Com a porta fechada e calmamente argumentei
que não sabia quem eles eram, que não podia abrir a porta para bandidos, que na
minha casa não existia arma de fogo, etc. Como a porta continuasse fechada,
foram obrigados a exibirem seus documentos do Ministério do Exército. A contra
gosto. Mas este fato pode ter salvado a vida de Gilvan. Invadiram então a casa.
Esses curtos instantes do diálogo com a porta fechada foi suficiente para que
Gilvan desse sumiço a alguns documentos do Partido. Algemaram-no, reviraram
tudo. Apreenderam uma dessas fotos mais comuns de Che-Guevara, rasgaram outra
de Dom Helder Câmara a quem xingaram bastante. Na hora da saída Gilvan pediu
para ir até o segundo quarto para despedir-se de nossos três filhos.
Se foram. Fui até o portão. Distribuiu-se
em dois carros e foram embora. Mal se foram, troquei de roupa e fui ao advogado,
Dr. Modesto Silveira. De lá para o Dr. Jansen Machado.
Começou minha peregrinação. Primeiro o nono
andar do Ministério do Exército onde funcionava um dos Departamentos do
DOI-CODI. Identifiquei-me para um oficial e disse que buscava noticias de meu
marido preso naquela manhã. O Oficial para surpresa minha, respondeu que não.
Não podia ser. Pois do Exército não partira ordem para prender ninguém. Eu
insisti que sim e ele que não. Então me perguntou como é que eu sabia. E eu lhe
respondi que não abrira a porta até que os homens exibissem seus documentos do
Ministério do Exercito. Visivelmente contrariado, o oficial foi até o telefone.
Voltou e falou, ainda contrafeito, que Gilvan se encontrava no Quartel da Barão
de Mesquita, mas que eu não poderia vê-lo.
Mais uma vez teria que contrariar as “ordens”. Fui para casa. Dia seguinte pela manhã, peguei as três crianças, mais a filha da empregada e a própria empregada e rumei para o quartel do DOI CODI, na Barão de Mesquita. Toquei a campainha no portão de ferro. A sentinela chamou alguém que me perguntou o que eu queria. Vim visitar meu marido que se encontra preso aqui. Fizeram-me entrar e sentar num banco de madeira longo, como banco de Igreja. A essa altura já sabiam que eu sabia que Gilvan estava lá. Veio me atender um cidadão a paisana. A ele perguntei o que fora feito de meu marido. Queria saber se estava vivo ou morto. O cidadão me respondeu com um sorriso irônico que “ainda” estava vivo. Tratava-se do hoje conhecido capitão médico Amílcar Lobo.
*Crônicas, contos e poemas, p. 38. Abaeté Editorial / Fundação Astrojildo Pereira, Brasília, 2008.
Um comentário:
E tem gente com saudade de tudo isso!
Postar um comentário