha e lugar para lavar
roupa. “Não dá para fazer nada mais rápido e abrangente do que um camping”, diz
ela.
A verdade é que medidas paliativas não
resolverão o problema, que só tende a se agravar se a economia não deslanchar.
As prefeituras precisam acolher as populações de rua e desenvolver programas
para tirá-las dessa situação por meio de políticas habitacionais. Empurrar com
a barriga, permitindo que famílias continuem vivendo sob as marquises em
condições sub-humanas, não é solução. Nem para elas nem para os moradores e
comerciantes, que pagam impostos para ter uma cidade minimamente em ordem.
O centrismo fake de Lula
O Estado de S. Paulo
Alckmin, outrora adepto da cartilha
liberal, agora aplaude até a Internacional Socialista. Mas quantos passos Lula
deu rumo às ideias centristas, como a responsabilidade fiscal? Nenhum
A campanha de Luiz Inácio Lula da Silva
está estruturada em dois eixos retóricos: a ideia de que sob os governos
petistas os brasileiros eram felizes e não sabiam e a de que Lula se move rumo
ao centro para construir uma frente ampla apta a “salvar a democracia”.
“O grave momento que o País atravessa, um
dos mais graves da nossa história, nos obriga a superar eventuais divergências
para construirmos juntos uma via alternativa à incompetência e ao autoritarismo
que nos governam”, afirmou Lula no lançamento de sua pré-candidatura. “Queremos
unir os democratas de todas as origens e matizes para enfrentar a ameaça
totalitária, o ódio, a violência, a discriminação, a exclusão. Queremos
construir um movimento cada vez mais amplo.”
Por décadas o lulopetismo foi o maior
responsável por excitar a atmosfera do “nós” contra “eles” que asfixiou o
pluralismo democrático e criou as condições para que Jair Bolsonaro alavancasse
seu projeto de poder. Estará disposto a deixar as diferenças de lado e formar
uma frente ampla e plural?
A resposta, ainda que involuntária, veio
daquele mesmo que deveria ser um selo de legitimidade à moderação de Lula,
Geraldo Alckmin. “Lula é a esperança que resta ao Brasil”, disse, assumindo de
vez o hegemonismo messiânico lulopetista. “Não é a primeira, a segunda nem a
terceira, ela é a única via
da esperança para o Brasil” (grifo nosso).
A fala reverbera a narrativa sufocante de
que as eleições são só um plebiscito sobre a barbárie do governo Bolsonaro. O
próprio Lula, bem a seu modo, já demonizou literalmente toda a alternativa que
não seja ele: “A humanidade acompanha há séculos a polarização entre Deus e o
diabo, e nunca teve terceira via”.
A história do PT sempre foi a tentativa de
desmoralizar a direita como “inimiga do povo” e de submeter a esquerda ao seu
projeto de poder. Não há nada que permita duvidar de que essa atitude se
mantém.
“Não esperem de mim ressentimentos ou
desejos de vingança. Não nasci para ter ódio, nem mesmo daqueles que me
odeiam”, disse Lula. Ora, esse mesmo Lula que pede o fim das “ameaças”, de
“suspeições absurdas”, de “tensões artificiais” é aquele que continua a
afrontar os Poderes, afirmando que o impeachment de Dilma Rousseff foi um
“golpe” do Legislativo e que o Judiciário moveu uma perseguição política, ambos
manobrados por uma conspiração das elites; o mesmo que, há poucos dias, atacou
a classe média como predatória e convocou seus correligionários a assediar
deputados e suas famílias em suas casas.
Assim como o PT que pretende resolver os
problemas econômicos é o mesmo responsável pela recessão, a inflação, a
manipulação de preços ou a irresponsabilidade fiscal que precipitaram o País na
barafunda em que se encontra hoje, o PT que se apresenta como o único capaz de
“salvar a democracia” é o mesmo que, na oposição, se opôs a tudo que viesse de
qualquer governo para criar desgaste; é o mesmo que promoveu criminosas
campanhas de difamação de adversários e dissidentes; é o mesmo que, no poder,
arquitetou os escândalos fisiológicos do mensalão e do petrolão que tanto perverteram
o regime democrático; é o mesmo que inchou e aparelhou desenfreadamente o
Estado; é o mesmo que apoia as mais sangrentas ditaduras. Sem emitir uma só
palavra que permita supor uma revisão dessas atitudes muito menos um pedido de
desculpas, Lula e seus acólitos continuam a afirmar seu monopólio da ética.
Lula foi à feira e encontrou um “chuchu”
barato para enganar os incautos. Alckmin, outrora adepto da cartilha liberal,
agora aplaude até a Internacional Socialista. Mas quantos passos Lula deu rumo
às ideias centristas supostamente representadas por Alckmin, como a
responsabilidade fiscal ou a abertura de mercado? Nenhum. Prova disso é que,
além dos partidos de sempre, como PCdoB, PSOL e PSB, nenhuma outra legenda ou
líder de centro aderiu à sua “frente ampla”.
Todos os esforços marqueteiros para mesclar
o verde e amarelo ao vermelho ou ocultar o histórico de atentados do PT à
economia e à democracia não disfarçarão o fato de que a tal “frente ampla” nada
mais é que o velho bloco do “eu sozinho” de Lula.
Os limites da imunidade parlamentar
O Estado de S. Paulo
Preocupação do STF com proliferação de discursos contra as instituições e a democracia é justificada pela despreocupação do Congresso em punir a quebra de decoro de seus membros
Na semana passada, a 2.ª Turma do Supremo
Tribunal Federal (STF) recebeu seis queixas-crime contra o senador Jorge Kajuru
(Podemos-GO) por críticas feitas ao senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO) e ao
ex-deputado, também por Goiás, Alexandre Baldy. Kajuru agora é réu por
difamação e injúria (artigos 139 e 140 do Código Penal).
Prevaleceu no julgamento o voto do ministro
Gilmar Mendes. Para ele, a imunidade parlamentar não comporta discursos
difamatórios, mas apenas declarações vinculadas ao mandato político. Daí,
segundo o ministro, não estarem acobertadas por essa imunidade (nem pela
liberdade de expressão) as declarações do senador Kajuru, que chamou Baldy de
“vigarista” e chefe de uma “quadrilha” no Detran de Goiás. Já Cardoso foi
chamado por Kajuru de “inútil” e “idiota incompetente”, além de ter sido
acusado de usar o mandato de senador para fazer “negócio”.
O caráter ofensivo e o mau gosto das
declarações de Kajuru são inegáveis, e contribuem para o empobrecimento do
debate político. O mesmo se afirmaria se o senador tivesse sugerido que um
procurador-geral da República é alcoólatra, como já fez o próprio Gilmar Mendes
durante sessão do STF, ou se tivesse dito que um colega anda com “capangas”,
como fez o ministro Joaquim Barbosa a respeito de Gilmar Mendes também no
plenário da Corte.
Como se vê, é necessário distinguir os
limites da liberdade de expressão e da imunidade parlamentar. Entretanto, no
julgamento de Jorge Kajuru, o Supremo não indicou um critério para separar a
crítica ofensiva, mas própria do exercício do mandato (e recorrente na
interação parlamentar), da violação aos limites daquela imunidade.
Se algumas das declarações de Kajuru
extrapolaram a imunidade parlamentar, o Tribunal deveria tê-las indicado. Se
feriram o decoro parlamentar, é o Congresso quem tem de agir. Se apontaram
alguma malversação, cabe ao Ministério Público investigar. Por outro lado, se
expressões duras como “inútil” ou “pateta bilionário” não podem ser ditas por
um parlamentar a respeito de um adversário político do mesmo Estado, sob pena
de configurar crime contra a honra, o que os demais cidadãos estariam livres
para dizer?
Também é importante separar o caso Jorge
Kajuru do caso Daniel Silveira. O parlamentar bolsonarista, diferentemente de
Kajuru, não se limitou a qualificações esdrúxulas como “pateta desprezível
xumbrega” ou afirmações de que o patrimônio do adversário político foi
amealhado num “golpe do baú”.
Daniel Silveira foi condenado não por ter
proferido “suas opiniões, palavras e votos” (artigo 53 da Constituição
Federal), mas por ameaça ao Estado Democrático de Direito e coação no curso do
processo. Num infame vídeo, Silveira, entre outras tantas ameaças, instiga a
população a entrar no STF, agarrar o ministro Alexandre de Moraes pelo
colarinho, sacudir sua cabeça e jogá-la dentro de uma lixeira. Para o deputado,
“qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada” na cara do ministro Edson
Fachin, “de preferência após cada refeição, não é crime”.
Essa grande diferença entre as duas
situações aponta o exagero cometido pela 2.ª Turma do STF ao afastar a
imunidade parlamentar no caso de Kajuru. É verdade que vivemos tempos em que
alguns parlamentares se aproveitam dessa imunidade para conturbar a democracia.
Ou seja, instalam-se no Parlamento e recorrem à liberdade de atuação
parlamentar para defender não a democracia, mas sua supressão (Daniel Silveira,
por exemplo, defende o ditatorial Ato Institucional n.º 5).
Daí a preocupação do STF com a proliferação
de discursos atentatórios às instituições e à democracia, preocupação que é
justificada pela despreocupação do Congresso Nacional em punir a quebra de
decoro de seus membros. Ainda assim, o Supremo precisa considerar que seus
pronunciamentos sobre a liberdade de expressão e a imunidade parlamentar não se
reportam apenas aos acontecimentos da atualidade; eles também pavimentam a
compreensão mais ampla desses institutos, imprescindíveis ao futuro da nossa
democracia.
Uma inflação de incertezas
O Estado de S. Paulo
Alta de preços surpreende e Copom aponta muita insegurança no quadro externo e no cenário político nacional
Incerteza, cautela e surpresa diante de um
choque inflacionário pior que o esperado marcam a política de juros do Banco
Central (BC) e devem justificar, nos próximos meses, um maior arrocho do
crédito, com mais entraves ao consumo, ao crescimento econômico e à criação de
empregos. A palavra
incerteza aparece oito vezes na ata da última reunião do Copom, o Comitê de
Política Monetária do BC. Nessa reunião a taxa básica de juros foi
elevada pela décima vez consecutiva, no atual ciclo de aperto, e passou de
11,75% para 12,75%. Mais uma alta, de magnitude inferior a um ponto, está
praticamente prometida para junho. Nada garante a interrupção dos aumentos, a
partir daí, e no mercado já se preveem, até o fim do ano, taxas no intervalo de
13,50% a 14%.
O quadro é nebuloso e inseguro dentro e
fora do País, segundo avaliação do Copom, formado por diretores do BC. O
ambiente global tem sido marcado pelo aumento das cotações de alimentos e de
combustíveis e pelos esforços, muito custosos, de reorganização das cadeias de
produção e de suprimento. Depois da pandemia, a economia mundial foi afetada
pela invasão da Ucrânia e pela política chinesa, com medidas de isolamento, de
combate a uma nova onda de covid-19. “Esses desenvolvimentos", de acordo
com o comitê, “podem ter consequências de longo prazo” e resultar em pressões
inflacionárias de maior duração.
Internamente, a ata destaca uma inflação
disseminada, mais intensa e mais persistente do que haviam previsto as
autoridades monetárias. Choques recentes, assinala o texto, produziram forte
aumento nos itens ligados a alimentos e combustíveis. As expectativas do
mercado, prossegue o texto, apontam inflação em 2022 e 2023 em torno de 7,9% e
4,1%, bem acima das metas. No âmbito doméstico, a incerteza quanto ao “futuro
do arcabouço fiscal”, isto é, quanto à saúde das finanças públicas, já afeta os
“prêmios de risco” nos mercados e aumenta a insegurança quanto à evolução dos
preços.
Ponto importante: a incerteza sobre o
“arcabouço fiscal” já está parcialmente incorporada nos preços, enfatiza o
Copom. Em outras palavras, parte do estrago está feita. A incerteza é algo mais
grave que uma fonte de risco. O “aperto monetário apropriado”, adverte o Copom,
depende do “arcabouço fiscal vigente”: uma piora do quadro pode tornar
necessários juros mais altos.
Como sempre, o comitê aponta o perigo de
políticas irresponsáveis sem mencionar os seus possíveis autores. Uma lista
séria deveria indicar, no mínimo, o presidente da República, o ministro da
Economia, o chefe do Gabinete Civil (autorizado a comandar a gastança) e alguns
dos principais nomes do Centrão. Todas essas figuras têm participação relevante
na devastação das contas públicas e no comprometimento da segurança fiscal. Em
ano de eleições, a irresponsabilidade tende a se manifestar ainda mais
amplamente. Mas a lista poderia conter, preventivamente, nomes de candidatos
notoriamente avessos ao manejo responsável do dinheiro público. Um sinal de
alerta pode ser sempre útil.
PIB eleitoral
Folha de S. Paulo
Economia menos ruim favorece Bolsonaro, mas
juros terão impacto no 2º semestre
Em janeiro, as estimativas para o
crescimento da economia neste 2022 rondavam 0,3%, de acordo com as previsões
que instituições financeiras relatam semanalmente ao Banco Central. A projeção
mediana mais recente, de 29 de abril, é de 0,7%, porém economistas dos maiores
bancos privados já
falam em taxas de 1% e 1,5%.
Depois da recessão de 2014-2016 e antes da
Covid-19, o PIB cresceu 1,4% ao ano, em média. Trata-se de um desempenho abaixo
de medíocre para um país remediado.
De todo modo, a discreta melhoria das
estimativas e o resultado positivo do primeiro trimestre significam pequenos
alívios e podem ter consequências políticas.
A recuperação do setor de serviços, depois
de abandonadas quase todas as restrições da pandemia, o desempenho da
construção civil e o ainda bom nível de concessões de crédito contribuíram para
a criação de empregos. De março do ano passado para março de 2022, 8,2 milhões
de pessoas passaram a ter rendimentos do trabalho.
Esse pequeno avanço deve ter influenciado a
melhora da confiança do consumidor, segundo pesquisas da FGV —é possível que
tenha compensado o efeito deletério da inflação acima de 11% e das altas
dos combustíveis. A desaprovação ao governo Jair Bolsonaro (PL) também teve
alguma queda.
Os indicadores prévios deste início de
segundo trimestre são positivos. O saque parcial das contas do FGTS e a
antecipação do 13º pagamento dos benefícios do INSS devem ainda manter o
consumo em alta até meados do ano.
O risco é o de choques internacionais novos
ou maiores. Podem advir problemas do aumento de juros nos Estados Unidos, das
paralisações da economia chinesa a cada surto de Covid-19 ou da guerra da
Ucrânia. Tais crises podem redundar em mais inflação e menos atividade
econômica.
Ainda que não se traduzam em abalos
maiores, problemas nos EUA, na Europa e na China devem contribuir para a
desaceleração global. No Brasil, a alta de juros domésticos terá efeito mais
intenso a partir do segundo semestre. A inflação tende a cair, mas deve fechar
o ano ainda em patamar elevado, limitando a capacidade de consumo das famílias.
Uma campanha eleitoral de baixo nível
político e programático degradará a situação. Por ora, mesmo a avaliação mais
otimista prevê encolhimento do PIB nos trimestres finais do ano. A taxa de
criação de empregos deve desacelerar.
Na comparação com as previsões do início do
ano, o saldo político é ligeiramente favorável ao governismo. Mas há ameaças e
a certeza do peso morto da inflação e dos juros. Pode ser que o pequeno alento
deste 2022 esteja perto do limite.
Burocracia renitente
Folha de S. Paulo
Senado precisa aprovar MP que obriga
cartórios a oferecer serviços digitais
Enquanto a digitalização avança nos setores
público e privado, simplificando procedimentos e dando celeridade à prestação
de serviços, os cartórios permanecem como verdadeiros feudos da burocracia
analógica.
Atividades simples demandam tempo e
recursos preciosos dos brasileiros, por vezes obrigados a um número de visitas
muito acima do razoável para a obtenção de documentos e registros de todo tipo.
Trata-se de realidade prestes a mudar, caso
o Congresso Nacional faça a sua parte. Na semana passada, a Câmara dos
Deputados aprovou
medida provisória que cria o Serviço Eletrônico de Registros Públicos
(Serp), além de alterar diversas leis relacionadas aos cartórios.
Pelo texto, essas entidades têm de, até
janeiro de 2023, criar uma plataforma unificada para oferecer serviços digitais
à população.
Tal sistema, cabe lembrar, já está previsto
em lei desde 2009. Entretanto, como a corroborar a máxima de que por aqui há
normas que simplesmente "não pegam", a ausência de critérios claros,
bem como de regulamentação, fizeram do diploma letra morta.
A nova plataforma deverá centralizar, simplificar
e conservar os registros públicos de todo o país, agilizando a vida de pessoas
e empresas hoje forçados no cotidiano a estarem presentes ou serem
representadas nos mais de 13 mil cartórios nacionais —dos quais cerca da metade
não possui nem sequer uma página na internet.
Por meio do Serp será possível receber
documentos e títulos, expedir certidões e fornecer informações eletronicamente.
Pais, por exemplo, passarão a poder fazer o registro de um recém-nascido
diretamente do hospital ou de casa.
O texto ainda estabelece a possibilidade
das assinaturas digitais e dispensa o famigerado reconhecimento de firma para
registro de títulos e documentos.
Por fim, estabelece prazos máximos para que
os cartórios prestem seus serviços, o que deve minorar o tempo de espera do
cidadão, e atualiza a lei sobre incorporação imobiliária, reduzindo os custos
envolvidos no processo.
Causa espécie que, diante de tantos
benefícios, parte dos cartórios ainda resista à modernização proposta pela MP.
O lobby tem atrasado a apreciação do texto, editado em dezembro pelo governo
federal.
Agora, transposta a etapa da Câmara, o
Senado tem até o fim deste mês para mostrar que está do lado do interesse
público.
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