segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Sergio Lamucci - O rumo dos juros e o futuro de Lula

Valor Econômico

Uma política fiscal crível permitirá ao BC cortar a Selic mais cedo

Em janeiro, o novo governo vai assumir o comando do país enfrentando um cenário complicado na economia. Para lidar com esse quadro, criar condições para os juros caírem o quanto antes é a estratégia mais indicada para o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, exigindo que ele e sua equipe emitam sinais inequívocos de compromisso com a responsabilidade fiscal.

No início do ano que vem, a atividade deverá estar mais fraca, sofrendo especialmente o impacto do forte aumento da Selic, que desde abril de 2021 subiu de 2% para 13,75% ao ano. Além disso, haverá o efeito da desaceleração global e do esgotamento dos estímulos adotados pela administração de Jair Bolsonaro para tentar reverter a qualquer custo a sua baixa popularidade.

De início, Lula quer concentrar esforços nos gastos sociais, uma meta importante e urgente, desde que fique claro como financiá-los. Se eliminar os ruídos sobre as despesas adicionais a serem autorizadas em 2023 e apresentar uma nova regra fiscal que aponte para uma trajetória sustentável da dívida pública, o governo Lula vai tirar a pressão do câmbio e dos juros futuros, abrindo espaço para o Banco Central (BC) iniciar o ciclo de redução da Selic talvez ainda no primeiro semestre, contribuindo para a retomada do crescimento e diminuindo os gastos financeiros do governo.

Para o economista-chefe da Neo Investimentos, Luciano Sobral, o caminho mais indicado no atual cenário para aumentar gastos sociais é reduzir o custo da dívida pública, baixando os juros. “Num primeiro momento, o jeito mais simples de fazer isso é criar condições para que o BC consiga entregar os cortes na Selic que se projetavam há um mês, de quase quatro pontos percentuais”, diz Sobral. E quais são essas condições? “Sob premissas modestas de crescimento, mostrar, num plano crível, uma combinação de arrecadação e gastos que não gere uma trajetória explosiva da dívida. É tão simples (ou complicado) quanto isso.”

O custo da dívida cai com juros menores, ficando mais fácil chegar a um resultado primário (que exclui as despesas financeiras) que estabilize a dívida, observa Sobral. Com isso, abre-se espaço fiscal para mais gastos sociais. E, se o BC tiver condições de reduzir os juros mais cedo, a economia ganhará fôlego antes, favorecendo o mercado de trabalho e aumentando a arrecadação de impostos, o que ajuda as contas públicas.

Nas últimas semanas, a movimentação do novo governo não colaborou em nada para um cenário que facilite a redução dos juros - pelo contrário. A novela em torno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição aumentou a incerteza sobre os rumos das contas públicas, levando à alta do dólar e dos juros futuros e à queda da bolsa. A ideia de permitir gastos acima do teto de gastos de quase R$ 200 bilhões, excluindo o novo Bolsa Família indefinidamente do mecanismo que limita as despesas da União, foi mal recebida por investidores e especialistas em contas públicas.

As discussões na semana passada apontavam para um prazo menor de exclusão do programa do teto, assim como as resistências no Congresso indicam que o valor total será menor que o inicialmente almejado pela equipe de Lula. Há ainda conversas de que a opção poderá ser por um caminho alternativo à PEC, como a definição de créditos extraordinários para pagar o novo Bolsa Família, que vai substituir o Auxílio Brasil em 2023.

Nesse quadro, persistem indefinições que nublam o cenário para a dívida pública. Não se sabe quem será o ministro da Fazenda e qual será a sua equipe, e tampouco há pistas sobre a regra fiscal que o novo governo quer adotar em substituição ao teto de gastos.

Lula estará nesta semana em Brasília para as negociações em torno do orçamento de 2023. É possível também que anuncie o ministro da Fazenda. O fundamental é reduzir as incertezas. Um valor menor para os gastos adicionais e a limitação das despesas extras a 2023 já tornariam o quadro menos incerto, assim como definir a fonte de financiamento para o novo Bolsa Família, que será ampliado com o pagamento de R$ 150 por criança de até seis anos. A negociação não será fácil, mas diminuir o ruído será de grande ajuda para o começo do terceiro governo Lula. O fundamental é permitir que se vislumbre uma trajetória da dívida pública que seja sustentável ao longo do tempo, para aliviar a pressão sobre o câmbio. Isso vai permitir um comportamento mais favorável da inflação.

Há quem veja um quadro tranquilo para a dívida brasileira. No entanto, mesmo depois que a combinação de inflação elevada, commodities caras e crescimento acima do esperado levou a um nível de endividamento mais favorável do que se projetava em 2021, ela segue mais alta do que a dos emergentes. Pelos números do Fundo Monetário Internacional (FMI), a média da dívida bruta desse grupo de países em 2023 deve ficar em 65,1% do PIB. Para comparar, o endividamento bruto do Brasil era de 77,1% do PIB em setembro. Pelo critério do FMI, que inclui os títulos do Tesouro na carteira do BC, a dívida brasileira deve ficar em 88,2% do PIB neste ano.

Como se vê, o nível da dívida brasileira em si não é confortável. O maior problema, porém, não é a magnitude atual, mas a trajetória esperada para o indicador. Exercícios de projeção da dívida em relação ao PIB têm obviamente limitações. Há uma dose de arbitrariedade na definição dos parâmetros adotados para as estimativas, como o juro real (descontada a inflação) e o crescimento médio do PIB. No entanto, eles são acompanhados pelos especialistas e investidores por indicar a solvência ou não do setor público ao longo do tempo. Se ela sugere um crescimento explosivo do indicador, o governo tem de pagar juros bem mais altos para vender os seus títulos.

Com a versão inicial da PEC da Transição, o cenário projetado para a dívida pública piorou significativamente. Nas contas do ex-presidente do BC Affonso Celso Pastore, com gastos fora do teto de R$ 198 bilhões em 2023 e R$ 175 bilhões anuais nos três anos seguintes, o endividamento bruto esperado cresce 5 pontos percentuais no ano que vem, atingindo cerca de 90% do PIB em 2026. A PEC, desse modo, aponta para uma trajetória insustentável da dívida, como disse Pastore ao Valor na semana passada. Se não houver uma mudança considerável dos termos da proposta, não se abrirá o espaço para uma queda antecipada dos juros, que beneficiaria a economia e, claro, favoreceria o próprio Lula.

 

Um comentário:

Anônimo disse...

Não se enganem: Sérgio Lamucci não integra a Equipe de Transição e jamais será ministro.
É só mais uma "paquita do mercado"!