sábado, 18 de junho de 2022

Carlos Góes: O populismo fóssil

O Globo

É natural que os gestores se preocupem com a inflação. Mas a saída dada pelos políticos, além de não ajudar, tem vários efeitos colaterais

O dragão da inflação voltou a dar voos no Brasil. Em maio, a inflação acumulada em 12 meses chegou a quase 12%. É verdade que, desta vez, as causas estruturais da inflação têm um grande componente exógeno. A reabertura da economia após a recessão do Coronavírus fez com que a demanda por bens e serviços aumentasse muito mais que a oferta destes.

Ao mesmo tempo, os preços das commodities dispararam. De acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), em maio, os preços dos alimentos subiram, em média, 29% em relação ao mesmo período do ano anterior; do petróleo, 65%; e do gás natural, 175%.

Os políticos, da direita à esquerda, apontam o dedo para o inimigo mais visível: o preço dos combustíveis. Esta semana, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que determina a redução da alíquota do ICMS que incide sobre os combustíveis – gerando um benefício fiscal que é equivalente a um subsídio setorial.

Mas há vários problemas neste tipo de medida.

O primeiro é que o impacto da proposta sobre a inflação pode ser baixo. A queda na alíquota pode ter impacto sobre o nível de preços no momento da implementação. Mas dificilmente terá grande impacto sobre a inflação. Ou seja, ainda que os preços dos combustíveis caiam um pouco hoje, a medida não influencia aumentos futuros, caso os preços internacionais continuem subindo.

Além disso, dados do IBGE mostram que a inflação atual é um fenômeno amplo que não está restrito aos combustíveis. Entre os produtos pesquisados para o cálculo do índice de inflação, cerca de 75% tiveram aumento de preços no último trimestre. Esse número – chamado de “índice de difusão” da inflação – chegou ao maior valor desde 2016.

Outro motivo é que a perda de recursos arrecadados por estados e municípios pode significar menor financiamento de bens públicos como educação, saúde e segurança pública. Alguns estados subvencionam os recursos do ICMS, de modo que a queda na arrecadação em relação ao esperado pode se traduzir diretamente em menor recursos para instituições como a Universidade de São Paulo.

O projeto prevê uma compensação somente se o valor total arrecadado em ICMS pelos estados cair mais de 5%. Mas, num ambiente de inflação de dois dígitos, é improvável que isso ocorra. Se a compensação fosse com base na perda de arrecadação com combustíveis, o peso para os estados seria menor, mas essa restrição foi rejeitada pela Câmara.

Uma terceira razão é que esse tipo de subsídio indiscriminado aos combustíveis é regressivo: isto é, beneficia mais os mais ricos. Como mostra um trabalho dos economistas Kangni Kpodar e Boya Liu, o custo de vida dos mais ricos sobe mais do que o dos mais pobres após um aumento no preço da gasolina.

Por isso, subsídios focalizados (por exemplo, ao gás de cozinha) poderiam proteger o orçamento dos mais pobres a um custo fiscal menor.

Por último, é necessário considerar os efeitos ambientais de um subsídio ao combustível fóssil. Produtos que geram efeitos negativos sobre terceiros – que em economês se denomina de “externalidades” –, como poluição e gases de efeito estufa, têm seu preço de mercado abaixo do seu custo social.

Nesse caso, impostos podem ajudar a corrigir essa distorção. Se a queda nas alíquotas forem permanentes, no médio prazo, além de estimular danos a terceiros, ela prejudicará alternativas energéticas que não sejam sujas.

Mas o que é possível fazer em relação ao preço dos combustíveis? Uma alternativa é criar um mecanismo de suavização dos preços. Um documento do FMI traz melhores práticas para esse tipo de mecanismo.

Uma possibilidade é uma regra de média móvel – em que o preço da gasolina no Brasil pode variar conforme a média do preço internacional do petróleo nos últimos 12 ou 24 meses. Outra é uma regra de bandas de variação – limitando a variação mensal dos combustíveis a um teto.

Em ambos os casos, o preço é suavizado ao longo do tempo. Ele vai subir ou descer conforme o mercado, mas não sobe de forma brusca. Não se cria um subsídio permanente, mas evita-se surpresas, pois o preço varia conforme uma regra pré-especificada.

É natural que os gestores se preocupem com a inflação. Mas a saída dada pelos políticos, além de não ajudar a reduzir substancialmente a inflação, tem vários efeitos colaterais negativos. Em ano eleitoral, infelizmente, é mais popular o populismo fóssil do que propostas de correção permanente.

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