Carolina Nalin / O Globo
O presidente eleito Luiz
Inácio Lula da Silva elegeu como prioridade em sua campanha reduzir a
fome no país. Mas, para além do desafio urgente de recompor o Orçamento a fim
de garantir um Bolsa
Família de R$ 600, o novo governo terá de lidar com uma alta inédita nos
preços de alimentos.
Desde 2018, o custo da comida vem subindo
bem acima da inflação,
refletindo uma alta nos preços internacionais, mas também mudanças em políticas
públicas, como a redução dos estoques reguladores. E não há sinais de trégua no
horizonte. A combinação de efeitos climáticos adversos, guerra
na Ucrânia e dólar valorizado deve manter os alimentos sob pressão em
2023.
— A pandemia perturbou os preços relativos dos alimentos. Além disso, tivemos uma série de problemas climáticos, que afetaram a produção, e conflitos geopolíticos. Outra questão é a taxa de câmbio, que está muito desvalorizada no Brasil, o que afeta preço de trigo, milho e preço de insumos — explica o economista Heron do Carmo, professor sênior da FEA/USP.
Entre 2018 e 2021, os preços de alimentos
subiram em média 44%, quase o dobro da inflação, de 24%. O custo da cesta
básica, por sua vez, saltou de R$ 443,81 em janeiro de 2018, no Rio, para R$
736,28 em outubro de 2022, aumento de 66%. Na capital paulista, a alta foi de
73%: de R$ 439,20 para R$ 762,2, segundo dados do Departamento Intersindical de
Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Já a renda do trabalhador
encolheu 7,61% no período — ainda que, após um movimento de recuperação, a
queda acumulada de 2018 até o terceiro trimestre deste ano seja de 1,76%, para
R$ 2.737, segundo o IBGE.
Essa tendência deve se repetir este ano.
Nas contas de Luiz Roberto Cunha, economista e professor da PUC-Rio, a
alimentação no domicílio deverá encerrar 2022 com alta em torno de 13% e 14%,
mais que o dobro do esperado para a inflação geral, que deve ficar perto de 6%:
— O patamar de preços está elevado. E, mesmo que agora tenhamos uma variação mais baixa, os preços estão altos para a renda média do brasileiro, que não cresceu nesse período. É grave.
Segundo o último levantamento da Rede
Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Penssan), mais de
metade da população brasileira (58,7%) está sob algum grau de insegurança
alimentar. E 33 milhões sofrem com insegurança alimentar severa — ou seja,
fome.
Retomada dos estoques
Especialistas lembram que, no ano que vem,
continuarão a pesar sobre os preços de alimentos a guerra na Ucrânia e o
fenômeno climático La Niña.
Por isso, alertam, os caminhos para aliviar
a alta dos alimentos passam por políticas públicas específicas para o setor.
Carmo, da FEA/USP, defende, entre outras medidas, a diversificação das regiões
produtoras de alimentos no país e a retomada dos estoques públicos, a partir da
Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM).
Carmo lembra que a área cultivada de feijão
tem perdido espaço para os grãos. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento
(Conab), 2022 deve fechar com a menor área plantada de feijão desde 1976, e a
área da primeira safra de 2023 aponta nova redução de 1,9%. Isso afetará a
oferta de um dos itens mais consumidos pelo brasileiro.
Os estoques reguladores de alimentos, que
ajudam a ampliar a oferta e conter a volatilidade nos preços, vêm caindo desde
2015. De acordo com dados da Conab, desde 2016 não há estoque de feijão. Em
outubro deste ano, estavam zerados os estoques de açúcar, café, farinha de
mandioca e trigo. No caso do arroz, há apenas 1,7 mil tonelada.
— Quando possível, tem que ser feito
estoque regulador — afirma Carmo.
Paulo Nierdele, professor da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista em sistemas alimentares e
desenvolvimento rural, considera necessária a recomposição do orçamento do
Alimenta Brasil (antigo Programa de Aquisição de Alimentos, o PAA). A verba
chegou a R$ 1 bilhão em 2012, mas, para o ano que vem, só estão reservados R$
2,6 milhões. Além disso, ele defende a revisão da desoneração sobre a
exportação da soja, que reduz a arrecadação dos estados e diminui a margem para
desonerar outros setores.
Orgânicos e atenção fiscal
Nierdele cita ainda como importante para
ampliar a produção de itens básicos o redirecionamento da oferta de crédito
subsidiado de commodities para alimentos orgânicos, por meio do Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf):
— A maior parte dos recursos do Pronaf está
concentrada na produção de soja, milho e trigo na Região Sul. Do ponto de vista
fiscal, há meios de garantir, por exemplo, que haja crédito a juro zero para a
produção orgânica no âmbito do Pronaf, desde que se pare de dar benefícios tão
amplos para outros tipos de produto.
Os pequenos e médios produtores agrícolas
são responsáveis por 70% dos alimentos na mesa dos brasileiros, segundo o IBGE.
Já Felippe Serigati, professor e
coordenador do mestrado profissional em Agronegócios da FGV, afirma que a
melhor alternativa para aliviar o peso dos alimentos para as famílias mais
pobres é a distribuição de renda:
— Uma redução da carga tributária pode até
reduzir preços de alimentos, mas não resolveria muita coisa, porque reduz sem
distinção. Tem de haver sustentação de renda para os mais vulneráveis
Serigati, porém, alerta que é preciso ser
responsável com o gasto social, pois um descontrole fiscal vai pressionar o
câmbio, com efeito direto nos preços de alimentos:
— Você joga dinheiro de um lado, só que os
preços sobem do outro, e o poder de compra fica inalterado.
Luiza Benamor, analista da Tendências Consultoria, diz que o descontrole fiscal pode levar a inflação dos alimentos a superar as projeções em 2023, atualmente em 5%.
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