Folha de S. Paulo
Com ameaça eleitoral da inflação, Bolsonaro
fabrica rivalidade com a estatal
A disparada
dos combustíveis se tornou uma ameaça eleitoral tão perigosa que fez
Jair Bolsonaro (PL) assumir de vez uma batalha com a Petrobras. Na blitz
governista feita sobre a empresa nos últimos dias, o presidente e seus aliados
passaram a tratar a estatal como uma adversária política.
O novo aumento de preços anunciado pela
empresa nesta sexta-feira (17) reforçou a percepção de que o governo está sem
saída na busca de soluções para o ciclo de altas que tira o sono de Bolsonaro.
Nem mesmo a
intensa pressão feita por ministros e parlamentares foi capaz de frear
a decisão da Petrobras.
O próprio Bolsonaro já vinha tratando a
estatal como inimiga em discursos e entrevistas, mas o tom ficou mais
explícito. Na véspera do aumento, o presidente disse que um reajuste de preços
seria sinal de um "interesse
político para atingir o governo federal".
O comportamento é parte de uma conhecida tática de Bolsonaro. Quando o governo está enfraquecido ou não é capaz de elaborar respostas eficazes para um problema, o presidente costuma fabricar uma rivalidade no terreno da política.
No caso da Petrobras, a solução foi empregada
diante das frustrações do presidente com as iniciativas
para amortecer a alta dos combustíveis e, principalmente, com sua
incapacidade de construir um consenso dentro do governo para alterar a política
de preços da companhia.
Ao tratar a estatal como antagonista,
Bolsonaro acrescenta uma camada a seus esforços para se desvencilhar da
responsabilidade pela alta de preços. Segundo essa visão, a empresa trabalha
ativamente para impedir seu governo de controlar os efeitos da pandemia e da
Guerra da Ucrânia sobre os combustíveis.
O ataque
coordenado ao comando da Petrobras sugere que esse será o discurso
oficial dos governistas. Assim que a cúpula da empresa liberou o aumento, o
ministro Ciro Nogueira (Casa Civil) disse que a estatal abandonou os
brasileiros. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) afirmou que a
companhia havia entrado em "estado de guerra" com o povo.
O centrão participa dessa operação porque
tem interesse direto na reeleição de Bolsonaro —uma vez que os
arranjos atuais favorecem (e muito) esses partidos. Mas o bloco também tem
preocupações com a preservação de seu próprio capital político.
O mal-estar com a inflação costuma fazer
com que o eleitor vá às urnas em busca de mudança. O centrão não sofreria muito
com uma eventual derrota de Bolsonaro, mas teria um prejuízo grande se o
aborrecimento generalizado engordasse bancadas de esquerda e punisse a coalizão
de centro-direita que sustenta o bloco.
A reação conjunta também pode ser explicada
pelo fato de que o novo aumento frustra os planos mais recentes do consórcio
Bolsonaro-centrão. O reajuste anunciado agora limita os efeitos da redução
esperada com a aprovação do teto para o ICMS cobrado sobre os combustíveis. O
corte de impostos deve ser aplicado a partir da semana que vem, mas os novos
preços da Petrobras já começam a valer no sábado (18).
O novo momento do embate com a Petrobras
mostra que a caixa de ferramentas dos governistas vai ficando mais vazia.
Depois do aumento, Lira falou na possibilidade de dobrar
a taxação de lucros da estatal, revertendo o dinheiro arrecadado para um
subsídio ao diesel dos caminhoneiros.
A proposta vale como arma política. A
ameaça de aumentar a tributação da Petrobras é uma pressão mais do que óbvia para
que o Conselho de Administração da empresa efetive a demissão do atual
presidente, José Mauro Ferreira Coelho, e acelere a troca de comando da
companhia.
Na batalha com a empresa, Bolsonaro também
lançou a carta do risco
de uma greve de caminhoneiros, nos moldes da paralisação de maio de 2018.
Ele afirmou que "a Petrobras pode mergulhar o Brasil num caos",
lançando preventivamente para a estatal a culpa por possíveis desarranjos da
economia.
Ainda na lista de ameaças, Bolsonaro
defendeu a abertura de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para
investigar a direção da Petrobras.
A briga política dificilmente levará novos
votos para o campo de Bolsonaro —como o governo esperava ao trabalhar por uma
redução dos preços dos combustíveis. Mas o embate ainda pode ajudar o
presidente a amenizar o mau humor que uma fatia do eleitorado direcionaria a
ele com o novo aumento.
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