Editoriais / Opiniões
Números não favorecem Bolsonaro no 2º turno
Valor Econômico
Mágicas eleitoreiras podem dar algum
resultado, a melhora da economia faz o tempo correr a favor do presidente
O jogo político mudou para o segundo turno
das eleições. A votação maior do que a prevista do presidente Jair Bolsonaro
colocou o PT sob enorme pressão e de imediato trouxe a impressão de que Lula, o
candidato petista, é o rejeitado pelos eleitores, quando o governo atual é que
foi reprovado em um pleito com fortes características plebiscitárias. A força
eleitoral revivida de Bolsonaro “normalizou” por um momento uma disputa que
nada tem de normal. O presidente fechou a boca sobre as urnas na hora em que
viu que seu apoio popular não declinou tanto quanto seus índices de rejeição fariam
supor, de forma que o argumento de defesa da democracia sob ataque parece ter
se esvaído na contenda. No entanto, um segundo mandato de Bolsonaro gera temor
de enfraquecimento democrático no Brasil.
Os primeiros lances dos candidatos para o segundo turno foram rápidos. O presidente amarrou um apoio de peso com os governadores do Sudeste, maior colégio eleitoral do país (43% do eleitorado), Romeu Zema (MG), Cláudio Castro (Rio) e Rodrigo Garcia (SP). Lula arrematou o apoio do PDT de Ciro Gomes e de Simone Tebet - ambos obtiveram 8,5 milhões de votos no primeiro turno. Nenhum desses apoios significa que os votos se transferirão automaticamente ou sequer que haverá de fato transferência.
Das alianças de Bolsonaro, a de Zema é a
que pode ser a mais produtiva. A votação do governador, de 6,03 milhões, foi
superior à do presidente, de 5,2 milhões, em um Estado chave em que Lula obteve
563 mil votos de vantagem. A campanha de Zema a favor de Bolsonaro pode lhe
trazer um eleitorado potencial extra de 1 milhão de votos. A mesma conta no Rio
mostra uma colheita possível de mais 100 mil votos. Em São Paulo, o presidente
teve votação muito superior à do primeiro colocado, Tarcísio de Freitas, o que
indica que o candidato a governador deverá avançar mais. A aliança com Garcia e
a liberação de votos dos filiados por parte do PSDB impedirá um avanço firme de
Lula em São Paulo no segundo turno e coloca em xeque a possibilidade, nunca
concretizada, de o PT comandar o Estado mais rico do país.
O PDT foi para o lado de Lula, mas uma ala
do partido pode não ir, motivada pela campanha agressiva de Ciro Gomes, contra
Lula. Já o MDB liberou o voto de seus filiados. Uma ala do partido já havia
embarcado na campanha de Lula, especialmente no Nordeste, mas há uma ala
bolsonarista e parte razoável dos que votaram em Simone Tebet tem inclinações
conservadoras e tende a votar em Bolsonaro. Ainda assim, se Lula assegurar seus
votos no segundo turno e conquistar um quarto dos que sufragaram Tebet e Ciro
no primeiro turno, estará eleito. Sua diferença para os 50% de votos, mais um,
é de 1,8 milhão de votos - se o número de votos válidos não se modificar. A de
Bolsonaro é de 8 milhões de votos.
Bolsonaro obteve vantagem de 3,6 milhões no
Sudeste e 3,12 milhões no Sul. Esses 6,7 milhões de votos não cobrem a
diferença de mais de 9 milhões de votos de Lula sobre Bolsonaro no Nordeste,
nem os 600 mil no Norte. No total Lula teve 6,1 milhões de votos a mais que seu
rival. Apenas para equalizar a disputa, Bolsonaro precisa ganhar 3 milhões de votos
novos. Não há tal fartura disponível e ele terá de arrancá-los de Lula.
Cálculos de potenciais eleitores indica que
a Bahia poderia lhe dar mais um milhão de votos, caso ACM Neto, que teve essa
diferença entre sua votação e a do presidente no Estado, resolva lhe dar apoio.
Isso não é impossível e poderia ser útil para trazer mais candidatos do União
Brasil, como o baiano, para seu lado. A disputa baiana, porém, é regional.
Colocar o apoio a Bolsonaro em um Estado onde o PT é muito forte pode ser o
passo certo para a derrota. Ademais, ACM não precisa de Bolsonaro para perder
ou ganhar.
Haveria, em tese, mais 620 mil a colher no
Paraná de seu aliado, Ratinho Junior, 400 mil no Piauí e mais 100 mil no
Tocantins. A grosso modo, portanto, é necessário que Lula perca pelo menos
quase 3 milhões de votos para um empate - e isso teria de ocorrer nas regiões
onde Bolsonaro já ganhou. É quase impossível que isso ocorra no Nordeste, onde
a votação lulista é esmagadora e a de Bolsonaro já foi superior à dos candidatos
aliados.
Isso explica o frenesi eleitoral em
turbinar o Auxílio Brasil - como o 13º salário para as mulheres que recebem
recursos do programa. Mágicas eleitoreiras podem dar algum resultado, a melhora
da economia faz o tempo correr a favor do presidente, e Lula pode dar passos
errados na campanha. No entanto, Bolsonaro não é o favorito e terá de travar
batalha morro acima para vencer.
É temerário usar verba da pandemia em piso
eleitoreiro
O Globo
Destinar recursos do combate à Covid para
pagar reajuste a enfermeiros não passa de ‘puxadinho orçamentário’
É temerária, além de frágil, a proposta
aprovada pelo Senado que permite a estados e municípios usar recursos do
combate à pandemia de Covid-19 para pagar outras despesas, como o piso salarial
da enfermagem, aprovado pelo Parlamento no fragor do período pré-eleitoral sem
dizer de onde sairia o dinheiro. O relator do projeto, senador Marcelo Castro
(MDB-PI), estima que R$ 34 bilhões em contas de fundos de saúde poderiam ser
usados com esse propósito.
Embora o cenário da Covid-19 tenha melhorado graças à vacinação, o coronavírus não foi embora, como comprovam as quase cem mortes diárias no Brasil. Apesar de a cobertura vacinal ter avançado, ela não é homogênea. Há populações com bons índices de proteção, outras ainda merecem maior atenção. Outro fator a considerar é o vaivém nos indicadores, com avanços e recuos. É importante estar preparado para as oscilações e dispor de recursos para enfrentar novos surtos.
A proposta aprovada no Senado tampouco
resolve o problema da falta de recursos necessários para arcar com toda a
demagogia do período pré-eleitoral. A verba da pandemia é emergencial,
transitória, enquanto os gastos com o novo piso — R$ 4.750 para enfermeiros, R$
3.325 para técnicos de enfermagem e R$ 2.375 para auxiliares e parteiras —
perdurarão no Orçamento. O próprio relator admite que se trata de alternativa
provisória, para socorrer estados e municípios até 31 de dezembro, enquanto se
busca uma solução permanente. O novo valor foi sancionado pelo presidente Jair
Bolsonaro em agosto, mas foi suspenso por liminar do Supremo Tribunal Federal
(STF), pois a lei não apresentou fonte para financiar as novas despesas.
Ainda que resolvesse o problema na rede pública,
a proposta continuaria capenga, pois não contempla os hospitais particulares e
filantrópicos. A Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) afirma que o
novo piso terá impacto incontornável nos planos de saúde — cujos valores
precisarão ser reajustados diante das novas despesas — e no próprio Sistema
Único de Saúde (SUS), para onde irá parte da demanda dos hospitais
filantrópicos.
Enquanto os parlamentares empurram o
problema com a barriga, as prefeituras já calculam os prejuízos. Um estudo da
Confederação Nacional dos Municípios estima que o novo piso acarretaria
despesas adicionais de R$ 9,4 bilhões e que 32.500 profissionais de enfermagem
poderiam ser demitidos. Haveria estrago nas equipes dos programas de saúde da
família e noutros fundamentais para os cidadãos.
Ninguém duvida da importância que os
profissionais de enfermagem têm para o sistema de saúde, especialmente depois
de uma pandemia tão letal, mas o aumento do piso da categoria foi aprovado num
ambiente de vale-tudo pela caça aos votos, não importando o custo dos
desvarios. Como em tantos outros casos, concede-se o benefício para depois
pensar em como pagá-lo, contrariando o que manda a lei.
A proposta aprovada pelos senadores seguirá
para a Câmara. Continua difícil acreditar que os parlamentares encontrarão uma
fonte de recursos decente, capaz de tapar o rombo que eles próprios criaram e
também de equilibrar as contas no setor privado. O avanço sobre os recursos
destinados ao combate à pandemia não passa de mais um “puxadinho orçamentário”,
desses que se tornaram tão frequentes quanto perigosos na atual legislatura.
IBGE precisa resolver problemas logísticos
que emperram o Censo
O Globo
Pesquisa, que já começou com atraso de dois
anos, foi prorrogada devido à escassez de recenseadores
O Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) anunciou na segunda-feira o adiamento do prazo final para
coleta de dados do Censo 2022. Ele deveria
terminar no fim deste mês, mas agora irá até dezembro. A
decisão de prorrogá-lo é sensata, já que o trabalho de campo não ocorre no
ritmo esperado, mas o atraso preocupa, principalmente quando se considera que o
Censo já está defasado — deveria ter sido feito em 2020, dez anos depois do
anterior — em consequência não só da pandemia de Covid-19, mas também da falta
de previsão orçamentária.
São vários os motivos do atraso na coleta
dos dados. Um deles é a falta de recenseadores, mão de obra vital para dar
andamento à pesquisa no prazo desejado. Embora exista uma tropa de 95.448
pesquisadores batendo às portas dos brasileiros, esse número está abaixo do
necessário. Representa pouco mais da metade das vagas previstas para o trabalho
de campo. A solução óbvia é contratar mais gente, mas os atrasos no pagamento e
os valores oferecidos têm afastado os interessados. Uma recenseadora disse ao
GLOBO que não é atraente a remuneração por pesquisas feitas em vez de horas
trabalhadas. Desde agosto, estima-se que 50 mil recenseadores tenham abandonado
o trabalho.
Ao problema da escassez de recenseadores se
junta a incompreensível recusa de moradores em abrir suas portas aos
pesquisadores — uma obrigação legal. Embora o percentual de negativas seja
relativamente baixo (2,27%), ele se torna mais um obstáculo para o bom
andamento da pesquisa. Segundo o IBGE, o problema ocorre principalmente nas
áreas de renda mais alta.
Não há por que barrar os recenseadores.
Eles estão identificados, e o IBGE forneceu ferramentas que permitem verificar
se o funcionário está a serviço do instituto. O questionário básico, aplicado
em 90% dos casos, dura em torno de cinco minutos — o mais complexo leva 16. Ainda
existe a possibilidade de respondê-lo pela internet ou por telefone, embora
essas opções não dispensem a visita do recenseador.
Com os percalços, a pesquisa avança
lentamente. Até a segunda-feira, foram contados 104 milhões de brasileiros,
pouco menos da metade da população, estimada em 215 milhões. No último Censo,
em período semelhante o número chegava a 154 milhões (86,9%). O atraso não é
irrelevante. Quanto maior a demora, maior a chance de a pesquisa perder
qualidade.
O Censo vai muito além da contagem da
população. Seus números, que deverão começar a ser divulgados ainda neste ano,
servem de base para formular políticas públicas e para calibrar verbas
destinadas a estados e municípios. Ao revelar quantos somos, quem somos e como
vivemos, o Censo fornece a gestores e cidadãos o mais bem-acabado retrato do
país. Seria frustrante desperdiçar essa chance de conhecer melhor o Brasil.
É, por isso, fundamental que o IBGE resolva
logo os problemas logísticos que travam o andamento da mais completa pesquisa
do país. Da mesma forma, a população precisa contribuir com o trabalho dos
recenseadores.
Mutação partidária
Folha de S. Paulo
Direita ganha espaço na Câmara; cláusula de
barreira ajuda a baixar fragmentação
A Câmara dos Deputados que acaba de ser
eleita no Brasil está mais à
direita e apresenta a menor
fragmentação partidária desde 2006. A eleição consolida
mudanças percebidas desde 2014, com a implosão do sistema de partidos
dominantes entre 1990 e 2010.
O bloco de partidos associado à ascensão de
Jair Bolsonaro (PL) obteve o avanço mais significativo. Trata-se do grupo
formado por PL, União Brasil (fusão de DEM e PSL) e PP, central na coalizão do
governo.
Essas legendas obtiveram 205 cadeiras, ante
152 há quatro anos. Tais números em parte exageram o sucesso eleitoral do trio,
já que, entre 2019 e 2022, o número de deputados nessas siglas subiu para 185.
Os dados indicam, de todo modo, que elas
foram capazes de agregar parlamentares, reelegê-los e ainda avançar sobre
territórios alheios.
A proximidade do poder, o interesse em
abocanhar mais fundos partidários e emendas ao Orçamento, além da afinidade
ideológica, contribuem para explicar esse movimento de agregação.
A fragmentação caiu, medida pelo chamado
número efetivo de partidos —cálculo da ciência política que leva em conta a
quantidade de legendas e seu tamanho relativo.
A Câmara fragmentou-se de modo expressivo a
partir de 2006. O número efetivo de partidos cresceu de 8,5, em 2002, para 16,6,
em 2018. Pelas bancadas agora eleitas, a cifra voltou a 9,9.
Um novo sistema de partidos dominantes se
formou. A partir de 1994, PMDB, PFL (depois DEM), PT e PSDB se alternaram entre
as três maiores legendas. Até 2010, tinham em média 48% das cadeiras.
No início da implosão, em 2014, as três
maiores legendas passaram a contar com apenas 32% dos deputados. Nesta eleição,
contam com 44%. Os partidos dominantes agora são PL, PT e União Brasil.
A bancada do PT aumentou dos 54 eleitos de
2018 para os 68 deste pleito. Mas os partidos comumente associados à esquerda
perderam espaço: de 151 eleitos há quatro anos para 132 (são atualmente 129).
Dos ainda excessivos 23 partidos que
elegeram deputados, ao menos 6 não atingiram os requisitos da cláusula de
barreira. Outros 5, ora integrantes de federações, estão ameaçados como
partidos independentes. Há mais legendas próximas do limite de perder verbas e
tempo de TV, caso mantenham seu desempenho.
Em resumo, o domínio que se configura é de partidos antes auxiliares nas coalizões de governo, do dito centrão, associados a direitistas que obtiveram ou confirmaram seus mandatos na onda bolsonarista. A tendência parece de concentração, dados os incentivos do sistema político, a força do conservadorismo e a correta e bem-sucedida cláusula de barreira.
Fato não consumado
Folha de S. Paulo
Putin finaliza anexações, com referendos
farsescos e em meio a reveses em campo
Em 2014, Vladimir Putin reagiu à derrubada
do governo aliado em Kiev anexando a Crimeia, ex-província russa que fora
cedida à Ucrânia em 1954, quando ambos os países integravam a União Soviética.
A comunidade internacional condenou o ato de força, mas viu um fato consumado
—considerando inclusive as ligações históricas no caso.
Sanções foram aplicadas e a vida seguiu,
com direito a uma festiva Copa do Mundo sob Putin, em 2018. No leste da
Ucrânia, seguia congelada a guerra civil na qual separatistas pró-Kremlin
dominavam parte do chamado Donbass.
Em fevereiro deste ano, Putin iniciou sua
invasão, ao final de um longo impasse após pedir que o Ocidente se
comprometesse a não admitir Kiev em suas estruturas, como a União Europeia e a
Otan.
A Rússia foi desde então submetida a um
regime draconiano de restrições. Entretanto sua economia ainda se sustenta,
apoiada pelas linhas abertas com a aliada China e com parceiros como a Índia.
Países como o Brasil também consideraram
interesses econômicos. Seguindo a linha usual do Itamaraty, o governo de Jair
Bolsonaro (PL) se mantém neutro na contenda. O rival do presidente no segundo
turno, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), segue argumentação semelhante sobre a
guerra.
Com efeito, Brasil, Índia e China se
abstiveram na sessão que propunha a condenação da anexação no Conselho de
Segurança da ONU.
Nesta quarta (5), Putin finalizou a
pantomima. Sancionou leis que formalizam a anexação de quatro territórios
ucranianos, feita após referendos farsescos. Em reação, a ONU afirmou que a
medida exacerba a violação de direitos humanos já em curso na guerra.
As áreas, ao todo 18% da Ucrânia,
apresentam em solo realidade distinta daquela apresentada com pompa no Kremlin.
Em duas delas, os russos estão recuando em pontos estratégicos.
Ademais, as anexações violam o Memorando de
Budapeste (1994), que entre outras coisas garantia a soberania das fronteiras
ex-soviéticas da Ucrânia, Belarus e Cazaquistão. Letra morta, como a Crimeia
provou, mas o momento é outro.
O Ocidente está envolvido na guerra, Putin recorre a ameaças nucleares e a economia mundial sofre com a inflação, a crise energética na Europa e a ajuda dada pela Opep a Moscou ao cortar a produção de petróleo. O contexto dificulta a aposta russa em vencer pela gravidade como em 2014.
Nem social, nem democrata
O Estado de S. Paulo
A ascensão e queda dos tucanos é um retrato em miniatura da tragédia política nacional. O PSDB se putrefaz quando a República mais precisa de uma social-democracia responsável
Parte considerável do eleitorado irá às
urnas constrangida a escolher o mal menor entre o que há de mais retrógrado na
direita e na esquerda. A guerra entre os populismos lulopetista e bolsonarista
estava contratada desde 2018. Nunca como nesses quatro anos e nos próximos
quatro foi tão importante mobilizar uma coalizão centrista, agregando o melhor
à esquerda e à direita em nome da defesa da democracia; da descentralização
política e administrativa; do Estado a serviço do povo e não de privilegiados;
e do crescimento sustentável com distribuição de renda e educação de qualidade.
Com essas premissas, nascia com a Constituição, em 88, um partido, o PSDB,
voltado a concretizar seu ideário, invocando uma luta por “mudanças com energia
redobrada, através da via democrática e não do populismo personalista”. Sua
ascensão e queda é um retrato da tragédia política contemporânea.
O Partido da Social Democracia Brasileira
nasceu de dissidências progressistas do PMDB insatisfeitas com o reacionarismo,
o fisiologismo e a corrupção. Renegando o sectarismo classista de partidos
trabalhistas como o PT ou PDT e a amorfia ideológica das oligarquias do
Centrão, os tucanos abrigaram sob a social-democracia influxos ideológicos como
o liberalismo econômico e a democracia cristã. Assimilando dos trabalhistas a
primazia do trabalho sobre o capital, e dos personalistas católicos a ética e a
participação comunitária, ele conquistou massas de eleitores, de progressistas
a liberais e conservadores.
Em oposição responsável ao governo Collor,
apoiou a modernização econômica, mas se engajou em seu impeachment. No governo
Itamar Franco, engendrou o fim de 20 anos de crise inflacionária. A gestão FHC
promoveu privatizações, programas sociais e marcos de governança pioneiros,
elevando o País na vitrine global.
Mas já nos anos de ouro do partido estavam
entranhados os vermes que hoje o devoram. Quadros inteiros repudiaram o Plano
Real e apoiaram a candidatura de Lula em 1994. Candidatos pós-FHC trataram seu
legado como a vergonha da família. Quem dera sua mácula maior fosse estar
sempre “em cima do muro”. O partido que nasceu para destruir os muros que
separam esquerda e direita, ricos e pobres, frequentemente se pôs do lado
errado. Quando no certo, foi errático: na oposição ao PT, foi complacente com
seus desmandos, e no governo Temer, recalcitrante com suas reformas. Caciques
regionais traíram e foram traídos, preferindo ceder o poder a adversários a
dividi-lo com correligionários.
Na “oposição” ao governo Bolsonaro, a crise
de identidade virou esquizofrenia: seus parlamentares se alinharam a 8 em 10
pautas do governo, inclusive as que violentaram a ordem constitucional, fiscal
e judicial. Muitos se refestelaram com migalhas do mercadão de emendas. O
partido que se prestava a ser espantalho do PT agora se reduziu a fantoche de
Bolsonaro.
As bandeiras se esgarçaram, e os laços com
a população também. Nas eleições de domingo passado, virou nanico. São Paulo é
paradigmático. Após 28 anos de governo do PSDB, esse bastião da
responsabilidade fiscal e social está à mercê do saque bolsolulista. Dos
ex-governadores tucanos – todos digladiaram entre si –, Geraldo Alckmin compõe
a chapa petista, José Serra não se elegeu à Câmara, João Doria abandonou a vida
pública. O atual, o tucano neófito Rodrigo Garcia, não passou para o segundo
turno. Se o PSDB seguir sua rota suicida, o vergonhoso apoio “incondicional” de
Garcia a Bolsonaro, que passou quatro anos a demonizar o governo paulista,
passará à história como um epitáfio infame.
Convém lembrar que o PSDB foi formado por
quadros do MDB que consideravam que o partido havia se tornado uma máquina
eleitoreira amoral e carcomida a serviço de enclaves paroquiais. Foi exatamente
no que se tornou o PSDB – que, entre a derrota e a desonra, escolheu a desonra,
e ainda foi estrepitosamente derrotado. Mas em política não há determinismos. A
Nação precisa de uma social-democracia responsável e se arranjará com ou sem o
PSDB. Cabe ao que restou do partido decidir: ou se regenera bebendo de suas
fontes ou vagará como um morto-vivo, mais um dos vermes políticos que degeneram
a sociedade e a democracia.
Bondades eleitorais na conta do Tesouro
O Estado de S. Paulo
Promessas de Bolsonaro, que transformou Orçamento federal em orçamento de campanha, devem custar R$ 158,6 bilhões e impor muitas dificuldades à gestão das finanças em 2023
Com promessas eleitorais estimadas em R$
158,6 bilhões, o presidente Jair Bolsonaro converteu o Orçamento-Geral da União
em orçamento de campanha, mas sem explicar de onde sairá o dinheiro para
financiar todas essas bondades. Os compromissos incluem, por exemplo, a
manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600, embora o projeto da lei orçamentária
indique o valor de R$ 405. Se a isso for adicionado o 13.º pagamento a mulheres
chefes de família, só o Auxílio imporá ao Tesouro um gasto adicional de R$ 77,2
bilhões. Ao oferecer tantos benefícios em troca de votos, o candidato à
reeleição mostrou-se, mais uma vez, irresponsável na gestão de recursos
oficiais, incapaz de separar seus interesses dos interesses públicos e
totalmente despreparado para as funções de governo.
Se for reeleito, terá novamente que
recorrer a improvisos para compensar os desarranjos orçamentários. Improvisar
soluções, até por meio de injustificáveis propostas de emendas constitucionais,
foi uma das marcas mais visíveis de seu desastroso mandato. Terá de recorrer,
mais uma vez, à cooperação de seu sempre obediente ministro da Economia, Paulo
Guedes, frequentemente omisso diante dos muitos desmandos presidenciais.
Se for derrotado, deixará um legado
sinistro a seu sucessor. Dificultará severamente seu início de mandato e
prejudicará, como sempre, muitos milhões de brasileiros, já afetados pelas más
condições do emprego, pelos altos preços da comida, pelo endividamento e pelo
crédito muito caro. Poderá complicar-se ainda mais quem se deixar atrair por
outra bondade, o empréstimo consignado aos beneficiários do Auxílio Brasil.
Algumas promessas formuladas pelo
presidente seriam mais facilmente justificáveis em outras circunstâncias. A
correção da tabela do Imposto de Renda deve servir, normalmente, para
neutralizar efeitos da inflação e impedir a elevação da carga tributária.
Governantes deveriam efetuar essa correção de forma rotineira, prevendo seus
efeitos, também rotineiramente, na gestão orçamentária. Convertida em bondade
eleitoral, essa providência gera um custo fiscal extraordinário, agora estimado
em R$ 17 bilhões.
A promessa de atualização da tabela,
formulada na campanha de 2018, só foi lembrada, para fins práticos, no fim de
mandato do presidente eleito naquele ano. Não é essa, obviamente, a forma
saudável de administrar as contas oficiais – nem para o Tesouro, nem para os
contribuintes do Imposto de Renda, nem para os demais brasileiros, muito
prejudicados quando o desarranjo fiscal afeta serviços essenciais.
No atual mandato, áreas fundamentais, como
educação, ciência e tecnologia, foram danificadas de forma direta pela
orientação política do presidente Bolsonaro, independentemente das condições
fiscais. No futuro mandato, poderão ser afetadas pelos desajustes orçamentários
agora produzidos.
Se o inquilino do Palácio da Alvorada for o
mesmo de hoje, o mau funcionamento daqueles setores será mera continuação do
quadro atual. Se o inquilino for outro, os desacertos fiscais produzidos neste
ano tornarão bem mais difícil a recuperação daquelas áreas. Isso resultará, em
termos bem prosaicos, em maior atraso na formação de capital humano e,
portanto, em maior dificuldade para o retorno ao caminho do desenvolvimento.
A herança fiscal inclui a prorrogação de
bondades tributárias. Deverá ser mantida a redução de impostos e de
contribuições sobre combustíveis, com custo previsto de R$ 52,9 bilhões.
Tomadas para conter o impacto da alta internacional dos preços dos
combustíveis, agravada pela supervalorização do dólar, essas medidas foram
concebidas para disfarçar a inflação e agradar a uma parte do eleitorado. Pouco
beneficiaram, no entanto, a população mais pobre, mais pressionada pelo custo
dos alimentos. Aumentada e mais exposta à fome, essa população empobrecida será
um dos legados para o novo período presidencial. Se o presidente eleito quiser
socorrê-la, terá de enfrentar um orçamento desarrumado. Com muito esforço e
alguma sorte, o ano de 2024 poderá ser mais promissor.
Endividamento pode travar recuperação
O Estado de S. Paulo
Sem cuidar dos endividados e dos inadimplentes, governo terá dificuldade para impulsionar consumo e crescimento
Maior consumo será essencial para a
retomada econômica prosseguir e ganhar impulso, mas a maior parte das famílias
está endividada e com dificuldade para pagar as contas. Candidatos à
Presidência deveriam estar muito atentos a esse problema. Promessas de
crescimento em 2023 serão frustradas, se os consumidores continuarem sufocados,
especialmente num quadro de juros muito altos e crédito escasso. Em agosto, 79
em 100 famílias tinham dívidas a vencer. Além disso, 29,6% estavam com débitos
em atraso e 10,8% se declaravam sem condições de pagar. Esses
números, levantados em pesquisa mensal, foram divulgados em setembro pela
Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
Os endividados eram 72,9% em agosto de 2021
e 25,6% tinham contas em atraso. As condições do mercado de trabalho, com
informalidade muito alta, subutilização da mão de obra, desemprego elevado e em
redução muito lenta são uma parte importante da explicação. A inflação e os
juros muito altos também ajudam a entender as dificuldades.
O desarranjo dos preços continua
comprometendo o poder de compra dos consumidores, mesmo com a transferência de
renda para os mais pobres e alguma melhora do mercado de trabalho, segundo a
análise publicada pela CNC. A inadimplência pouco variou entre abril e junho,
quando as famílias foram beneficiadas com recursos extras do FGTS e antecipação
do 13.º pagamento do INSS. Mas os números voltaram a crescer a partir de julho.
A evolução das vendas e a avaliação do
quadro pelos empresários combinam com os problemas vividos pelas famílias. Em
julho, as vendas no varejo total foram 0,7% menores que em junho e 6,8% inferiores
às de um ano antes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). O volume vendido em 12 meses foi 1,9% menor que o do período
imediatamente anterior. Em julho, 9 das 10 atividades do varejo ampliado
tiveram variação negativa em relação ao mês anterior. Em 12 meses, a redução
das vendas acumuladas ocorreu em 5 dos grandes conjuntos.
Com a redução do desemprego, a
transferência de recursos às famílias e o aumento da mobilidade dos
consumidores, o Índice de Confiança dos Empresários do Comércio chegou a subir
5,2% em um ano, até setembro, de acordo com a CNC. Nos últimos dois meses, no
entanto, a percepção mudou e em setembro o índice recuou 2,6%. A avaliação das
condições atuais piorou 7,1% e o nível das expectativas baixou 0,2%. Essa
mudança afetou os planos de contratação de pessoal (-3,5%) e de investimentos
na empresa (-4,1%). O último levantamento mostrou o indicador de confiança do
comerciante 2,7 pontos abaixo do nível anterior à pandemia.
Como o desempenho da indústria também tem sido fraco, os desafios econômicos para o atual e para o próximo governo permanecem muito graves. Em julho a produção industrial superou por 0,6% a do mês anterior, mas ficou 0,8% abaixo do patamar de fevereiro de 2020, último mês anterior à primeira onda de covid-19. A recuperação da pandemia é uma tarefa incompleta.
Um comentário:
Sim, a rejeição é muito maior a Jair Bolsonaro que a Lula! Lula venceu, o GENOCIDA perdeu! Simples assim... A diferença são MAIS DE 6 MILHÕES DE VOTOS! Não há mentira bolsonarista que mude esta VERDADE!
Postar um comentário