domingo, 21 de agosto de 2022

Cristovam Buarque* - Ditadura da Emergência

Blog do Noblat / Metrópoles

Nos últimos dias, os principais candidatos à Presidente da República têm disputado quem oferece mais dinheiro ao eleitor

Houve tempo em que os candidatos ofereciam dinheiro pessoal, diretamente ao eleitor, em troca de voto. A democracia evoluiu: nestas eleições, os candidatos oferecem aumentar o valor de bolsas, rendas e auxílios, pagos com dinheiro público, diretamente na conta bancária do eleitor. A democracia ficou moderna, mas sem oferecer a possibilidade de um país com eleitores livres das restrições da pobreza.

Nos últimos dias, os principais candidatos à Presidente da República têm disputado quem oferece maior valor e maior duração para o Auxílio Brasil, Bolsa Família ou Programa de Garantia de Renda Mínima. Sem estratégia com prazo determinado para que a evolução econômica e social torne os auxílios obsoletos e desnecessários. Um dos candidatos propõe incluir na Constituição o auxílio de R$1.000,00 por mês, por família. A qualquer momento, outro candidato vai propor R$1.200,00 e considerar cláusula pétrea. Assumindo que o Brasil condena parte de sua população a ser dependente de ajuda para sempre, escravos de transferência de renda, sobrevivendo na pobreza, tendo o que comer e mais nada.

Não entendem que a situação da pobreza é mais do que renda, é escassez de bens e serviços essenciais: renda mínima não coloca água e esgoto, não paga escola e saúde com qualidade. O candidato não considera que para uma família de 5 pessoas estaria condenando cada uma a viver com R$7,00 por dia, a um custo anual de R$244 bilhões ao ano para os atuais 20 milhões de famílias beneficiadas. Para tanto, deslocará recursos de programas estruturais, educação, saneamento, saúde, e provocando déficits nas contas públicas que pressionarão a inflação, desvalorizando o valor da ajuda. Diz que este dinheiro sairá de um imposto sobre os ricos, escondendo as dificuldades para esta reforma fiscal e ignorando que são tão poucos que os recursos obtidos não financiarão o programa. Imposto sobre grande fortuna é uma necessidade moral da democracia, mas pouco impacto terá nas finanças.

A impressão é de que estamos em uma eleição-leilão, em que os candidatos oferecem mais para que o eleitor se comprometa a comer-e-votar. Este é o slogan que prevalece para metade dos eleitores prisioneiros da fome. Sem preocupação maior com a abolição da pobreza, apenas com a redução da penúria. Se a eleição fosse nos anos 1880, o debate seria entre quem defende número menor de chicotadas ou melhorar a ração diária do escravo, não quem defende a abolição da escravidão. Ninguém propondo segunda abolição que inclua na Lei Áurea: o filho do escravo na mesma escola que o filho do seu proprietário, e outras medidas que superem a pobreza e a apartação. A primeira abolição proibiu a venda e a compra de pessoas, a segunda libertaria as pessoas

*Cristovam Buarque foi ministro, senador e governador

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