Editoriais
Gritaria farsesca
Folha de S. Paulo
Bolsonaro e Lira agravam crise enquanto
encenam indignação contra alta dolorosa
O novo
reajuste dos preços dos combustíveis representa, sem dúvida, um
flagelo para a população brasileira, em especial, como deveria ser
desnecessário dizer, para os estratos de renda mais baixa.
Mesmo antes da majoração anunciada nesta
sexta-feira (17), os combustíveis já mostravam alta acumulada de quase 30% no
período de 12 meses encerrados em maio, segundo o IBGE. O encarecimento não
impacta apenas quem usa automóvel, ônibus ou caminhão —os custos do transporte
são repassados às mercadorias e aos serviços.
Como a Folha noticiou, o peso de
gasolina, diesel, etanol e gás veicular no IPCA, índice que serve de referência
para a política do Banco Central, saltou de 5,4%, há dois anos, para 8,1% no
mês passado. Dito de outro modo, os preços desse grupo de produtos têm subido
acima dos demais, num contexto de inflação já elevada.
Os reajustes promovidos pela Petrobras,
portanto, contribuem decisivamente para forçar o Banco Central a elevar os
juros, o que dificulta o crédito, reduz o emprego e deprime a atividade
econômica.
Tudo isso considerado, resta buscar as
melhores maneiras de enfrentar o problema e minorar suas consequências nefastas
para o bem-estar social. O presidente da República, infelizmente, está
preocupado apenas com os efeitos da crise em suas chances de reeleição.
A esta altura, Jair Bolsonaro (PL) mergulha no
ridículo ao inventar teses persecutórias e fazer pressão
pública sobre a Petrobras.
Depois de três trocas no comando da estatal, está claro que a política de preços não obedece à vontade de chefetes de ocasião. A alta do petróleo é global, e não cabe a uma empresa listada em Bolsa de Valores fazer política de governo.
Como escudeiro do Planalto, o presidente da
Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), participa ativamente do teatro da
indignação, enquanto concorre para a ofensiva irresponsável de corte de
impostos federais e estaduais sobre os combustíveis que empurrará a conta para
o próximo governo.
Todo esse espalhafato esconde a inépcia do
governo no que é mais essencial. O combate à inflação será mais eficaz e menos
doloroso se as finanças públicas forem bem geridas e houver confiança na
política econômica —tudo o que Bolsonaro e centrão fazem erodir.
Cumpre, ademais, reforçar tanto quanto
possível o aparato de proteção social. Criado de maneira apressada, o Auxílio
Brasil demanda aperfeiçoamento nas normas e redução da fila de espera.
A gritaria inútil e farsesca de Brasília só
faz fragilizar a maior estatal do país. A Petrobras merece a privatização, mas
até lá deve ser tratada —e principalmente bem gerida— como patrimônio público.
No fim da fila
Folha de S. Paulo
Ranking econômico mostra carências crônicas
do Brasil, com destaque para ensino
Sem progressos relevantes nos últimos anos,
o Brasil continua mal posicionado nas comparações internacionais de
competitividade econômica. No mais recente relatório do IMD, prestigiosa escola
de negócios da Suíça, o país ficou em 59º lugar entre 63 países, duas posições
abaixo do ano anterior.
O índice do IMD agrega 333 critérios, dos
quais 163 baseados em números da economia e o restante obtido em pesquisas
qualitativas com cerca de 6.000 executivos de empresas nacionais e
estrangeiras, uma amostra representativa da estrutura econômica de cada país.
No Brasil foram ouvidas 134 pessoas pela Fundação Dom Cabral.
Por certo, a agregação dos critérios numa
escala comparável entre países não é trivial, e o exercício sempre deve ser
considerado como uma entre muitas indicações.
Mesmo com tal ressalva, é inegável que a
posição brasileira é ruim, com notável destaque negativo para a qualidade da
educação, em que o país aparece em último lugar. Apenas 23,5% das pessoas entre
25 e 34 anos tem acesso ao ensino superior, ante uma média de 44,2% das demais
economias.
Outras mazelas muito conhecidas dos
brasileiros também respondem pelo fiasco. No quesito eficiência do governo, o
país subiu um degrau, mas ainda permanece na antepenúltima posição da amostra.
O padrão se repete em outros fatores
determinantes para a competitividade e a solidez econômica, como segurança
jurídica, indicadores de pobreza, estrutura tributária, barreiras tarifárias e
infraestrutura. Neste último item, aparecemos na 53ª posição, uma abaixo da
obtida em 2021, com piora em infraestrutura básica e científica, saúde e meio
ambiente.
Mesmo onde houve avanço, como no quesito
desempenho econômico, em que o Brasil subiu três colocações e está na 48ª, o
resultado deriva de fatores que não dependem tanto de avanços locais.
No caso, o que houve foi ampliação do
comércio internacional, notadamente de matérias-primas em que o Brasil é
tradicionalmente competitivo, num contexto de alta demanda mundial.
No agregado, não se vê novidade no
trabalho. Sem perspectiva de crescimento sólido, preso a um padrão de baixa
produtividade, amarrado em ineficiências institucionais e regulatórias,
indeciso para fazer avançar de forma célere um conjunto de reformas essenciais
amplamente conhecidas, o país segue a perder oportunidades.
Bolsonaro, Lira e a política do grito
O Estado de S. Paulo
Ataques violentos do governo e seus aliados aos executivos da Petrobras não têm outro objetivo senão o de fazer da estatal o bode expiatório da inflação
A virulenta reação do presidente Jair
Bolsonaro e de seus aliados no Congresso ao reajuste dos combustíveis anunciado
pela Petrobras é despropositada sob qualquer aspecto que se observe – menos, é
claro, o eleitoral.
Há 99 dias segurando os preços da gasolina,
mesmo diante da forte alta no mercado internacional, a companhia anunciou um
aumento de 5,2%. Para o diesel, congelado há 39 dias, o reajuste foi de 14,2%.
Nos dois casos, os índices foram inferiores ao necessário para alinhar os
preços internos aos praticados no exterior.
Do ponto de vista da estatal, era a coisa
certa a fazer, pois, por determinação estatutária e legal, a empresa não pode
deliberadamente represar seus preços se isso significar perdas aos acionistas –
entre os quais, recorde-se, está a União, que é majoritária. Ademais, o
adiamento do reajuste poderia levar a desabastecimento, uma vez que cerca de um
terço do diesel consumido no Brasil é importado – e, por razões óbvias, os
importadores se recusam a comprar combustível para vendê-lo com prejuízo no
mercado interno.
Nenhum desses argumentos racionais,
contudo, impediu a ofensiva de Bolsonaro e do presidente da Câmara, Arthur
Lira, contra a Petrobras. O mais recente ataque começou na quinta-feira, quando
o governo pressionou o Conselho de Administração a não aprovar o reajuste.
Nesse mesmo dia, Bolsonaro disse que um aumento logo após a aprovação do teto
do ICMS pelo Congresso – elaborado e aprovado a toque de caixa por irresistível
pressão bolsonarista, a despeito dos imensos danos que causará aos Estados –
não teria justificativa a não ser um “interesse político” para atingir o
governo.
Ontem, numa interferência absolutamente
descabida, Arthur Lira admitiu ter telefonado para o presidente da Petrobras,
José Mauro Ferreira Coelho, para advogar contra o reajuste. Além disso, o
presidente da Câmara cobrou a renúncia imediata de Ferreira Coelho: “Saia daí,
saia já! Esse lugar não é seu. É do Brasil”, escreveu Lira no Twitter. O
diversionismo chegou a ponto de incluir a ameaça de instauração de uma CPI para
investigar os conselheiros e executivos da Petrobras – que, em um processo
quase kafkiano, estão sendo acusados de fazer precisamente o trabalho para o
qual foram contratados.
Na narrativa mambembe que o governo tenta
emplacar, o motivo do mais novo aumento dos combustíveis seria uma “retaliação”
de Ferreira Coelho e de membros do Conselho de Administração da Petrobras
contra a decisão de Bolsonaro de substituí-los. No mundo real, contudo, as
commodities minerais e agrícolas continuam a ser influenciadas pela guerra
entre Rússia e Ucrânia, e o aumento dos preços dos combustíveis era mais do que
previsível. Ademais, já se sabia que o teto para o ICMS seria meramente
paliativo e provavelmente inútil, anulado à medida que novos reajustes fossem
anunciados.
Nenhuma dessas considerações refreou o
ímpeto demagógico de Bolsonaro e Arthur Lira, concentrados exclusivamente nas
eleições de outubro. Pouco importa se isso significar a ruína da Petrobras,
exatamente como aconteceu no desastroso governo de Dilma Rousseff, que,
igualmente por imperativos eleitorais, impôs controle de preços sobre os
combustíveis, causando rombo de mais de R$ 100 bilhões à estatal.
Em sua cruzada para segurar os preços dos
combustíveis na esperança de conter a inflação, que ameaça lhe tirar a
reeleição, Bolsonaro já demitiu três presidentes da Petrobras, trocou o
ministro das Minas e Energia, mobilizou mundos e (principalmente) fundos para
aprovar o teto do ICMS sobre combustíveis e agora quer uma CPI para intimidar
os executivos da estatal.
Tudo isso tem sido em vão – e assim
continuará a ser, salvo se forem alterados os estatutos e as leis criados
justamente para impedir que a Petrobras volte a servir a um projeto de poder,
como nos tempos do PT. Afinal, é improvável que algum executivo ou conselheiro
da Petrobras em seu juízo perfeito se arrisque a ter problemas na Justiça por
permitir que a empresa se dobre aos interesses de Bolsonaro e de seus sócios,
causando prejuízo aos acionistas e ao País.
Réquiem para dois amigos do Brasil
O Estado de S. Paulo
Bruno Pereira e Dom Phillips morreram por ter a coragem de acreditar no valor de seu trabalho para a construção de um mundo melhor, a despeito das ameaças
A Polícia Federal (PF) e a Polícia Civil do
Estado do Amazonas investigam as circunstâncias em que o indigenista Bruno
Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips foram brutalmente assassinados no
Vale do Javari. Conhecer a dinâmica desse crime que entristeceu o mundo é
fundamental, mas a verdade é que Bruno e Dom morreram porque ousaram prosseguir
com o trabalho que realizavam na região, a despeito das ameaças que recebiam e
do absoluto abandono pelo Estado. Malgrado todas as adversidades, ambos seguiram
adiante porque acreditavam na relevância do que faziam para a construção de um
futuro melhor, para o País e para o mundo. São raros os que têm a coragem que
tiveram esses dois amigos do Brasil e das boas causas.
Por ora, tem-se a confissão de Amarildo Oliveira,
conhecido como “Pelado”, um pescador envolvido com diversas atividades ilegais
no Vale do Javari. Contudo, não se sabe exatamente a motivação para o crime; se
“Pelado” agiu por conta própria ou a mando de alguém; se matou e ocultou os
corpos sozinho ou se teve a ajuda de comparsas. A Justiça, por sua vez, ainda
terá de analisar todas as provas colhidas pelas autoridades policiais e
trazidas a julgamento pelo Ministério Público. Ou seja, ainda há um caminho
pela frente até que o duplo homicídio seja esclarecido, provado e punido. Mas é
certo que Bruno e Dom foram assassinados por lançar luz sobre um Brasil e sobre
brasileiros abandonados pelas autoridades. Com destemor e determinação, os dois
tentaram mostrar, cada um à sua maneira, que em pleno território nacional há
uma espécie de enclave sob o jugo do crime organizado, e não das leis e da
Constituição.
Poucas manifestações desse absoluto
abandono e descaso com os povos daquela região e com os que se põem a
defendê-los foram tão eloquentes quanto as declarações desumanas do presidente
Jair Bolsonaro. Fiel à sua natureza, desde a primeira informação sobre o
desaparecimento de Bruno e Dom na Amazônia, Bolsonaro atribuiu algum grau de
culpa às próprias vítimas por seu infortúnio. Depois, prestou solidariedade às
famílias das vítimas, possivelmente orientado por algum assessor preocupado com
o desdobramento eleitoral do caso.
Bruno Pereira era um servidor da Fundação
Nacional do Índio (Funai), considerado um dos maiores especialistas do Brasil
em indígenas isolados e de recente contato. Seu genuíno interesse pelo
bem-estar dos povos nativos o fez ser profundamente respeitado pelos indígenas.
Seus restos mortais, junto com os de Dom Phillips, dificilmente teriam sido
encontrados sem a participação de seus “irmãos de mata” nas buscas.
Como agente do Estado, Bruno coordenou as
maiores operações de destruição de dragas de garimpo ilegal no Vale do Javari
nos últimos anos. Também realizou operações que implicaram enormes prejuízos
aos pescadores ilegais da região. Um servidor público com esse grau de
comprometimento deveria ser exaltado, mas Bruno foi punido. Após sofrer
retaliações como servidor da Funai, licenciou-se do órgão e, em vez de voltar
para o conforto de casa e da família, passou a trabalhar diretamente com os
indígenas por meio da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja).
Isso dá a dimensão da entrega à causa que se pôs a defender. Na Univaja, Bruno
ensinou aqueles que não sabiam se defender a protegerem suas vidas e suas
terras. Pagou com a própria vida por sua abnegação e altruísmo.
Dom Phillips vivia no Brasil havia 15 anos.
Aqui fez amigos e construiu uma família. O jornalista também poderia estar na
segurança e no conforto de sua terra de origem, em Londres ou nos arredores de
Liverpool, onde foi criado. Mas decidiu vir para o País a fim de explicar a
Amazônia e seus conflitos para o mundo. Dom estava na floresta em pesquisa para
um livro que pretendia escrever sobre a importância da preservação do bioma.
Bruno o auxiliava no contato com as fontes.
Em vida, Bruno e Dom foram exemplos de
fidelidade à função social do trabalho que realizavam, a despeito dos riscos.
Na morte, lembram-nos do valor da coragem de defender o que é certo quando a
covardia parece prevalecer.
A grande família
O Estado de S. Paulo
Sem cargo oficial, ‘Queiroguinha’ fala não só em nome do pai, mas como ‘representante’ do governo
O estudante de medicina Antônio Cristovão
Neto, de 23 anos, é filho do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Por essa
razão, é conhecido como “Queiroguinha” – e essa é sua credencial para circular
por municípios do interior da Paraíba falando não só em nome do pai, mas
“enquanto representante do governo”.
Foi o que aconteceu recentemente durante
visita de “Queiroguinha” à cidade de Sumé (PB). Como “representante” do
Ministério da Saúde, o filho do ministro Queiroga participou de um ato político
em que foi anunciada a liberação de R$ 12 milhões em recursos da pasta para a
região do Cariri, no sul paraibano. “Queiroguinha” estava tão confortável no
papel que concedeu entrevistas como se membro do governo fosse, sem qualquer
constrangimento, embora não exerça qualquer cargo público. Como não foi
desautorizado pelo pai ministro ou pelo presidente Jair Bolsonaro, presume-se
que, para os padrões bolsonaristas, filhos de ministro ou do presidente são
automaticamente considerados parte do governo.
O princípio da impessoalidade na
administração pública, referido no caput do art. 37 da Constituição, tem sido
pisoteado pelo governo Bolsonaro, a começar pelo comportamento do próprio
mandatário. Bolsonaro nem sequer se esforça para disfarçar o modo obsceno com
que sobrepõe seus interesses particulares e familiares ao interesse público.
Exemplos dessa mixórdia não faltam.
Na ausência de um referencial superior de
probidade, e com suas próprias bússolas morais descalibradas, alguns ministros
de Estado se sentem autorizados a fazer o mesmo, ou seja, usar os cargos
públicos para defender interesses próprios, de familiares ou de amigos. Assim
sucedeu com Milton Ribeiro, que, quando era ministro da Educação, conforme
revelou o Estadão, franqueou o acesso ao MEC a uma dupla de pastores
obscuros – os “amigos do pastor Milton” – que, como se também fossem
representantes do governo, agiam como intermediários de prefeitos no acesso aos
bilionários recursos da Educação.
Agora, ao que parece, é a vez de Marcelo
Queiroga fazer o mesmo, tendo o filho na posição de intermediário privilegiado.
“Queiroguinha”, recém-filiado ao PL, partido de Bolsonaro, é pré-candidato a
deputado federal pela Paraíba. Com evidente interesse eleitoral, o rebento tem
usado o livre acesso ao gabinete do pai, em Brasília, para organizar caravanas
de prefeitos que querem despachar suas demandas com o ministro da Saúde. A
informação foi revelada pelo jornal O Globo. Como contrapartida, é lícito
inferir, esses prefeitos atuariam como cabos eleitorais de “Queiroguinha” em
sua campanha por um assento na Câmara dos Deputados em 2023.
Faz parte do trabalho de ministros de
Estado receber prefeitos e governadores e ouvir suas demandas, atendendo aos
pleitos, quando possível, ou negando, quando for o caso. Tudo com a mais absoluta
transparência e respeito às leis e à moralidade pública. O que é inconcebível é
essa relação, que deve ser institucional e republicana, ser estabelecida por
laços familiares ou de amizade. É a esculhambação da administração pública.
É estapafúrdia a proposta do 14º para
aposentados
O Globo
A pressão de deputados em favor de um
projeto de lei para conceder um 14º salário a aposentados e pensionistas do
INSS é tão estapafúrdia que até o governo de Jair Bolsonaro, célebre pelo
populismo também na economia, parece ser contrário à ideia. O objetivo, ninguém
esconde, é a Câmara promover mais uma bondade em ano eleitoral para conquistar
votos. O custo da brincadeira nos próximos dois anos seria de pelo menos R$ 50
bilhões, o equivalente aproximadamente a todos os investimentos da União ao
longo de um ano.
O projeto seria apenas mais uma dessas
ideias folclóricas que circulam pelo Congresso e não dão em nada, não tivesse
sido aprovado nas comissões de Seguridade Social e Finanças da Câmara. Está
agora na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), de onde poderá ir a
plenário. Caso os deputados não tenham a lucidez necessária para liquidar essa
demagogia nada barata, a responsabilidade de recobrar a sensatez recairá sobre
os senadores.
É verdade que os aposentados e pensionistas
vivem em lares abalados pela insegurança alimentar e pela corrosão na renda
provocada pela inflação alta e continuada. Trata-se de um problema real, que
deveria ser do interesse dos congressistas. Só que dá trabalho analisar em
detalhes quem está realmente em situação crítica, e os deputados que apoiam o
14º salário não parecem ter a disposição necessária para essa tarefa.
Se quisessem realmente atenuar o sofrimento
dos aposentados e pensionistas que sofrem, deveriam identificar aqueles que
fazem parte dos milhões de brasileiros que não têm o que comer. Parece óbvio
que essa parcela considerável da população deveria ser a primeira na lista de
prioridades de deputados e senadores.
Embora as famílias em que ninguém recebe
aposentadoria sejam mais propensas a passar fome, há aposentados e pensionistas
em situação de penúria. Mas, antes de pensar em soluções, é preciso saber quem
são e onde vivem. Uma vez feito o levantamento, a melhor alternativa não seria
aumentar aposentadoria e pensões, medida impossível de conceder a apenas um
grupo específico. A saída é fortalecer programas sociais existentes ou formular
medidas de emergência com foco nos necessitados. Tudo isso exige dedicação e
competência, artigos escassos no Parlamento.
Em vez disso, os deputados, entre os quais
aliados de Bolsonaro, apoiam a medida demagógica e perdulária: conceder o 14º
salário de forma indiscriminada para aposentados e pensionistas que ganham um
salário mínimo. O deputado Ricardo Silva (PSD-SP), relator do projeto na CCJ,
expôs sua lógica em entrevista ao GLOBO: “Quero ver quem vai ter a coragem de
votar contra o aposentado a poucos meses da eleição”.
Faltou Silva esclarecer que decisões como
essa têm consequências. Para acomodar uma nova despesa, o governo teria de
sacrificar outras áreas de um Orçamento apertado. Aprovado o 14º salário, as
casas dos brasileiros que passam fome e contam com um aposentado sentiriam um
alívio. Todas as outras, inclusive as com crianças, as mais afetadas, correriam
o risco de ver ainda mais distante qualquer possibilidade de ajuda. Que ninguém
se iluda. É pura irresponsabilidade a estratégia de pressionar por mais gastos
em ano eleitoral apenas para passar a impressão de que se está fazendo algo e
para tentar ganhar votos.
Ocidente deveria chegar a acordo sobre seus
objetivos na Ucrânia
O Globo
Com a guerra na Ucrânia perto de completar
quatro meses e os russos conquistando mais território, o Ocidente precisa entrar
em acordo sobre seus objetivos. O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson,
afirma que os ucranianos devem vencer a guerra. O chanceler alemão, Olaf
Scholz, costuma declarar que a Rússia não pode ganhar. O presidente americano,
Joe Biden, parece ficar num meio-termo, afirmando que a meta é uma Ucrânia
livre e independente. Mais que um jogo de palavras, as diferentes leituras
denotam percepção distinta dos riscos envolvidos.
Quem, como os dirigentes de Reino Unido,
Polônia, Estônia e Finlândia, fala na vitória da Ucrânia teme o expansionismo
de Vladimir Putin. Segundo eles, o atual conflito é uma chance de dar uma lição
à Rússia sobre o custo de atacar, sem provocação, um país independente. Aceitar
uma vitória russa equivaleria a um incentivo a novas invasões.
Os países que evitam dizer que a meta é o
triunfo dos ucranianos receiam o que uma derrota provocaria nas decisões de
Putin. Para integrantes do governo americano, um vexame militar poderia levar o
líder russo a usar armas nucleares, rompendo a escrita respeitada desde o final
da Segunda Guerra Mundial, sabe-se lá com que consequências.
A diferença de visões está afetando o que
ocorre nos campos de batalha. As forças ucranianas ganham em entusiasmo, mas
perdem na capacidade bélica. Seu arsenal pode disparar cerca de 5 mil projéteis
de artilharia por dia, um décimo do poder de fogo russo. Está acabando a
munição de seus armamentos antiquados, e as armas prometidas pelo Ocidente
chegam a conta-gotas. Além da pronta entrega do que já foi anunciado, seria
necessário enviar armamentos de mais longo alcance para que os ucranianos
pudessem atingir a artilharia e as linhas de suprimento russas sem correr
riscos na linha de frente.
Ciente da situação, o presidente ucraniano,
Volodymyr Zelensky, não para de pedir mais ajuda. Por enquanto, continua
recebendo visitas de dirigentes europeus — nesta semana vieram o alemão Scholz,
o francês Emmanuel Macron, o italiano Mario Draghi e o romeno Klaus Iohannis.
Nem a recomendação da Comissão Europeia para que a Ucrânia seja aceita como
candidata a ingressar na União Europeia, apoiada por eles, muda a situação no
front.
Os combates de rua entre soldados
ucranianos e russos em Severodonetsk são críticos para definir o destino do
Donbass, região de maioria russa no leste do país. As tropas de Putin estão
mais perto de tomar toda a área. A eventual conquista não necessariamente
significaria o fim do conflito. Nem a recuperação do terreno perdido pela
Ucrânia terminaria com a guerra. Ninguém sabe quando os dois lados aceitarão
parar de lutar. O Ocidente poderia exercer um papel decisivo para fazer cessar
o conflito — se ao menos soubesse o que deseja.
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