quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Tiago Cavalcanti* - Quanto valem os serviços religiosos?

Valor Econômico

Serviços prestados equivalem a cerca de 10% do consumo das famílias, ou cerca de R$ 600 bilhões por ano

Será que as atividades religiosas são impulsionadas somente por crenças a respeito de estados espirituais, da vida após a morte ou medo da punição de Deus? Ou será que a religiosidade é motivada também por retornos em vida?

Alguns economistas racionalizam a devoção religiosa como um investimento em redes de apoio social ou uma sinalização que caracteriza atributos de uma pessoa, como benignidade e altruísmo, que a sociedade valoriza. Entende-se que as religiões não sejam necessariamente crenças sobre estados pós vida ou buscas por elevações espirituais.

Em países com Estado de bem-estar social limitado, as comunidades religiosas são importantes fontes de seguro contra diversos riscos que as pessoas se defrontam. Tais comunidades podem ajudar os fiéis em busca por postos de trabalho, auxiliar na procura de cuidados médicos, oferecer serviços de amparo a dependentes químicos e apoio emocional em períodos de dificuldades.

A interpretação de comunidades religiosas como redes de apoio social não é recente e há evidências que corroboram essa hipótese. O movimento de secularização em países europeus é associado ao aumento do Estado de bem-estar social, que oferta importantes serviços para as famílias que se defrontam com situações adversas. Vários desses apoios, antes oferecidos pelas Igrejas e seus devotos, são hoje providos pelo Estado.

No Brasil, ao contrário dos países europeus, a religião e as igrejas continuam com papel fundamental na vida das pessoas. De acordo com a World Value Survey, tem aumentado no país a participação da população nas cerimônias religiosas, no tempo dedicado a rezas e no percentual dos que declaram a religião como fator muito importante em suas vidas.

De fato, talvez uma das principais transformações em nossa sociedade foi o crescimento dos evangélicos neopentecostais. Três décadas atrás, 80% dos brasileiros se diziam católicos. Recentemente, o percentual de católicos no país caiu para menos de 50%. Enquanto isso, no mesmo período, o percentual de evangélicos cresceu em mais de 20 pontos percentuais e hoje representam 30% da população.

Com valores mais conservadores que o resto da população e seguindo normas sociais que evitam vícios ligados ao álcool e a drogas, o avanço do neopentecotalismo tem tido efeito em várias áreas de nossa sociedade, inclusive na política.

Francisco Costa, Angelo Marcantonio e Rudi Rocha mostram, em trabalho publicado no Journal of the European Economic Association, que regiões brasileiras mais afetadas por crises econômicas apresentam uma maior queda do catolicismo e forte crescimento de neopentecostais. Além da transferência de capital político do grupo católico em franco declínio para o outro grupo em potente ascensão.

Desenvolvi trabalho acadêmico recente em conjunto com professores (Sriya Iyer e Christopher Rauh) e alunos de doutorado (Christian Roerig e Maryam Vaziri) da Universidade de Cambridge sobre religião no país (“A City of God: Afterlife Beliefs and Job Support in Brazil”). Elaboramos pesquisa, com o auxílio do Instituto de Estudos da Religião, quando coletamos dados primários junto a 1.200 indivíduos na região metropolitana do Rio de Janeiro sobre religião, religiosidade e a percepção das pessoas com respeito a importantes situações que podem enfrentar.

Usando cenários hipotéticos, em contextos que ajustamos a sua intensidade e exploramos variações nas respostas do mesmo indivíduo, mostramos que as pessoas acreditam que investimentos em tempo e recursos financeiros com atividades religiosas aumentam significativamente a probabilidade de receberem ajudas diversas das comunidades religiosas às quais pertencem. Como, por exemplo, ajudas na busca por um emprego.

Fato curioso é que as pessoas não religiosas têm percepções subjetivas semelhantes às dos devotos em relação ao retorno de investimentos em organizações religiosas. O que indica que há uma complementariedade da fé e no engajamento em atividades que expressam a crença, que também oferecem seguro para os fiéis.

Com o objetivo de racionalizar as evidências de nossa pesquisa, construímos um modelo típico usado em economia de escolha intertemporal de consumo com ciclo de vida e com crença em um estado após a morte. No nosso modelo matemático temos também serviços providos pelas comunidades religiosas contra choques adversos de renda.

Mostramos que o suporte das comunidades religiosas tem impacto relevante na transição de desemprego para emprego. E tal efeito é heterogêneo para as diversas organizações, sendo mais importante para os neopentecostais.

Demonstramos também que os investimentos em termos de tempo e recursos em atividades religiosas estão unidos à forte crença na vida após a morte, bem como retornos em vida. Quando em nosso modelo desativamos o valor da vida após a morte, tais investimentos desaparecem nas nossas simulações. Assim como nos dados da nossa pesquisa, no nosso modelo os não religiosos não investem em comunidades religiosas, apesar de perceberem os retornos em vida desses investimentos.

Através do nosso modelo é possível mensurar algo que parece imensurável: o valor da religião em termos de serviços prestados. Nos nossos cálculos, os serviços das comunidades religiosas equivalem a aproximadamente 10% do consumo das famílias, ou cerca de R$ 600 bilhões por ano. Tal valor equivale a 80% do gasto do Brasil com o INSS, o que me parece ser, em termos relativos, significativo. Vale ressaltar que o nosso estudo acadêmico representa uma abstração da realidade, não incluindo diversos outros serviços comunitários ofertados pelas igrejas e seus fiéis (como visitas aos presos e orações para curas), e portanto nossa mensuração parece subestimar sobremaneira o verdadeiro valor da religião.

*Tiago Cavalcanti é professor de Economia da Universidade de Cambridge e da FGV-SP

 

2 comentários:

Anônimo disse...

A grande, enorme, imensa, ciclópica sacada protestante foi a introdução de técnicas capitalistas nas religiões.
É o dito: o q engorda o gado é o olho do dono.
E as igrejas passaram a ter dono. E claro, passaram a dar LUCRO.
Pouco, quase nada, pode fazer um padre ante a busca de lucro e expansão dos donos de igrejas.
A busca implacável de crescimento (e lucro, claro) vem acompanhada de ações inescrupulosas como vender feijões q salvam da covid.
Até a bíblia passa a ser interpretada de forma condizente com o lucro - de um deus humilde montado num jegue pra um pastor q passa férias em resort de luxo e mora em mansão - o capitalismo econtra justificativas no livro sagrado. Pra tudo nele se encontram justificativas. Até pro lucro.

Anônimo disse...

Conclusão: os serviços religiosos têm valor econômico; mas o espiritual, não.