Jan Niklas / O Globo
Com a implementação das federações e as
três fusões anunciadas por partidos desde o resultado da eleição, a Câmara dos
Deputados deve iniciar a próxima legislatura com 16 bancadas — a menor
fragmentação partidária desde 1999, início do segundo governo de Fernando
Henrique Cardoso.
O aumento da concentração é reflexo direto
nas mudanças na lei, que instituíram cláusulas de desempenho (a partir de 2018)
e acabaram com a possibilidade de coligações nas disputas proporcionais,
novidade deste ano.
A consequência direta é a tendência de as
negociações entre Executivo e Legislativo fluírem mais rapidamente, cenário que
pode amenizar as adversidades para o presidente eleito Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) diante de um Congresso que saiu das urnas com o bolsonarismo
fortalecido.
Na semana passada, o Podemos anunciou que vai incorporar o PSC, agremiação que não ultrapassou a cláusula de barreira. Na sequência do primeiro turno, em 2 de outubro, também já haviam anunciado fusões Solidariedade e o Pros, além do PTB com o Patriota — nenhuma dessas legendas cumpriu os requisitos estabelecidos pela legislação.
Diante dessas junções e das federações
partidárias — mecanismo em que os partidos não se fundem, mas precisam atuar
como única bancada durante a legislatura —, o mandato de 2023 deve começar com
16 grupos partidários. Esse é menor número desde 1999, quando a Câmara dos
Deputados era composta por 18 siglas, segundo dados disponibilizados pelo
Congresso.
Nas últimas décadas, a fragmentação
partidária vinha crescendo a cada eleição. Ela chegou ao pico em 2019, início
da atual legislatura: 30 partidos saíram das urnas no ano anterior com
representantes eleitos para a Câmara.
Foi também na eleição de 2018 que entrou em
vigor a cláusula de barreira, que passou a exigir um desempenho mínimo de
votação para os partidos terem acesso a mecanismos como o fundo partidário e a
propaganda eleitoral gratuita. A estrutura disponibilizada no Congresso, como
postos de liderança, também fica reduzida. Legendas que não atingiram essas
condições passaram a negociar fusões e criações de novas agremiações.
As bancadas partidárias sofreram então uma
redução significativa e gradual. O número de partidos com representação na
Câmara caiu dos 30 do pleito anterior para 23 agora — com as federações e as
fusões já anunciados, o número de bancadas irá a 16. Em 2022, os partidos
tiveram que alcançar 2% dos votos para deputado federal (em pelo menos 1/3 das
unidades federativas) ou eleger 11 deputados federais, distribuídos em ao menos
nove estados.
— O Executivo não vai precisar conversar
com milhares de partidos com demandas completamente diferentes. Quando eles se
fundem, acabam decidindo por agendas próprias, o que é mais difícil se esses
legisladores estão pulverizados — analisa a cientista política Carolina
Botelho, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo
(IEA/USP).
A configuração pode amenizar os esforços
dos articuladores políticos de Lula, que terão pela frente o PL, partido do
presidente Jair Bolsonaro, com o maior número de deputados (99), além da
possibilidade de ocupar a presidência da Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ), a mais importante da Câmara. O governo eleito já enfrenta dificuldades
agora na PEC da Transição, considerada essencial pelo PT para gerir o Orçamento
a partir do ano que vem.
Nesta eleição, seis partidos não atingiram
os critérios da cláusula de barreira. Cinco deles (Patriota, Pros, PSC, PTB e
Solidariedade) viram na fusão a alternativa de sobrevivência. Em dois casos, no
entanto, — Pros e Solidariedade; PTB e Patriota —, a união ainda não é
suficiente para cumprir os critérios, e novos arranjos serão necessários. O PSC
se uniu ao Podemos e resolveu a questão, enquanto o Novo, também atingido pelo
mecanismo, segue sozinho.
Novo segue sozinho
A única exceção foi o Novo, partido do
governador mineiro Romeu Zema, que chegou a dar uma declaração de que a sigla
tinha articulações para se unir a outras agremiações. No entanto, o plano foi
negado pela presidência da legenda.
Outros partidos que poderiam esbarrar ou já
haviam se deparado com a cláusula em 2018 formaram federações antes da eleição
e escaparam de ter os acessos a verbas e propaganda na TV prejudicados. Assim,
PV e PCdoB se uniram ao PT, na federação que terá a segunda maior bancada da
Câmara, com 81deputados. A Rede, por sua vez, se aliou ao PSOL, enquanto o
Cidadania buscou abrigo no PSDB.
Carolina Botelho acrescenta ainda que a
reforma política ocorreu em resposta às críticas sobre a falta de
representatividade e identidade ideológica de grande parte das agremiações.
Neste contexto, a imposição da cláusula de barreira seria um dos mecanismos
para conter a proliferação de siglas nanicas. Ela pondera, no entanto, que
ainda há um caminho longo a ser seguido:
— É um mecanismo para forçar os partidos a não se fragmentarem. Mas essas mudanças institucionais não criam automaticamente mudanças na agenda e na negociação dos partidos. É mais um dos processos pelos quais a gente pode garantir o fortalecimento dos partidos e, lá na frente, conquistar determinada representatividade.
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