Ungido
'mito', um imponderado quer reinar, o que é incompatível com a República. Então
chora
Golpe
de Estado anunciado é coisa do arco-da-velha. Sob risco de os
figurantes terminarem na cadeia, a ausência de segredo sempre aconteceu em
países politicamente instáveis e com infausta tradição de golpes, como a
Bolívia: nada menos que 36 desde a Independência.
A
derrubada de governantes dispensava boca de siri, era virtual flagrante delito.
Mariano Melgarejo foi o presidente de maior duração no cargo (1864-1871), mas
reza a lenda que dificilmente saía do palácio: os adversários moravam perto, à
espera de uma chance para entrar e tomar o poder.
Mantidas as diferenças, porém, é espantoso que um país com a importância econômica e a grandeza territorial do Brasil tenha de mobilizar-se, em pleno terceiro milênio, contra um golpe anunciado. É o que tem feito a sociedade civil. A cerimônia de posse na presidência do TSE não foi um ato burocrático, como de praxe, mas um forte recado cívico. As cartas e os manifestos em defesa do Estado de Direito rompem, como uma vibrante celebração da democracia, a marcha batida de uma cena golpista que não tem tido sequer pudor cívico em se anunciar.
Em
nada destoa a palavra pudor, tomada como sensibilidade moral e política para o
que deve ser levado a sério, como a Constituição e o respeito à cidadania
moderna.
"Moderno",
definia magistralmente Roland
Barthes, é saber o que não é mais possível. Senão, saber que não existe
democracia sem democratas, isto é, sem pessoas capazes de, assumindo a condição
plena de cidadãos, agirem de modo ativo e responsável. Não há mais lugar na
história republicana para assalto de lobos ao poder. Já bem avisado, o golpe de
2016 no Brasil vestiu a pele de cordeiro do "lawfare". Levou a melhor
o "fermento dos fariseus" (Evangelho de Lucas), que é a hipocrisia.
Não deu certo na Bolívia: o mais recente terminou detrás das grades.
Daí
o espanto frente aos persistentes uivos de matilha, tão singulares que pedem
ser caracterizados, à moda antiga, como coisa de farta-velhaco. Começando pela
premissa religioso-integrista de que "homem da casa" é rei.
Ungido
"mito", um imponderado desses quer reinar, o que é incompatível com a
República. Então chora, apela a Deus e aos broncos de todos os segmentos. Mas o
espírito é de bando, onde a meta é a capilaridade do caos, a intimidação pela
arruaça ou pela baderna, e não se distingue paisano de fardado.
Este
sinônimo de desordem também é do arco-da-velha, pois Maria
Baderna, origem do termo, era a italiana bonita por quem os apaixonados se
batiam na época áurea da carioca rua do Ouvidor. Arruaça permanece atual,
talvez seja a palavra mais adequada a se trocar por golpe anunciado.
*Sociólogo, professor emérito da UFRJ, autor, entre outras obras, de "A Sociedade Incivil" e "Pensar Nagô".
Um comentário:
De baderna e arruaça, Bolsonaro entende muito. Praticou-as desde os primeiros tempos no Exército, onde sempre foi visto como mau militar e "bunda suja", até ser finalmente expulso da corporação e proibido de entrar em quartéis. Bolsonaro também entende muito de sabotagem, tática que usou amplamente para torpedear as políticas do seu próprio ministério da Saúde, dando seguidas demonstrações de contrariedade e desinteresse pelas vacinas, pelo uso de máscaras e por recomendações corretas e eficientes para a população. Bolsonaro sempre apostou em MAL INFORMAR os brasileiros e rejeitar as recomendações da OMS que foram seguidas no mundo todo. As taxas gigantescas de mortes pela covid e de número de contaminados MUITO MAIORES no Brasil que as taxas médias dos demais países mostram os enormes erros que Bolsonaro cometeu e explicam porque o termo GENOCIDA foi tão frequentemente aplicado a ele.
Postar um comentário