Valor Econômico
Excessos do bolsonarismo afunilam
contraponto
Sob um estado de emergência, criado ao
arrepio de leis eleitorais que sobreviveram até à ditadura, o presidente Jair
Bolsonaro protagoniza a campanha do vale-tudo pelo voto. Ainda que faltem três
meses para a eleição, o poder de agenda do bolsonarismo, do tumulto à
escandalogia, passando pelo abuso da máquina pública, arrisca sair pela
culatra. A cada excesso, o contraponto a seu governo mais se concentra. No
lulismo.
Enquanto a PEC do vale-tudo se ultimava no
Senado um grupo de marqueteiros reunidos pela Secretaria de Comunicação da
Presidência esta semana analisou as pesquisas registradas no TSE e chegou a
conclusões negativas para as perspectivas eleitorais de Bolsonaro. Entre a
benesse e o eleitor, há o muro da rejeição a ser transposto. Por isso, o
presidente depende mais do que gostaria da terceira via para garantir um
segundo turno.
Debruçaram-se sobre as pesquisas atuais mas
ficariam ainda mais preocupados se revisitassem o histórico da terceira via.
Das oito eleições presidenciais pós-ditadura, apenas duas findaram no primeiro
turno. Desde 1994, porém, os candidatos que buscam furar a polarização nunca
tiveram tão fraco desempenho quanto nesta campanha.
O melhor levantamento da praça sobre este
histórico foi feito pelo decano da opinião pública brasileira, Orjan Olsen. Os
13 pontos percentuais somados por Ciro Gomes (8%), André Janones (2%), Simone
Tebet (1%), Pablo Marçal (1%) e Vera Lúcia (1%), de acordo com o último
Datafolha, apenas superam a soma das candidaturas alternativas da primeira
eleição de Fernando Henrique Cardoso.
Naquele ano de 1994, não por acaso um dos dois únicos casos de eleição de turno único, as candidaturas de Heloísa Helena, Cristovam Buarque, Ana Maria Rangel, Eymael e Ruy Pimenta somaram 9,8%.
Levantar o histórico dessas eleições é
atravessar um oceano de nanicos, mas são eles que, muitas vezes, podem definir
a existência de um segundo turno. Foi isso que Olsen mostra ter acontecido em
2006. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, apesar do mensalão, estava com
avaliação negativa baixíssima (17%), depois de ter reduzido a inflação pela
metade (3,14%). Foi um nanico que impediu eleição de um turno.
O ex-senador Cristovam Buarque, um
dissidente do petismo que disputou pelo PDT, teve 2,6% dos votos. Foi menos da
metade daqueles obtidos pela terceira colocada, a ex-senadora Heloísa Helena
(Psol), mas o suficiente para impedir que Lula, com 48,6% dos votos, liquidasse
a fatura na primeira rodada.
Por isso, a saída do páreo de dois
desafetos do lulismo, o ex-governador de São Paulo, João Doria, e o ex-juiz
Sergio Moro da disputa, pode acabar se voltando contra as pretensões do
presidente. Dificilmente repetiriam a dupla Anthony Garotinho e Ciro Gomes que
somaram 20% dos votos, respectivamente, como terceiro e quarto colocados em
2002, mas poderiam tornar mais concreto o segundo turno.
Ao bolsonarismo, portanto, resta evitar que
os remanescentes se desidratem e permaneçam na disputa como um dique contra o
voto útil, movimento que, à medida que se aproxima a eleição, costuma crescer e
beneficiar o líder das pesquisas.
Tome-se, por exemplo, a notícia-crime do
Ministério da Defesa e dos três comandantes militares contra Ciro pelas
críticas ao desempenho das Forças Armadas na fronteira amazônica. De tão
estapafúrdia, a notícia-crime parece ter tido um único objetivo, servir de
escada para o pré-candidato do PDT tentar reverter o declínio de uma campanha
que não conseguiu firmar uma única aliança e só pontua dois dígitos em seu
Estado natal.
Como o presidente tem uma rejeição de 55%,
facilitar a campanha dos demais candidatos pode ser uma estratégia mais eficaz
do que confiar na própria alavancagem, por mais perdulária que esta seja.
Se tiver sido esta a intenção, Ciro pode
não dar conta sozinho do recado, embora o pré-candidato do PDT se ocupe de
pouca coisa além de bater no PT. Em 1998, Ciro rompeu a barreira dos dois
dígitos (11%), mas sua ofensiva contra a polarização, bancada por três partidos
(PPS, PL e PAN) só teve a companhia de um único candidato, Enéas Carneiro
(Prona), que alcançou os 2%. Foi disputa de um turno só.
Desta vez, dos quatro outros pré-candidatos
que pontuam, apenas a senadora Simone Tebet (MDB-MS) aparecia com potencial
para ultrapassar André Janones (Avante-MG). O deputado, que construiu base
eleitoral nas redes sociais ensinando a fazer cadastro para o auxílio
emergencial, ganhou, na campanha, notoriedade por colocar Emmanuel Macron na Presidência
da Argentina e emenda para patrocinar sertanejo bolsonarista.
Como a fila do auxílio emergencial se
acumula, seus tutoriais terão pouca serventia. Já a senadora tem uma boa imagem
a explorar, mas esbarra na inércia da polarização. Variou, no último Datafolha,
de 2% para 1%. Parlamentar independente e combativa, Simone não dá sinais de
que possa vir a repetir o fenômeno Marina Silva, a melhor performance de
terceira via pós-ditadura - 19,3% em 2010 e 21,3% em 2014, quando assumiu a
cabeça de chapa no lugar de Eduardo Campos, morto em acidente de avião.
Sua candidatura mantém-se pela aposta de um
grupo de empresários e investidores que se mantém unido para, num eventual
segundo turno, negociar pauta com um finalista. A vocação democrática da maioria
empurra a expectativa de negociação, ainda que a contragosto, para Lula.
A dúvida é o que acontece se as
candidaturas alternativas da polarização não somarem votos suficientes para
forçarem um segundo turno. Os empresários terão desperdiçado a oportunidade de
firmar compromissos com Lula, deixando o candidato mais à mercê de seus aliados
tradicionais da esquerda.
Ante uma reeleição difícil contra dois
ex-ministros (Tereza Cristina e Luiz Henrique Mandetta), Simone parece ter
pouco a perder numa campanha com potencial para projetar seu nome para 2026.
Mas a permanecer num patamar tão baixo corre o risco de jogar fora a
oportunidade de negociar a mediação junto ao agronegócio, setor que a
militância petista por indígenas, reforma agrária e desarmamento torna o mais
difícil de todos para Lula.
A radicalização imposta pelo presidente ao longo dos três meses que faltam para as eleições conduz ao afunilamento. A da gastança tenta forçar um segundo turno, mas a do esgarçamento das instituições empurra para o primeiro.
Um comentário:
Pois é,FHC foi eleito duas vezes no primeiro turno,graças ao real,ele foi um dos pais do plano,a mãe foi Itamar Franco.
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