Folha de S. Paulo
Há 50 anos, revista discutia se vivia sob regime militar; hoje debatemos se democracia está em risco
"Esta infeliz atitude de vestal, tutor
e messias, do militar, recrudesceu
recentemente gerando os acontecimentos a que todos estamos assistindo.
(...) Oxalá os bons militares meditem sobre isso, reconsiderem e retornem, com
humildade e patriotismo, para a singela posição que a Constituição lhes aponta."
Eu poderia ter
pescado o parágrafo acima de uma coluna recente qualquer, mas foi em
uma velha revista Realidade onde o encontrei.
O texto, assinado pelo contra-almirante
Norton D. Boiteux, divide a página com um segundo artigo, de autoria do então
deputado Anísio Rocha. Os dois respondem a uma pergunta enviada por um leitor:
"É verdade que, no Brasil, todo o poder está na mão dos militares?"
Para bom brasileiro, não causa espanto que a resposta do militar seja sim, e a do deputado, não. O que de fato surpreende é a data da publicação: junho de 1966. O golpe militar já havia sido consumado há dois anos.
Rocha, no entanto, abre seu texto
defendendo que "tanto o Poder Judiciário como o Poder Legislativo estão
funcionando em toda a sua plenitude, em que pesem os Atos Institucionais
surgidos com o advento da Revolução". (Corrigida pela inflação, a frase
hoje soaria algo como "as
instituições estão funcionando, apesar das ações do
presidente".)
Os atos institucionais emitidos até 1966, e
minimizados pelo deputado, cassaram mandatos, prenderam opositores, extinguiram
partidos e tornaram indiretas as eleições para presidente e governador. Que
dúvida poderia restar sobre as mãos que detinham o poder?
Voltemos ao presente. A Folha perguntou a seus
leitores, na semana passada, se a democracia brasileira corre risco.
Quão pertinente ou absurda essa questão vai soar no futuro, diante de tudo o
que estamos vivendo?
Os historiadores dizem que o distanciamento é fundamental para que se compreenda um fenômeno. O problema do Brasil é que o tempo parece não passar: a história nem sequer chega a se repetir como farsa. A tragédia é contínua.
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