Correio Braziliense
A PEC precisa de pelo menos 49 votos
favoráveis, em dois turnos, para ser aprovada no Senado
O Senado deve apreciar, hoje, a chamada PEC
da Transição, aprovada ontem pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) com
três mudanças que deverão ser consolidadas em Plenário: o espaço adicional
(extrateto) de gastos caiu dos R$ 175 bilhões iniciais para R$ 145 bilhões,
para acomodar o Bolsa Família (atual Auxílio Brasil); o prazo de vigência
dessas regras foi reduzido de quatro para dois anos; e o tempo para o governo
Lula encaminhar ao Congresso uma proposta de nova âncora fiscal passou de um
ano para oito meses.
Tudo está dentro do script das negociações no Congresso. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), está empenhado na aprovação da proposta e lidera pessoalmente as negociações de bastidor. O relator da matéria, senador Alexandre Silveira (PSD-MG), propôs também mais R$ 23 bilhões para investimentos fora do teto em caso de arrecadação de receitas extraordinárias. Na prática, o gasto extra será de R$ 168 bilhões com o aumento de arrecadação, fenômeno previsível por causa da inflação.
Com a PEC da Transição, o presidente eleito
Luiz Inácio Lula da Silva também poderá cumprir a promessa de parcela adicional
de R$ 150 para cada criança de até seis anos na família. Como o novo governo
pretende passar um pente-fino na concessão do Auxílio Brasil e restabelecer os
padrões de cadastramento do Bolsa Família, é possível que a folga orçamentária
possibilite também honrar outros compromissos eleitorais: Farmácia Popular,
reajuste da merenda escolar e do salário mínimo, e retomada dos programas de
moradia popular.
A PEC precisa de pelo menos 49 votos
favoráveis, em dois turnos, para ser aprovada no Senado. Estima-se que Lula já
tenha garantido de 54 a 55 votos no Plenário, ou seja, cinco ou seis a mais do
que os 49 necessários. Aprovada hoje, a proposta seguirá para a Câmara dos
Deputados, onde a resistência será maior, principalmente com relação à vigência
da proposta por dois anos. A base do atual governo está dividida: os
bolsonaristas raiz não querem conceder o extrateto; o Centrão pressiona para
que a medida tenha vigência por um ano, para obrigar Lula a fazer nova rodada
de negociações sobre o valor das emendas orçamentárias no final do seu primeiro
ano de mandato.
É uma corrida contra o tempo, porque a PEC
precisa ser aprovada antes da votação do Orçamento da União de 2023. A emenda
constitucional é importante porque a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)
proíbe criar despesa ou expandir políticas públicas sem antes apontar uma fonte
de financiamento para isso. No projeto de Orçamento da União elaborado pelo
governo Bolsonaro, há recursos para pagar apenas R$ 405 mensais do Auxílio
Brasil, uma despesa da ordem de R$ 105 bilhões. Para conceder os R$ 600 e mais
R$ 150 por criança, prometidos por Lula na campanha eleitoral, são necessários
mais R$ 70 bilhões.
Dar e receber
O busílis da aprovação da PEC é a liberação
das emendas do orçamento secreto, cujo pagamento foi suspenso por Bolsonaro, em
retaliação ao acordo do Centrão com Lula para aprovar a emenda — o texto
garante a liberação de R$ 23 bilhões em investimentos já neste ano, ou seja,
pagar as “emendas do relator”. Bolsonaro abriu as burras do governo para vencer
as eleições, ampliou o espectro de atendidos pelo Auxílio Brasil, a concessão
de aposentadorias e a liberação de empréstimos da Caixa Econômica Federal nos
meses que antecederam as eleições.
O presidente pretendia fazer um ajuste
fiscal e queimar ativos, como a venda da Petrobras, para cobrir o rombo das
contas públicas no seu governo. A cada dia que passa, a equipe de transição vem
se dando conta da real situação em termos de financiamento das políticas
públicas. O cenário é desolador e exigirá escolhas difíceis para Lula. A
principal delas, porém, já foi feita com a PEC da Transição: ouvir o clamor das
ruas e não os conselhos dos que defendem a manutenção do teto de gastos como
âncora fiscal.
Com exceção dos bolsonaristas raiz, que são
contra a PEC para sabotar o novo governo, e dos ultraliberais, que defendem o
arrocho fiscal a qualquer preço, a maioria dos deputados pretende aprovar a PEC
e liberar recursos para suas emendas. Mas não por dois anos. O Centrão prefere
negociar o financiamento dos programas sociais do governo Lula a cada ano, na
aprovação do Orçamento da União, na base do “é dando que se recebe”. O
princípio de São Francisco de Assis, em sua famosa oração, porém, não se refere
a bens materiais, mas espirituais: “Ó Mestre,/ fazei que eu procure mais:/
consolar, que ser consolado;/ compreender, que ser compreendido;/ amar, que ser
amado./ Pois é dando, que se recebe./ Perdoando, que se é perdoado e/ é
morrendo, que se vive para a vida eterna!/ Amém”.
Um comentário:
Amém!
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