domingo, 21 de agosto de 2022

Luiz Carlos Azedo - O coração de D. Pedro I simboliza a necropolítica no Bicentenário

Correio Braziliense / Estado de Minas

Amanhã, chega ao Brasil o coração de D. Pedro I, que será exposto no Palácio do Itamaraty, em Brasília, como ponto alto das comemorações oficiais do Bicentenário da Independência

Ganha um pastel de Belém quem souber onde fica a Rua D. Pedro I no Rio de Janeiro, a cidade que acolheu o jovem príncipe no exílio, em 1808, e o transformou no primeiro imperador do Brasil, às vésperas de completar 24 anos, em 7 de setembro de 1822. Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon era herdeiro da casa real portuguesa, filho de D. João VI, regente de Portugal, e da princesa espanhola Carlota Joaquina, que viriam a se tornar rei e rainha de Portugal em 1816, com a morte da rainha Maria I.

O seu protagonismo político na formação do Brasil como nação não pode ser ignorado nas comemorações do Bicentenário da Independência. Com esse objetivo, amanhã, chega ao Brasil o coração de D. Pedro I, que será exposto no Palácio do Itamaraty, em Brasília, como ponto alto das comemorações oficiais do Bicentenário da Independência. A data magna também servirá para a realização de grandes manifestações de apoio ao presidente Jair Bolsonaro e seu projeto de reeleição; a unidade nacional e a coesão social de nosso país estão fora de questão. Essa forma de comemoração merece uma reflexão crítica, porque simboliza o sequestro da identidade nacional e do nosso futuro pelo presidente Jair Bolsonaro com propósitos eleitorais e regressistas.

Quase como uma piada pronta, a morbidez da programação reforça a ideia de que vivemos tempos de “necropolítica”. As negociações para o empréstimo do coração levaram cerca de quatro meses e envolveram o governo português, a Câmara do Porto e representantes da Irmandade da Lapa, entidade religiosa que guarda a relíquia. Mantido em um pote de vidro, imerso numa substância dourada, o coração do D. Pedro será recebido no Palácio do Planalto com honras de chefe de Estado, com salvas de canhão e escoltado pelos Dragões da Independência; depois, ficará em exposição pública no Palácio do Itamaraty.

Até o começo de 1821, D. João VI manteve D. Pedro afastado da política. Com a Revolução Liberal do Porto, foi obrigado a voltar a Lisboa e deixou-o como príncipe regente do Brasil. Essa ação fez com que assumisse protagonismo político, convertendo-se em líder da Independência, em contraposição às Cortes portuguesas, que exigiam sua volta ao país. Em 9 de janeiro de 1822, D. Pedro anunciou sua permanência no Brasil, evento que ficou conhecido como Dia do Fico.

Daí em diante, o processo de ruptura se acelerou, e a hostilidade nas relações entre Brasil e Portugal aumentou. Em 7 setembro de 1822, Dom Pedro estava em viagem a São Paulo e, no trajeto Santos-São Paulo, próximo ao riacho do Ipiranga, recebeu uma carta assinada por sua esposa e por José Bonifácio, seu conselheiro pessoal, com as novas ordens enviadas por Portugal. D. Pedro aproveitou a situação para declarar a independência. Em 1º de dezembro de 1822, D. Pedro foi coroado imperador.

Escravidão

Ao contrário de todos os demais países das Américas, que se tornaram republicanos a partir da independência — com exceção do México, que teve três impérios brevíssimos —, o Brasil optou por uma monarquia, que nos legou um Estado historicamente constituído e nossa integridade territorial, embora a nação fosse ainda um projeto em construção. A razão de ser da nossa monarquia estava mais associada à manutenção da escravidão e ao projeto de reunificação do Império colonial português, cuja personificação seria o próprio D. Pedro I.

Seu autoritarismo e intransigência resultaram na sucessão de crises que marcaram o Primeiro Reinado. D. Pedro fechou a Constituinte de 1823, rasgou a chamada Constituição da Mandioca e nos outorgou a Constituição liberal de 1824, na qual o direito à propriedade privada foi introduzido com o claro objetivo de blindar a escravidão.

A insatisfação foi enorme. No Nordeste, deu origem a uma revolta de caráter separatista, a Confederação do Equador. D. Pedro I decidiu declarar guerra contra as Províncias Unidas em virtude de uma revolta em curso na Cisplatina. A guerra afetou a economia brasileira e resultou na independência do Uruguai. A derrota moeu a popularidade de D. Pedro, que perdeu apoio dos militares e da população pobre. O assassinato do jornalista italiano Líbero Badaró, que lhe fazia dura oposição, em novembro de 1830, em São Paulo, tornou a situação insustentável.

D. Pedro I foi acusado de proteger os assassinos do jornalista, e o confronto entre seus defensores e críticos nas ruas do Rio de Janeiro explodiu em março de 1831. A Noite das Garrafadas fez com que renunciasse ao trono, em 7 de abril de 1831, para que seu filho, Pedro de Alcântara, pudesse assumir quando completasse 18 anos.

Em 1831, D. Pedro I mudou-se para Portugal com o objetivo de participar da Guerra Civil Portuguesa e defender o direito de sua filha, D. Maria II, de assumir o trono do país. Lutou contra o seu irmão D. Miguel pelo trono e venceu esse conflito. Maria foi restaurada no trono de Portugal em 1834, e D. Miguel fugiu em exílio. Durante a guerra, D. Pedro I contraiu tuberculose, doença que se agravou e o levou à morte em 24 de setembro de 1834.

No Brasil, o conturbado Período Regencial que se seguiu à abdicação de D. Pedro I, até o Golpe da Maioridade de D. Pedro II, em 1840, foi fundamental, porém, para consolidar a União e plantar, no parlamento brasileiro, as sementes do nosso federalismo e, nele, em contrapartida, a cultura de conciliação de nossas elites. D. Pedro jamais recuperou sua popularidade.

 

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