Apesar do silêncio, Bolsonaro corre para
nomear aliados
Valor Econômico
É preciso acompanhar com atenção as
indicações que Bolsonaro fará até deixar de vez o Palácio do Planalto
O silêncio de Jair Bolsonaro (PL) desde a
derrota para o presidente eleito da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT),
tem gerado expectativas entre aliados e chamado a atenção da equipe de
transição. Em mais uma eloquente entrevista, o vice-presidente Hamilton Mourão,
por exemplo, argumentou que Bolsonaro saíra do pleito concluído no último fim
de semana de outubro com um capital político de 58 milhões de votos e,
portanto, estava mais do que apto a liderar a direita.
Para que isso ocorra, todavia, Mourão fez uma ponderação: o chefe do Poder Executivo teria que sair da reclusão autoimposta no Palácio da Alvorada e trabalhar politicamente. “O presidente Bolsonaro, quando emergir do retiro espiritual dele, vai compreender que ganhou esse capital. Acho que ele tem que se posicionar no espectro político, trabalhar politicamente. Vai ser a primeira vez desde 1989 que ele não tem mandato. São 33 anos, é uma vida. É ele entender que agora ele terá uma posição dentro do PL, de presidente de honra. Ou seja, aqui em Brasília, articulando, tem todo o capital para voltar muito bem em 2026. Desde que ele saiba explorar bem isso aí”, declarou ao Valor Mourão, senador eleito pelo Rio Grande do Sul.
Diversos dias se passaram até que
Bolsonaro, enfim, retomou as agendas públicas no sábado. Ele deslocou-se da
capital federal até Resende, no Rio de Janeiro, onde participou da
"Cerimônia do Aspirantado 2022" na Academia das Agulhas Negras (Aman).
Mas não discursou. Isso não quer dizer, contudo, que não esteja atuando, nos
bastidores, para ter aliados em cadeiras de destaque durante o período em que
irá ficar na oposição.
Em alguns casos, inclusive, as nomeações
poderão ajudá-lo a se proteger de futuros problemas judiciais. Dois exemplos:
as nomeações do ministro da Secretaria de Governo, Célio Faria Junior, e do
chefe de sua assessoria especial, João Henrique Nascimento de Freitas, para a
Comissão de Ética Pública. É este o colegiado que trata de conflitos de
interesse no primeiro escalão do governo, o qual tem ainda outros cinco
nomeados por Bolsonaro. Todos eles com mandatos de três anos, cujas indicações
não são submetidas à apreciação do Congresso e só podem ser alteradas por
renúncia.
Existem, contudo, outros pontos de atenção.
Na semana passada, o plenário do Senado aprovou as indicações de 25
autoridades: 13 embaixadores, 7 diretores de agências reguladoras e 5 indicados
para conselhos ou tribunais superiores. Entre estes, dois nomes para o Superior
Tribunal de Justiça (STJ) e um para o Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Quanto aos órgãos reguladores, foram
preenchidas vagas para a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT),
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e Agência Nacional de Transportes
Aquaviários (Antaq) - órgãos de Estado que terão grande poder de influenciar a
implementação das políticas públicas setoriais do próximo governo.
A chancelaria não ficou de fora. Em seu
mais recente esforço concentrado, o Senado aprovou as indicações para as
embaixadas da África do Sul, Costa Rica, Guatemala, Guiné Equatorial, Jordânia,
Líbano, Mauritânia, Sudão, Tanzânia, Tunísia e Vietnã. Postos importantes para
a execução da política externa brasileira em relação à África, ao Oriente Médio
e outros pontos estratégicos do planeta.
Em alguns casos, aliados de Lula no
Congresso até tentaram adiar o avanço das sabatinas e apreciações de nomes
indicados por Bolsonaro. Mas, ao concentrar os esforços nas articulações para a
aprovação da proposta de emenda constitucional que abre espaço no Orçamento do
ano que vem para o novo Bolsa Família e demais despesas, o gabinete de
transição não teve força política suficiente para barrar as nomeações. O máximo
que conseguiu foi acertar com a cúpula do Senado que apenas postos de menor
relevância diplomática fossem ocupados, à medida em que será aguardado o início
do governo Lula para o preenchimento das embaixadas de Buenos Aires, Paris,
Roma e Vaticano, entre outras.
Bolsonaro pode manter-se longe dos holofotes até o dia 31 de dezembro. É possível, inclusive, que saia oficialmente de férias para não precisar participar da cerimônia de posse de Lula. Mas será preciso acompanhar com atenção as indicações que fará até deixar de vez o Palácio do Planalto.
O Globo
Novo governo terá de investigar e punir os
criminosos responsáveis pela devastação da Amazônia
A COP27 ainda transcorria em Sharm
El-Sheikh, no Egito, quando o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia
(Imazon) divulgou que, de janeiro a outubro, o desmatamento na região chegou
perto de 10 mil quilômetros quadrados, seis vezes a área da cidade São Paulo.
Tratava-se de mais uma evidência de que a máquina de destruição da floresta,
acionada no atual governo com a liberação da Amazônia para madeireiros e
garimpeiros ilegais, acelerava a devastação diante da possibilidade de derrota
de Jair Bolsonaro nas eleições. A corrida das motosserras alcançou o segundo
pior resultado na destruição da Amazônia dos últimos 15 anos.
As informações são um prenúncio de que o sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), deverá trazer dados alarmantes sobre o período de agosto de 2021 a julho último. No ano passado, o Prodes registrou o pior desmatamento em 15 anos: 13,3 mil quilômetros quadrados.
Em seu levantamento, o Imazon identificou
627 quilômetros quadrados de destruição em outubro, queda de 22% ante o ano
anterior. A boa notícia é ilusória. No Pará, onde houve a maior concentração na
derrubada da floresta (56%), foram atingidas sete das dez áreas de conservação.
Também no Pará estão dez das reservas indígenas mais destruídas.
Uma reportagem do Fantástico deu a dimensão
da indústria da devastação que hoje opera na Amazônia. Acompanhando operações
da Polícia Federal e do Ibama em sete terras indígenas durante nove meses, com
a ajuda de tecnologia de rastreamento por satélite, celulares e câmeras
acionadas por movimento, os repórteres seguiram carregamentos de madeira ilegal
por mais de 3 mil quilômetros até chegar às serralherias. Tudo estava encoberto
por documentação fria.
O delegado da PF acompanhado pela
reportagem, Roberto Moreira da Silva Filho, bastante ativo na repressão ao
desmatamento, foi morto com um tiro na cabeça quando policiais atiraram num
caminhão de madeireiros que avançou sobre um bloqueio montado por eles e por
agentes do Ibama. O tiro partiu de um policial, e as investigações concluíram
que foi acidente. Apesar disso, um dos fiscais do Ibama disse que o destino do
delegado era uma prova de como o crime organizado tomou conta da Amazônia.
A equipe de transição já anunciou um
“revogaço” das diretrizes ambientais da gestão Bolsonaro no início do novo
governo. Um trabalho exaustivo do projeto Política por Inteiro vasculhou 140
mil atos relacionados ao meio ambiente do atual governo e identificou 2.189
medidas infralegais que configuram a proverbial “boiada” anunciada pelo
ex-ministro Ricardo Salles na reunião ministerial de 22 de abril de 2020. O
estudo recomenda a revisão de 855 desses atos: 107 revogados de imediato, 276
submetidos a ajustes, e os demais, embora expirem no fim do ano, precisam ser
analisados para compreensão da destruição da política ambiental.
A aceleração da devastação e o avanço do
crime organizado mostram que o novo governo precisará de bem mais que apenas
revogar leis, normas e portarias para voltar a proteger a região. Forças de
segurança terão de enfrentar as organizações criminosas. Grileiros, garimpeiros
e madeireiros ilegais precisarão ser investigados, denunciados, julgados e
punidos. Levará tempo.
Relatório do TCU serve de ponto de partida
para melhorar gestão pública
O Globo
Documento entregue ao vice eleito Geraldo
Alckmin faz sugestões com base na situação crítica do Estado
Não será por falta de informações que o
novo governo deixará de se preparar para assumir em 1° de janeiro. Diante das
dificuldades encontradas para obter dados do Executivo, o Tribunal de Contas da
União (TCU), a pedido do vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, produziu um
alentado diagnóstico para a nova gestão entender o que encontrará pela frente,
sugerindo medidas a partir da realidade da máquina pública.
A estrutura de fiscalização e punição de
crimes ambientais (Ibama e ICMBio) foi destroçada e precisará ser reerguida com
rapidez. Na área da Saúde, o diagnóstico do TCU traça um quadro dantesco do
desmonte do Programa Nacional de Imunizações (PNI). Outros problemas, pouco
visíveis para a sociedade, precisarão ser identificados e resolvidos logo para
não se transformarem em crise mais adiante.
A Companhia de Desenvolvimento do Vale do
São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) expandiu sua área de atuação para
atender a interesses políticos. Incluiu Parnaíba no nome para abranger todo o
Nordeste. Hoje vai de Minas ao Amapá, passando por Goiás. Essa gigantesca
estatal, transformada num veículo de distribuição das verbas do orçamento
secreto pelo Centrão, é destaque nas análises entregues pelo TCU à equipe de
transição.
Há quatro anos, 24% das emendas
parlamentares destinaram-se à Codevasf. No ano passado, quase 62%. Os auditores
do TCU constataram que a empresa não faz uma análise eficiente do interesse
social dos projetos, nem da regularidade jurídica e fiscal dos beneficiados pelas
emendas parlamentares. Deduz-se que isso se deve ao interesse político em torno
dos repasses. O TCU avaliou que a estatal também não tem capacidade de
acompanhar ou controlar com eficiência o uso dos recursos repassados. Não é por
acaso que existem tantas denúncias de superfaturamento em concorrências abertas
pela Codevasf.
Também no pagamento do funcionalismo e de
benefícios sociais há desvios. Um exemplo foi a inclusão de militares e outros
servidores públicos entre os beneficiários do Auxílio Emergencial destinado às
famílias carentes durante a pandemia. Casos semelhantes foram encontrados na
distribuição do Auxílio Brasil. O diagnóstico do TCU pode ajudar o novo governo
a identificar falhas no controle e monitoramento desses gastos bilionários do
Estado.
Na entrega das informações a Alckmin, o
presidente em exercício do TCU, ministro Bruno Dantas, fez ainda menção aos
mais de R$ 450 bilhões que o Estado deixa de arrecadar por ano na concessão de
incentivos fiscais. Tal volume de recursos deveria ser avaliado sob a ótica da
eficácia. Será preciso revisar os benefícios fiscais e apresentar um plano para
cancelar o que não faz sentido.
Um Estado com a carga tributária mais alta no bloco dos emergentes precisa zelar pela eficiência em seus gastos, de modo a liberar recursos para políticas sociais sem ameaçar a responsabilidade fiscal e a estabilidade econômica.
Contando famílias
Folha de S. Paulo
Apuração de distorções no Auxílio Brasil é
outro motivo para prudência com gasto
Passou quase despercebida —e não está
devidamente contemplada nas discussões sobre os gastos do próximo governo— a
abertura recente de um procedimento para apurar distorções no Auxílio Brasil.
Em 4 de novembro, cinco dias depois do
segundo turno da eleição presidencial, o Ministério da Cidadania iniciou um
processo de averiguação de famílias compostas por apenas uma pessoa que
ingressaram no Cadastro Único, que reúne beneficiários em potencial de
programas sociais, entre novembro de 2021 e outubro de 2022.
No período em questão, segundo a pasta, o
número de famílias unipessoais cadastradas mostra um aumento repentino de 8,9
milhões para 13,9 milhões. Nenhuma transformação demográfica da sociedade
brasileira explica tal salto.
Não por acaso, elevou-se também a
quantidade de famílias unipessoais atendidas pelo Auxílio Brasil, de 2,2
milhões para 5,3 milhões em menos de um ano.
Note-se que, com o benefício fixado em R$
600 mensais, um acréscimo de três milhões de atendidos pelo programa de
transferência de renda significa um gasto adicional acima de R$ 20 bilhões ao
ano.
Ao instaurar o procedimento de apuração do
cadastro, a pasta da Cidadania provavelmente confirmará o que diversos especialistas
têm apontado —que erros no
desenho do Auxílio Brasil, em particular o pagamento de um mesmo
valor sem considerar o número de filhos, têm levado famílias a se
reconfigurarem artificialmente.
Vale dizer: uma família em que há três
adultos, por exemplo, pode se inscrever como três famílias unipessoais e
triplicar o valor recebido do programa.
O impacto da averiguação já é tema de
preocupação na equipe de transição do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), como noticiou o jornal O Estado de S. Paulo. O processo de checagem
das famílias e de eventuais bloqueios e cancelamentos do auxílio deve avançar
ao longo do próximo ano.
Será fundamental que o novo governo também
considere mudanças no programa que não se limitem ao previsível
restabelecimento da marca Bolsa Família.
Quaisquer que sejam o número de
irregularidades descobertas e os valores poupados, urge adotar regras que levem
em conta o número de filhos e o grau de carência de cada domicílio para o
cálculo dos benefícios. Do contrário, uma iniciativa fundamental para o combate
à pobreza e à desigualdade social perderá eficiência.
Trata-se também de mais um argumento contra
a licença para expansão de gastos por tempo indeterminado desejada por Lula. É
preciso, antes de tudo, um levantamento criterioso da clientela a ser atendida
e do dinheiro necessário.
Idas e vindas culturais
Folha de S. Paulo
Lula indica intento de recriar pasta e
rever Rouanet, mas Orçamento impõe limite
Ao assumir a Presidência, Jair Bolsonaro
(PL) extinguiu o Ministério da Cultura e anunciou reformas na Lei Rouanet. O
discurso reverberado por sua claque, ao mesmo tempo agressivo e ingênuo, era o
de que "a mamata acabou".
Pela Rouanet, projetos selecionados podem
buscar patrocínio em empresas privadas que terão direito a abatimento de
impostos. A ideia é defensável, mas a execução sempre deu margem a críticas,
muitas delas fundamentadas.
Entre elas se destaca a captação para
produtos e artistas consagrados que poderiam se financiar no mercado —como R$
1,3 milhão para um blog de poesias da cantora Maria Bethânia, em 2011, ou R$
28,6 milhões para o musical "O Fantasma da Ópera", em 2018.
A reforma feita pelo atual governo trouxe
mudanças interessantes, como a tentativa de reduzir a concentração de
iniciativas na região Sudeste. O limite de captação por proponente caiu de R$
60 milhões para R$ 10 milhões, podendo aumentar em 50% para projetos no Sul e
dobrar no Norte e Nordeste.
O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da
Silva (PT), anunciou que o Ministério da Cultura voltará —o que parece ter mais
importância simbólica do que administrativa— e o grupo da área na sua equipe de
transição pretende
reexaminar as mudanças na Lei Rouanet.
Políticas públicas podem e devem ser
revistas e aperfeiçoadas, por óbvio. No caso em tela, deve-se tomar o cuidado
de não fazê-lo em um impulso revanchista contra os ataques do bolsonarismo.
Desde o colapso orçamentário do governo
Dilma Rousseff (PT), a administração federal tem mirado uma redução do excesso
de programas baseados em subsídios tributários, que ainda somam mais de R$ 300
bilhões anuais.
A área cultural decerto responde por uma
parcela modesta desse montante, cerca de R$ 4 bilhões estimados para 2023.
Mesmo assim, qualquer ampliação deve levar em conta benefícios e custos em um
Orçamento já depauperado.
É papel do poder público incentivar e
proteger a produção cultural, em especial nos casos de orquestras, museus,
patrimônio histórico, folclore. Mas boa parte dessa produção se insere numa
indústria cultural e, logo, está atrelada a princípios econômicos básicos.
Deveria ser do interesse da classe artística obter autonomia, sem depender primordialmente do Estado. Para tanto, o mesmo Estado não pode sufocar a economia.
O novo governo e o valor da Federação
O Estado de S. Paulo
Depois de quatro anos de desarranjo
nacional, surge uma oportunidade de retomar a ideia de Federação e a cooperação
entre o poder central e os governos estaduais e municipais
Revalorizar a Federação e retomar a
cooperação entre o governo central e os governos estaduais devem ser algumas
das primeiras iniciativas do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Isso
será essencial tanto para grandes ações inovadoras, como a reforma tributária,
quanto para a boa condução, no dia a dia, das ações administrativas. A primeira
reunião com os governadores eleitos, prevista para 7 de dezembro, está sendo
preparada com ajuda do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha,
coordenador do Fórum Nacional de Governadores.
A cooperação entre Brasília e os poderes
subnacionais foi praticamente nula nos últimos quatro anos e renegada quando se
tratou de combater a pandemia. Muito mais do que a um estilo de governo, esse abandono
do vínculo entre os níveis administrativos é atribuível à miséria da ação
governamental do presidente Jair Bolsonaro.
Em todo o mandato, suas ações foram
marcadas principalmente por objetivos pessoais e familiares, por voluntarismo e
por improvisação. Se pelo menos o ministro da Economia tivesse recorrido a
algum planejamento, a história poderia ter sido um pouco diferente. Mas a
gestão econômica foi muito bem alinhada ao – por assim dizer – estilo
bolsonariano, sem planos, sem projetos claros e sem visão de longo prazo.
A relação entre poder central e poderes
subnacionais foi brutalmente afetada por interesses eleitorais – particulares,
portanto – do presidente Bolsonaro, quando ele conseguiu do Congresso uma
redução do tributo estadual sobre combustíveis, eletricidade, telecomunicações
e transporte. Possibilitado por uma violência contra o princípio federativo,
esse lance demagógico produziu benefícios de caráter eleitoreiro e até freou,
temporariamente, os indicadores de inflação. Mas foi insuficiente, enfim, para
o objetivo principal do presidente, a reeleição.
Sobraram, naturalmente, enormes perdas de
arrecadação para Estados e municípios, com inevitáveis prejuízos para serviços
prestados a dezenas de milhões de brasileiros. Este será, muito provavelmente,
um dos temas de conversas entre o futuro presidente da República e os
governadores eleitos. Não há como prever com detalhes os possíveis
desdobramentos dessa discussão. Mas a colaboração com os governadores, um
objetivo muito valorizado pelo presidente eleito, poderá produzir resultados de
grande alcance em vários campos.
Um dos mais importantes será a reforma
tributária. O atual ministro da Economia nunca foi além, nas suas propostas, de
mudanças limitadas na área dos tributos federais e, nos momentos de maior
ousadia, de uma ressurreição do malfadado imposto do cheque, a Contribuição
Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), uma das maiores aberrações da
história tributária do Brasil. Nenhuma iniciativa séria, nesse assunto, pode
passar longe de uma ampla revisão dos tributos indiretos, a começar pelo
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), principal fonte de
receita própria dos Estados.
Importantíssimo como gerador de recursos, o
ICMS representou um avanço quando foi implantado, em 1967, mas também se
tornou, ao longo de mais de meio século, uma fonte de distorções econômicas e
de desigualdade. Qualquer projeto sério e abrangente de reforma deve incluir,
entre seus objetivos, maior funcionalidade do imposto, maior compatibilidade
com a integração global da economia e mais justiça distributiva. Não há como
cuidar dessas questões sem tratar do maior tributo estadual. Pelo menos dois
projetos já apresentados no Congresso enfrentam tecnicamente essas questões. O
presidente eleito terá, portanto, um bom ponto de partida para discutir com os
governadores a modernização tributária, podendo dispor, já se sabe, de
respeitável assessoria técnica.
Em muitas outras áreas o futuro presidente
poderá revalorizar a ideia de Federação e a colaboração com os governos
subnacionais. Infraestrutura, educação, saúde pública, formação de capital
humano e saneamento são campos óbvios de cooperação. E tudo recomeça, é claro,
com a redescoberta da própria ideia de governo.
Ofensiva política contra o Judiciário
O Estado de S. Paulo
Parlamentares precisam ler a Constituição:
pedidos de CPI contra Judiciário e de impeachment contra ministros do STF em
razão de decisões judiciais violam a separação dos Poderes
Um sintoma da atual crise brasileira é a
irresponsabilidade. Gente com cargo público, que se comprometeu a respeitar a
Constituição, tem atuado como se o único critério a pautar sua atuação fosse
agradar a seu eleitorado. Para essa turma, não há separação de Poderes, não há
limite constitucional. Para insuflar os apoiadores, vale até achacar o Judiciário.
Na semana passada, o deputado federal
Marcel van Hattem (Novo-RS) protocolou o pedido de abertura de uma Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar suposto abuso de autoridade do
Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O
documento fala em “violações de direitos e garantias individuais contra
cidadãos brasileiros, políticos e também contra pessoas jurídicas, perpetradas
por ministros das cortes superiores”. Segundo informou Marcel van Hattem, mais
de 180 deputados apoiaram o pedido para investigar.
Além disso, cinco senadores – Eduardo Girão
(Podemos-CE), Lasier Martins (Podemos-RS), Luís Carlos Heinze (PP-RS), Plínio
Valério (PSDB-AM) e Styvenson Valentim (Podemos-RN) – apresentaram no Senado um
pedido de impeachment contra o ministro do STF Luís Roberto Barroso. Segundo
Plínio Valério, o pedido “é um recado para essa gente”, para “esse pessoal que
está indo às ruas há vários dias, dando exemplo do que é ser patriota. (...)
Vocês não podem esmorecer. Não desistam também do Senado”. Ou seja, o senador
reconhece abertamente que o motivo real da denúncia de crime de
responsabilidade contra um ministro do STF – um ato jurídico seriíssimo – foi
agradar a manifestantes golpistas.
O Poder Judiciário produz diariamente muitas
decisões equivocadas. O STF e o TSE não são exceções: diversos julgamentos
merecem crítica e reforma, por variadas razões. Há decisões com análise
superficial dos fatos. Há decisões que fazem interpretações amplas demais do
Direito. Há decisões que extrapolam a competência do órgão julgador. Há
decisões que demoram demais para serem tomadas. Há decisões liminares
monocráticas que deveriam há muito tempo ter sido julgadas pelo colegiado. Sim,
a Justiça tem muitos problemas; alguns deles bastante graves.
No entanto, o caminho para corrigir
equívocos judiciais é dado pela lei processual, que prevê a possibilidade de
diversos recursos. Não é fazendo pressão política sobre membros do Judiciário
nem muito menos criminalizando a atividade jurisdicional. A tal da CPI do Abuso
de Autoridade e o pedido de impeachment contra o ministro Luís Roberto Barroso
são tentativas de violar a separação e a independência dos Poderes. Vale
lembrar que já existe precedente do tratamento a ser dado a esse tipo de
manobra. Em agosto do ano passado, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco,
rejeitou, por absoluta inépcia, um pedido de impeachment contra o ministro
Alexandre de Moraes que havia sido apresentado pelo presidente Jair Bolsonaro.
A Constituição garante as liberdades de expressão
e de opinião. No regime democrático, especialmente importante é o direito à
crítica ao exercício do poder, que inclui, por óbvio, as decisões judiciais.
Todos os cidadãos, também os parlamentares, têm direito a criticar julgamentos
do STF e do TSE. Mas criticar não significa desobedecer a decisões judiciais
nem estimular sua desobediência. Na República, decisão judicial se cumpre. Isso
significa que uma coisa é criticar uma decisão; outra muito diferente é
desautorizar essa decisão, desqualificando o órgão julgador, simplesmente
porque se discorda de sua aplicação do Direito.
A Lei do Abuso de Autoridade (Lei
13.869/2019) dispõe, em seu primeiro artigo, que “a divergência na
interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de
autoridade”. Com a tentativa de instaurar CPI contra o Judiciário em função de
decisões judiciais e processo de impeachment pelo mesmo motivo, os
parlamentares estão descumprindo a própria lei que o Congresso aprovou.
No Estado Democrático de Direito, não cabe
achaque ao Judiciário. Afinal, não existe democracia sem Justiça independente.
Dilema brasileiro
O Estado de S. Paulo
Apertada, a maioria dos brasileiros precisa escolher entre pagar a conta de luz e comprar bens de consumo
Pagar a conta de luz ou comprar bens de
consumo – esta vem sendo uma escolha obrigatória para 72% dos brasileiros,
segundo pesquisa do Datafolha para a Associação Brasileira dos
Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel). Economizar eletricidade, uma
das providências possíveis para atenuar o problema, acaba sendo uma solução
menos eficiente do que pode inicialmente parecer. Afinal, o preço da
eletricidade está embutido também no custo dos produtos consumidos. A energia
elétrica representa, em média, 23,1% do preço da cesta básica no Brasil, de
acordo com estudo encomendado pela Associação de Grandes Consumidores
Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) e divulgado em julho.
Custos diretos e indiretos da eletricidade
são obviamente mais pesados para famílias de menor renda, aquelas normalmente
mais afetadas pela inflação. As tarifas de energia elétrica até diminuíram para
a maior parte das famílias, nos últimos meses, graças à redução de impostos,
mas o aperto orçamentário continuou. Tem-se discutido se a situação dos
consumidores poderia melhorar, se houvesse mais empresas fornecedoras de
eletricidade e se eles pudessem escolher de quem comprar. Essa discussão pode
ser relevante para todos ou quase todos os tipos de consumidores, familiares ou
empresariais, mas o problema real, no Brasil, é mais complicado.
No último ano, 44% dos brasileiros deixaram
de pagar alguma conta de luz, segundo a pesquisa do Datafolha, mas às vezes é
preciso cortar alguma compra. Não se pode, no entanto, vincular esse dilema
apenas ao custo da eletricidade. A conta de luz foi posta de lado, em algum
momento, provavelmente porque a alternativa seria o corte de algo inadiável,
como comida, por exemplo.
O custo da eletricidade, assim como o do
gás, é um problema especialmente grave, no Brasil, porque a maior parte das
famílias é pobre e porque, além disso, a inflação raramente dá alguma trégua.
Em outubro, por exemplo, o gás de botijão ficou 0,67% mais barato e a tarifa de
eletricidade subiu menos que em setembro, com a variação mensal passando de
0,78% para 0,30%. Mas o custo de alimentos e bebidas subiu 0,72%, depois de ter
recuado 0,51%, e foi o principal componente do aumento do Índice Nacional de
Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). No ano, o item alimentos e bebidas encareceu
10,32%. Em 12 meses, 11,21%, com elevação muito superior à da média geral dos
preços, 6,47%.
Inflação persistente, alimentada pela incerteza fiscal e pela frequente oscilação do dólar, é um problema social associado só em parte ao custo da energia. Num país com muita pobreza e com ampla informalidade no mercado de trabalho, a vulnerabilidade a qualquer aumento de preço é condição da maior parte das famílias. A volatilidade do consumo neste ano tem sido um componente desse quadro. Apesar da expansão observada em vários momentos, neste ano, em 12 meses o volume de vendas do comércio varejista foi 0,7% menor que no período anterior. A conta de luz foi parte apenas parte desse aperto.
Um comentário:
Esses editoriais deixam claro a tragédia do DESgoverno do palerma da República.
Só escombros, SÓ DESTRUIÇÃO DEIXADOS PELO GENOCIDA.
LULA TERÁ MUITO TRABALHO PRA RECONSTRUIR O BRASIL.
E O DIAGNÓSTICO DO ESTRAGO AINDA NAO TERMINOU.
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