Lula não terá longa lua de mel antes das cobranças
O Globo
Com população impaciente, governo deve
descer do palanque e arrumar a casa de forma rápida e eficiente
Passada a festa da posse, o governo Lula 3
inicia o difícil e urgente trabalho de reconstrução da máquina pública onde ela
foi destruída na gestão Bolsonaro. O inventário dos danos é grande, como ficou
comprovado durante o trabalho da equipe de transição, e poderá aumentar à
medida que o novo governo ocupe seus postos e abra arquivos e gavetas.
A polarização do país, de um lado, e, de
outro, a grande expectativa de quem votou em Luiz Inácio Lula da Silva não
devem conceder muito tempo para a nova gestão. A administração recém-empossada
provavelmente não terá os costumeiros cem dias para arrumar a casa e propor
mudanças. A lua de mel do novo governo será mais curta.
Lula deu a entender que sabe que precisa
assumir o comando da administração de uma forma rápida e efetiva, ao usar pela
primeira vez a caneta de presidente ainda no domingo, começando a cumprir
promessas feitas na campanha.
Entre outros atos, iniciou a revisão e suspensão de normas da escandalosa política armamentista do antecessor e desfez erros também na área ambiental.
Mas há tarefas bem mais difíceis. Em
entrevista ao GLOBO, o ministro do Desenvolvimento Social, senador eleito
Wellington Dias, afirmou haver “grandes irregularidades” no cadastro do Bolsa
Família, herdado do Auxílio Brasil. Há a necessidade de um intenso e profundo
trabalho de auditoria dos gastos sociais.
Com razão, Dias estranha que, em pouco
tempo, tenham surgido 3,5 milhões de famílias unipessoais. A hipótese mais
plausível para explicar a mudança é um erro no desenho do programa. Ao
determinar o pagamento de R$ 600 por família, independentemente do número de
membros, a regra incentivou o aumento de registros.
O apoio que o governo federal dava a
estados e municípios por meio dos Centros de Referência de Assistência Social
(Cras) deixou de existir, e o Cadastro Único (CadÚnico), onde os beneficiários
de programas sociais estão inscritos, está desatualizado. Enquanto reconstrói a
malha de serviços, o governo deve focar os esforços naqueles que mais precisam.
Mesmo há poucos dias no poder, já é hora de a retórica dos discursos dar lugar
à gestão ágil e eficiente.
A ministra da Saúde, Nísia Trindade, além
de precisar melhorar o atendimento no SUS, tem de restabelecer os padrões
mínimos de vacinação que o país costumava apresentar e que foram rebaixados
pelo negacionismo bolsonarista, ajudado pelo movimento mundial antivacina, que
alcança a população pelas redes sociais.
Além do trabalho de informação, deve repor
os estoques. Informações do próprio ministério sobre a baixa cobertura vacinal
na faixa etária de até 2 anos de idade apontam que uma das principais causas do
problema é a falta de imunizantes nos postos de saúde.
Há políticos vitoriosos que demoram a
descer do palanque e assumir o dia a dia do governo. Outros ficam martelando a
existência de “heranças malditas” manhã, tarde e noite. Lula e seus ministros
não podem cometer estes erros. Nem sequer têm tempo para isso.
Saúde precisa fazer campanhas para combater
epidemia de desinformação
O Globo
É deplorável que escalada de casos de Covid
leve população a recorrer a drogas ineficazes contra a doença
É desalentador constatar que o aumento do
número de casos de Covid-19 nos últimos meses tenha levado a um crescimento no
uso de medicamentos do chamado Kit Covid, comprovadamente ineficazes contra o
novo coronavírus. Como mostrou reportagem do GLOBO, entre outubro e novembro do
ano passado as vendas de unidades do vermífugo ivermectina saltaram de 793 mil
para cerca de 1,8 milhão, segundo levantamento do Conselho Federal de Farmácia
(CFF). No caso da hidroxicloroquina, recomendada contra a malária, passaram de
89.400 para 97.400.
Contra todas as evidências científicas, o
governo de Jair Bolsonaro incentivou o uso do Kit Covid no combate à doença,
enquanto sabotava, por meio de desinformação criminosa, os esforços para
vacinar a população, a melhor forma de conter o vírus e evitar hospitalizações
e mortes. A obsessão de Bolsonaro pela cloroquina — que, além de ser inútil
contra a Covid-19, ainda expunha os pacientes a efeitos colaterais graves —
chegou a provocar a demissão dos ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e
Nelson Teich.
A recém-empossada ministra da Saúde, Nísia
Trindade, ex-presidente da Fiocruz, anunciou a revogação de notas técnicas que
autorizavam o uso da cloroquina no tratamento da Covid-19. Nísia terá, entre
tantas outras missões importantes, a tarefa de combater a epidemia de
desinformação, que também mata. Infelizmente, o governo anterior falhou no
esclarecimento da população. Faltaram campanhas maciças para informar sobre os
riscos da automedicação com drogas ineficazes e sobre a importância e
benefícios da vacinação.
Em quase três anos de pandemia, está claro
que o vírus não vai desaparecer de uma hora para outra. Com o constante
surgimento de novas variantes, de tempos em tempos haverá aumento de casos, e a
sociedade terá de conviver com essa nova realidade. Ao menos agora sabemos — ou
deveríamos saber — o que é preciso fazer: vacinar, vacinar e vacinar.
Embora não sejam ruins, os índices de
cobertura vacinal contra a Covid-19 ainda não são suficientes para proteger a
população de forma segura. Pouco mais de 80% dos brasileiros tomaram as duas
doses, e apenas metade recebeu pelo menos uma dose de reforço, fundamental para
enfrentar as variantes do novo coronavírus.
O novo governo terá o desafio de recuperar o outrora bem-sucedido Programa Nacional de Imunizações (PNI) e a confiança na vacinação. Para isso, precisará fazer campanhas e mutirões, de modo a elevar os índices de cobertura. Nada que já não tenha sido feito no passado com outras doenças. Ao mesmo tempo, será necessário enfrentar as mentiras que se alastram pelas redes enaltecendo drogas ineficazes contra a Covid-19. Vacina e informação correta são os antídotos para combater esses males.
Bondade cara
Folha de S. Paulo
Ao prorrogar desoneração de combustíveis, Lula erra e eleva dúvidas sobre Haddad
Existe saída correta, ainda que não
indolor, para o imbróglio eleitoreiro de Jair Bolsonaro (PL), criado pela
redução dos tributos sobre os combustíveis a quatro meses do pleito
presidencial e hoje nas mãos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
É fato que, se o novo governo revogar a
medida, elevam-se de imediato os preços da gasolina, do óleo diesel, do gás de
cozinha, do querosene de aviação e de outros derivados do petróleo, além do
etanol. A inflação ao consumidor ficará pressionada no curto prazo.
A popularidade presidencial decerto estaria
sujeita a um desgaste, e a oposição bolsonarista, caminhoneiros em particular,
ganharia um cavalo de batalha.
Já na hipótese de manter em zero as
alíquotas do PIS e da Cofins sobre os combustíveis, a consequência, mais grave
e duradoura, é uma perda de arrecadação na casa dos R$ 50 bilhões, mais de um
quinto do déficit do Orçamento —e em benefício de estratos mais favorecidos da
sociedade.
Lula, como se sabe, levou em conta o risco
político em sua decisão. Ao fazê-lo, acabou por semear mais dúvidas quanto à
autonomia de seu titular da Fazenda, Fernando Haddad, que antes da posse havia
negociado a questão com a área econômica de Bolsonaro.
Haddad, que busca atenuar o pessimismo
geral com o resultado das contas públicas neste ano, havia acertado com o então
ministro Paulo Guedes, da Economia, que a desoneração tributária não seria
prorrogada por mais de 30 dias.
Seu chefe, no entanto, optou por editar uma
medida provisória que mantém a alíquota zero até o fim de fevereiro para
gasolina, etanol, querosene de aviação, gás natural veicular e nafta. Já para
diesel, biodiesel e gás de cozinha, o prazo vai até o encerramento do ano.
Pelos
cálculos oficiais, a MP gera perda de receita de R$ 25 bilhões neste ano,
o que já está contemplado no Orçamento —elaborado com a estimativa de renovação
do benefício. De todo modo, reduzem-se as possibilidades de frear o déficit
primário (sem despesas com juros) de mais de R$ 230 bilhões.
Haddad tem repetido que tomará providências
para que o rombo seja menor, depois de a
PEC da Gastança ter elevado os dispêndios da União em pelo menos R$ 70 bilhões além
do necessário para manter os compromissos com o pagamento do Bolsa Família. Ao
que parece, a equipe da Fazenda pretende procurar mais receitas.
É notório que o setor público brasileiro
opera com excesso de subsídios e regimes especiais tributários, sempre
ferozmente defendidos pelos setores beneficiados. Lula erra ao não aproveitar o
capital político de início de mandato para ações que são desgastantes, mas
renderão avanços perenes.
O legado de Bento 16
Folha de S. Paulo
Ratzinger, de papado problemático, operou
mediação intelectual entre fé e razão
Morto aos 95 anos no último dia de 2022, o
alemão Joseph Aloisius Ratzinger deixa obra acerca da identidade ocidental tão
importante quanto desconhecida daqueles que o viam apenas como Bento 16,
"o Rottweiller de Deus".
Foi o primeiro pontífice a renunciar em
quase 600 anos. A exótica figura de papa emérito, assumida a partir de então,
indicava a manutenção de poder político para contrapor sua visão conservadora
ao progressismo encarnado em Francisco, seu sucessor.
Ratzinger pode ter inspirado setores indispostos
com a liberalidade do papa argentino, como cardeais americanos que questionam
ideias de Francisco, mas na prática viveu como uma sombra.
Sua influência teológica é central. Aos 34
anos, em 1961, escreveu um dos discursos mais importantes da Igreja Católica
para Joseph Frings, cardeal alemão chamado pelo papa João 23 para avaliar
o Concílio Vaticano 2º, que discutiria a inserção do catolicismo no século 20.
O texto pautou o encontro, que por três
anos atualizou atividades, defendeu a conciliação entre fé e ciência,
liberalizou ritos. Politicamente, acabou por abrir caminho para o progressismo
católico que tanto marcou a religião no Brasil.
Quando seu amigo Karol Wojtila assumiu o
papado em 1978, tornou-se chefe da doutrina da igreja. Nessa função, tentou
corrigir o que considerava exageros inspirados pelo concílio e passou a ser
visto como um Grande Inquisidor, dado a perseguir padres marxistas.
O fez enquanto era celebrado João Paulo 2º,
um conservador forjado no totalitarismo comunista assim como Ratzinger havia
sido sob o nazismo. Ambos defendiam valores como forma de sobrevivência em um
mundo fugaz e mutante.
Opção óbvia para o trono de São Pedro
quando Wojtila morreu, em 2005, não era talhado para o lado prático da função,
porém notável na teoria. Intelectual de escrita prolífica, não se
furtava a debates, como com o filósofo Jürgen Habermas ou
com o teólogo Hans Küng.
Foi soterrado por escândalos de corrupção e
de pedofilia —acusado de ter ignorado denúncias contra padres, o que negou.
Marcou seu papado pela busca de uma instituição menor e coesa, mas fracassou.
Para críticos, com razão, ele afastou a igreja ainda mais de seu 1,3 bilhão de fiéis, maior contingente cristão no mundo. Já seu legado de debate sobre o papel de valores, religiosos ou não, nas identidades coletivas, tende a ser perene.
Haddad, o ministro decorativo
O Estado de S. Paulo.
Desautorizado já na posse, novo ministro da
Fazenda perde batalha pela reoneração dos combustíveis e mostra que terá que
ensaiar mais para aprender a dizer ‘não’ ao presidente
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
soube já no primeiro dia no cargo que será figura decorativa, espécie de
tarefeiro do presidente Lula da Silva. Seria ingenuidade supor que pudesse ser
diferente, mas Haddad, aparentemente, acreditou que tinha autonomia para tomar
as decisões certas, e não as que fossem convenientes ao populismo lulopetista –
e, portanto, erradas.
Antes da posse de Lula, Haddad, já
escolhido para a Fazenda, pediu ao então ministro da Economia Paulo Guedes que
se abstivesse de adotar medidas que pudessem afetar as receitas e as despesas
do futuro governo. Entre essas medidas estava a prorrogação da desoneração dos
combustíveis, que serviu ao governo de Jair Bolsonaro para baixar o preço da
gasolina na marra e, assim, tentar melhorar as chances de reeleição do
presidente. Como Haddad prometeu reduzir o déficit fiscal projetado para este
ano, de R$ 220 bilhões, reonerar os combustíveis era a primeira e mais evidente
escolha a ser feita.
Mas a “ala política” do governo Lula,
preocupada com os efeitos de uma súbita alta de preços dos combustíveis na
popularidade do presidente recém-empossado, fez prevalecer sua opinião, e
Haddad teve que engoli-la. Desprestigiado desde o primeiro dia, Haddad assumiu
uma das funções mais relevantes da administração federal com um discurso em que
disse aceitar ser o “patinho feio” da Esplanada dos Ministérios, contrapondo-se
a colegas e a medidas que possam prejudicar o governo. Se é assim, o ministro
terá que ensaiar bem mais para aprender a dizer “não” a Lula, talvez pela
primeira vez.
Ao manter os impostos federais sobre os
combustíveis zerados por mais 60 dias, medida que ainda pode ser prorrogada ao
fim desse período, o governo Lula sinaliza que as demandas eleitoreiras, sempre
que for o caso, vão prevalecer sobre a racionalidade econômica. É péssimo
sinal.
Ademais, é irônico que um governo que se
diz tão preocupado com os pobres, pelos quais Lula chorou em seu discurso de
posse, desdobre-se para manter artificialmente baixos os preços dos
combustíveis, medida que favorece quem tem carro. E a ironia não acaba aí: ao
manter a farra da gasolina barata, Lula estimula a queima de combustível
fóssil, na contramão de suas promessas de proteção ambiental.
Na tentativa de explicar o inexplicável,
Haddad se complicou ainda mais. Disse, em entrevista ao site Brasil 247, que a
reoneração dos combustíveis somente poderia ocorrer após a posse da nova
diretoria da Petrobras e a consequente mudança na política de preços da
companhia. Não se sabe o que uma coisa tem a ver com a outra, mas o que se sabe
muito bem é que os preços dos combustíveis serão “abrasileirados”, como disse
Lula ainda durante a campanha. Em outras palavras, serão tratados como questão
eleitoral. Já vimos esse filme de terror: o governo tenebroso de Dilma Rousseff
fez exatamente isso, para enfrentar sua crescente impopularidade, e quase
quebrou a Petrobras, obrigada a subsidiar preços artificiais.
A mão pesada do lulopetismo nos preços dos
combustíveis é apenas uma amostra da anunciada intenção do novo governo de
intervir muito mais na economia. Recorde-se que Lula, ao tomar posse, prometeu
mexer nas leis trabalhistas, aumentar gastos sem se preocupar com limites
fiscais, interromper as privatizações e colocar o Estado como indutor do
crescimento, ressuscitando iniciativas fracassadas como o Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC) e a exigência de conteúdo nacional em áreas
como exploração de petróleo e indústria naval.
Não que se esperasse algo muito diferente
do terceiro mandato de Lula. Como bem lembrou Sergio Vale, economista-chefe da
consultoria MB Associados, em entrevista ao Estadão, Lula “nunca mentiu para
ninguém” e o que ele disse no dia da posse “é o que ele vem falando há 40 anos
e nos últimos meses”. Mas é incontestável que a retomada dessa agenda já
testada e reprovada, cujos efeitos deletérios ainda hoje são sentidos,
sobretudo pelos mais pobres, dá pouca margem para otimismo num governo que, mal
começou, já disse a que veio.
O ano da tecnologia em saúde e energia
O Estado de S. Paulo.
A pandemia e a guerra impactaram,
respectivamente, as tecnologias digitais e energéticas. 2023 será um
laboratório. Mas as inovações impõem desafios éticos
Os dois grandes eventos globais da década
de 20, a pandemia e a guerra na Ucrânia, produziram um impacto massivo sobre a
inovação tecnológica. O primeiro, em particular, sobre a revolução digital; o
segundo, sobre a transição energética. 2023 será um imenso laboratório para
ensaiar os rumos dessas e outras tecnologias.
A guerra convencional no território
ucraniano é espelhada por uma guerra energética, especialmente na Europa. A
curto prazo, os europeus foram obrigados a recorrer à energia “suja”, como o
carvão. Mas, a médio prazo, já estão envidando esforços para cortar a
dependência dos combustíveis fósseis. Por isso, no cômputo geral, a Agência
Internacional de Energia (AIE) considera que a crise pode ser um “ponto de
inflexão histórico”.
Já em 2022, segundo a AIE, a eficiência
energética aumentou 2% – o dobro da média dos últimos cinco anos. O impulso ao
desenvolvimento de energias renováveis foi “sem precedentes”. A AIE aponta uma
série de temas granulares a serem enfrentados para fomentar um ambiente atraente
aos investidores, especialmente nos países em desenvolvimento, como o
fortalecimento das cadeias de fornecimento, formação tecnológica, investimentos
em infraestrutura e procedimentos claros para a aprovação de projetos.
Especialistas apontam que 2023 deve marcar
a retomada do interesse pelo hidrogênio, uma fonte energética que produz quase
zero emissões de gases de efeito estufa. O hidrogênio “verde” é produzido
através de electrolisadores que dividem moléculas de água em oxigênio e
hidrogênio. O hidrogênio “azul” é produzido através da divisão do gás natural
entre CO2 e hidrogênio. A vantagem em relação ao emprego direto do gás natural
é que os vazamentos de metano podem ser minimizados e as emissões de carbono,
sequestradas.
A pandemia, além do impacto colateral sobre
as tecnologias digitais, teve um impacto direto sobre o desenvolvimento de
imunizantes. Espera-se em 2023 uma nova geração de vacinas contra a covid. Mais
de 170 testes clínicos podem resultar em vacinas nasais, mais eficazes para
evitar a transmissão, e vacinas à prova de variantes. Após o sucesso das
vacinas MRNA para a covid, estão previstos testes para vacinas contra malária,
tuberculose, herpes genital e variantes de influenza. A OMS também prepara uma
lista de patógenos prioritários que podem causar potenciais surtos, o que
servirá para criar mapas para pesquisa e desenvolvimento de vacinas,
tratamentos e diagnósticos. Ainda no campo da saúde, em janeiro os reguladores
norte-americanos anunciarão se uma droga que retardou as taxas de declínio
cognitivo em testes clínicos poderá ser disponibilizada para pessoas com
Alzheimer.
Na esfera digital, a Inteligência
Artificial com interfaces sem códigos, facilmente acessíveis a leigos, está se
tornando real no mundo corporativo, possibilitando a criação de produtos e
serviços mais inteligentes. No varejo, por exemplo, algoritmos já recomendam
produtos adaptados aos interesses dos clientes e facilitam o pagamento e
entrega dos bens e serviços.
A tendência das empresas de utilizar
tecnologias como a Realidade Aumentada ou a Virtual para treinamentos e
reuniões deve acelerar. Especialistas apontam que 2023 será determinante para
os rumos de uma internet tridimensional e imersiva onde as pessoas podem
trabalhar e socializar – o chamado “metaverso”.
Como sempre, o desenvolvimento tecnológico
impõe desafios éticos. Como disse a presidente da Data & Research Society,
Danah Boyd, “as tecnologias digitais sempre espelham e magnificam o bom, o mau
e o feio”. Isso pode ser aplicado a todas as tecnologias, mas, particularmente
em relação às digitais, a humanidade precisará se empenhar em responder a
algumas questões fundamentais: como desenvolver tecnologias e práticas de
segurança capazes de proteger as pessoas e organizações; como desenvolver
suportes cognitivo e comportamental aptos a imunizar as pessoas contra a
manipulação em massa e epidemias de desinformação; e como viver em um mundo com
potencial crescente de ameaças e colapsos cibernéticos.
Tarcísio sabe onde está
O Estado de S. Paulo.
Ao tomar posse, governador cita Covas e
Montoro, reconhecendo que SP tem tradição de responsabilidade e democracia
Tarcísio de Freitas assumiu o governo de
São Paulo indicando que, embora forasteiro, sabe onde está e, sobretudo,
reconhece o que já foi feito de bom no Estado antes de sua eleição para o
Palácio dos
Bandeirantes. Era o mínimo para um bom
começo de seu primeiro mandato eletivo.
Em seu discurso na Assembleia Legislativa
de São Paulo (Alesp), logo após a assinatura do termo de posse, o governador
mostrou que sabe a responsabilidade que passou a pesar sobre seus ombros.
Reconheceu que recebe um Estado com enormes desafios, entre os quais a brutal
desigualdade e a Cracolândia, chaga aberta há anos na capital paulista. Mas, ao
mesmo tempo, Tarcísio de Freitas reconheceu que recebe um Estado em condições
muito favoráveis à superação de suas mazelas.
Transmitindo a ideia de continuidade, o
governador afirmou que enxerga o exercício do poder público como “uma corrida
de revezamento”, na qual “recebe-se o bastão, corre-se na maior velocidade
possível, passa-se o bastão para quem correrá depois”. E nessa troca entre
sucessivos governos, “o que se espera”, disse o governador, “é que não haja
retrocessos em termos de qualidade do gasto (público), gestão fiscal e
parcerias com a iniciativa privada”.
Este jornal também espera que não haja retrocessos,
principalmente em relação ao uso das câmeras corporais no fardamento da Polícia
Militar, uma das mais bem-sucedidas políticas públicas na área de segurança já
adotadas no Estado.
Politicamente, Tarcísio de Freitas buscou
equilibrar o reconhecimento ao apoio que recebeu de Jair Bolsonaro, seu maior
cabo eleitoral, e ao legado dos governos do PSDB ao longo das últimas três
décadas. Quanto ao primeiro, espera-se que tenha sido apenas um gesto de
agradecimento e virada de página, afinal, não há “legado” algum do
ex-presidente a ser defendido em São Paulo. Bolsonaro, na verdade, tratou São
Paulo como uma espécie de enclave inimigo desde que resolveu se lançar numa
rinha particular contra o ex-governador João Doria.
Já a menção expressa no discurso a três
tucanos históricos – José Serra, Mário Covas e Franco Montoro – pode ser lida
como uma indicação do novo governador de que não fará tábula rasa das políticas
públicas implementadas pelo PSDB em São Paulo nas últimas três décadas. Por
óbvio, com a legitimidade que lhe foi conferida pelas urnas, Tarcísio de
Freitas pode e deve implementar as eventuais correções de rumo que julgar
necessárias. No entanto, não se pode administrar o Estado mais rico da
Federação e onde vive cerca de um quinto da população brasileira (quase 45
milhões de pessoas) ignorando o que já foi feito de bom por seus antecessores.
Assim como se espera que o presidente Lula da Silva compreenda as razões que levaram à sua vitória, muito mais do que uma chancela da maioria dos eleitores às agendas do PT, é esperada de Tarcísio de Freitas a compreensão de que seu primeiro triunfo eleitoral não decorre, exclusivamente, de um aval dos paulistas para que São Paulo se torne um “centro de resistência” do bolsonarismo no País. Aqui há uma longa tradição de efervescência social, responsabilidade fiscal e defesa da democracia que deve ser honrada para que São Paulo continue sendo o que é – e cada vez melhor.
Restauração do Estado avança, com peças
soltas na economia
Valor Econômico
Perigosa indefinição cobre as áreas
econômicas e afins, onde a babel de vozes começa a intranquilizar os mercados
Os primeiros atos do novo governo e a posse
de ministros apontam medidas corretas e necessárias para o país, mas também o
peso do intervencionismo do Estado, a marca petista na economia que Lula
reforçou em declarações e nos discursos de posse.
Houve os primeiros desencontros, revelados
pela MP que prorroga a desoneração de gás de cozinha e diesel por um ano e o da
gasolina, provisoriamente, por dois meses. Eles deixaram o sabor amargo da
desconfiança sobre fator imprescindível a um ministro da Fazenda: ter peso
político. Não precisou muito para a ala política do governo convencer Lula de
que não era o caso de eliminar já a desoneração por seus efeitos imediatos e
sensíveis na inflação, logo na estreia. Haddad pedira ao então ministro Paulo
Guedes que não emitisse MP prorrogando a medida eleitoreira de Bolsonaro,
argumentando com decisão que Lula teria tomado. Haddad pagou a conta do
bate-cabeças, de qualquer forma, e deixou no ar impressão precoce de
fragilidade, que poderá se confirmar ou não ao longo do mandato.
Lula não quer problemas na largada de
governo. Os ministros da ala política, empossados na segunda-feira, deixaram
isso claro. Flávio Dino, da Justiça, disse que seu ministério era “da paz” e
que os policiais o considerassem seu, não importando em quem votaram ou em quem
votarão. Rui Costa, da Casa Civil, fez especial deferência às relações com os
agricultores, eleitores em massa de Bolsonaro. Alexandre Padilha, da Secretaria
de Relações Institucionais, pregou relações amistosas e profícuas com os governadores
e o Congresso e foi além, ao mencionar até que o Centrão “como conceito não
existe”. As mensagens de boa vontade ecoaram nas demais posses, como a do
ministro da Agricultura, Carlos Favero, que se colocou a missão de “pacificar o
agronegócio”.
Se as intenções de concórdia eram esperadas
de um governo que ganhou por pequena margem de votos a eleição, o complemento
dos “revogaços” dos decretos que facilitaram porte e uso de armas e munições
restabelece condições mínimas de civilidade, assim como a varredura nos
decretos que instauraram sigilo em atos do governo anterior, restauram o
imperativo da transparência nos atos do Executivo. Como primeiros atos de
governo, têm efeitos importantes, além dos simbólicos.
Marina Silva (Meio Ambiente) e Nísia
Trindade fizeram o esperado. Marina revogou legislação sobre multas ambientais
de Ricardo Salles, que pela inação de um comitê de conciliação, as anistiava
todas. Nísia colocou a vacinação ampla, geral e irrestrita no lugar central que
ocupam na saúde pública, negligenciada por Bolsonaro.
Os sinais preocupantes também estão vindo
logo. Lula fulminou 8 privatizações inscritas em programa de desestatização. O
indicado para a presidência da Petrobras, Jean Paul Prates, deixou claro que a
política de preços e outras coisas mais da estatal são assunto de governo. Não
há dúvidas de que o preço do combustível cairá, indicou Lula. O timing da
mudança de comando na Petrobras é que torna provisória a continuidade da
desoneração para a gasolina por dois meses. A ideia é que a desoneração se
torne desnecessária. A ministra de Ciência e Tecnologia, Luciana Santos, por
seu lado, revogou a liquidação da Ceitec, estatal de semi-condutores.
Uma confusão que pode não terminar bem é do
passeio da ANA, agência reguladora de águas e saneamento, por vários
ministérios. Ela foi alocada agora no Meio Ambiente, mas entre suas atribuições
pode não estar mais a de normatizar o setor de saneamento. Ontem, o ministro da
Integração e Desenvolvimento Regional, Waldez Góes, disse que a decisão poderá
ser revista.
Outros ministros expuseram, com maior ou
menor ênfase, seu desejo de girar ao contrário a roda das reformas. O ministro
da Previdência, Carlos Lupi (PDT), disse que quer rever a reforma do seu setor,
por discordar do limite de idade para a aposentadoria das mulheres. A ministra
de Gestão e Inovação, Esther Dweck, pregou a retirada da PEC da reforma
administrativa do Congresso - de fato, ruim -, mas por outros motivos-
considera-a punitiva. A reforma criaria critérios objetivos para a demissão de
servidores, anátema para o PT.
O governo Lula começa então a duas
velocidades. Com rapidez na restauração do ambiente democrático, das condições
de operação da máquina pública e na harmonia entre os Poderes. Perigosa
indefinição cobre as áreas econômicas e afins, onde a babel de vozes começa a
intranquilizar os mercados sem que propósitos anunciados sejam confirmados como
política oficial.
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