quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Fernando Exman - Freio de arrumação antes da primeira curva

Valor Econômico

Lula deve estabelecer estratégia para a agenda legislativa

O maquinista prudente, ao pressentir risco de descarrilamento logo à frente, puxa o freio e faz a arrumação. Está bem: é preciso ponderar que a jornada do trem “Lula 3” acaba de começar. Mas, possivelmente, é a manobra que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva precisará fazer para evitar que sua agenda legislativa sofra um acidente logo na primeira curva.

Espera-se uma definição em relação às pautas prioritárias. Poucas horas se passaram desde a posse, e integrantes do primeiro escalão já falam, sem constrangimento, em rediscutir as reformas trabalhista e previdenciária, além de travar as discussões da reforma administrativa enviada ao Congresso pelo governo anterior. Existem, porém, temas mais urgentes.

A PEC da Transição estabeleceu o prazo de seis meses para o Executivo apresentar uma proposta de novo arcabouço fiscal, em substituição ao teto de gastos. E inexiste vivalma em Brasília que discorde da necessidade de aprovação de uma reforma tributária.

O apito soa. Bifurcação à frente: existem dois caminhos possíveis, porém a tripulação dá sinais divergentes aos passageiros. Cabe ao maquinista decidir um rumo.

Em uma rota, a reforma tributária é a primeira parada e só depois vem a discussão do arcabouço fiscal. Integrantes da equipe de transição que acompanham essas discussões, mas devem ser alocados em outras áreas do governo que não a econômica, argumentam que seria interessante gastar energia política neste início de mandato para aprovar, logo de cara, a reforma tributária. Em primeiro lugar, porque os debates sobre o tema estão relativamente maduros.

O governo anterior perdeu a oportunidade de aprová-la. Impediu o avanço de uma proposta que vinha obtendo adesões importantes no Congresso e nos Estados, a qual foi concebida a partir do projeto desenvolvido por economistas liderados por Bernard Appy, recentemente nomeado secretário especial para a reforma tributária. Sabe-se, portanto, qual é o ponto de partida deste vagão da agenda legislativa e qual seria, no mundo ideal, seu destino.

Uma ideia é simplificar o sistema por meio da unificação de tributos sobre o consumo, mas mantendo a autonomia de Estados e municípios. Originalmente, o texto acaba com três tributos federais (IPI, PIS e Cofins), o ICMS (estadual) e o ISS (municipal). No lugar, seriam criados um imposto sobre o valor agregado de competência dos três entes federativos (Imposto sobre Operações com Bens e Serviços, o IBS) e outro sobre bens e serviços específicos de competência federal (Imposto Seletivo). Haveria um período de transição. Durante a campanha, Lula ainda prometeu por diversas vezes alterar as regras do Imposto de Renda e defendeu medidas adicionais para tornar o sistema tributário menos regressivo.

Além disso, ponderam esses interlocutores, facilitaria muito o trabalho de quem precisa desenhar o novo arcabouço fiscal fazê-lo já tendo nitidez quanto à nova estrutura do sistema tributário e seus mecanismos de arrecadação. Ou seja, o lado das receitas. Em tese, isso poderia resultar num modelo mais equilibrado.

Na noite de segunda-feira, durante o programa “Roda Viva”, da TV Cultura, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, foi perguntado sobre os riscos de o governo abrir várias frentes de batalha no Congresso. Em sua resposta, afirmou que quem definirá o momento e a hierarquia das prioridades será única e exclusivamente o presidente da República. No entanto, sem citar outras iniciativas, emendou: “O Brasil precisa de uma reforma tributária? Todos concordam. Se tem uma coisa unânime neste país, é que é preciso ter uma reforma tributária. A diferença está em qual reforma será feita”.

Segundo o ministro, o Brasil já acumula muitos anos de debate sobre o tema, com a participação de governadores, prefeitos e empresários. “Acho que está maduro a gente buscar um consenso, um projeto de lei, uma alteração legal que tramite de forma mais rápida, se for a expressão da grande maioria do povo brasileiro através de seus diversos segmentos produtivos e políticos”, acrescentou o ministro. “Essa é uma medida que precisamos aprovar neste ano e será prioritária para o governo. O presidente Lula já sinalizou com justiça fiscal.”

Pelo outro caminho da bifurcação, a receita é fazer uma discussão conjunta das duas matérias, arcabouço fiscal e reforma tributária.

Integrantes da equipe econômica estão com esse mapa na mão. Eles advogam que há vapor para gastar no primeiro trimestre, quando serão adotadas medidas voltadas a sanear as contas públicas. Na sequência, a partir de abril, seria então a hora de fazer as discussões mais estruturantes. Como já se tem ideia da reforma tributária que será defendida, haveria mais tempo para a elaboração do novo marco fiscal, seus pilares e instrumentos.

Fontes da área econômica defendem, por exemplo, que o arcabouço dê previsibilidade ao desempenho das contas públicas, mas sem prejudicar a dinâmica da economia. Ideias que permanecem no horizonte: dar mais ênfase à dívida líquida e adotar bandas para o superávit primário. Este último instrumento viabilizaria, na visão dessas fontes, a implementação de medidas anticíclicas em momentos de desaquecimento da atividade.

O cronograma que coloca abril como um mês crucial tem uma justificativa. Ele trabalha com a premissa segundo a qual os parlamentares passarão as próximas semanas debruçados sobre as eleições das mesas diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, marcadas para o início de fevereiro. Na sequência, deputados e senadores estariam apenas focados na divisão dos comandos das comissões temáticas e na instalação desses colegiados. Só então a agenda ficaria livre para a discussão de temas mais delicados.

Não se sabe ainda como essas discussões influenciariam a elaboração do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) do ano que vem. Ele precisa ser enviado ao Legislativo até 15 de abril.

Lula passou os últimos dias construindo uma base e, ao aprovar a PEC da Transição, novamente comprovou sua capacidade de articulação política. Agora, precisará escolher uma rota e colocar toda a tripulação para trabalhar na mesma direção.

 

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