Valor Econômico
Pesquisa de qualidade em economia é uma
importante ferramenta para auxiliar e avaliar as políticas públicas
No mês passado participei do 44º encontro
da Sociedade Brasileira de Econometria, realizado em Fortaleza. Nos últimos 20
anos tenho participado muitas vezes desse congresso, que reúne economistas
acadêmicos brasileiros e estrangeiros.
A qualidade do encontro com discussões
especializadas só tem melhorado nos últimos anos. Os trabalhos apresentados têm
qualidade semelhante aos que fazem parte dos melhores grandes congressos de
economia no mundo. Há um número crescente de brasileiros estudando questões
relevantes e importantes para políticas públicas.
A ideia de que a pesquisa acadêmica em economia não se conecta com a realidade fica longe de ser verdade. É uma visão equivocada de uma profissão dinâmica e criativa, que mudou bastante nos últimos anos e, pautada por evidências empíricas, é capaz de contribuir para o debate econômico e apoiar de forma robusta o desenho de políticas públicas.
Levando em conta a crescente
disponibilidade das bases de dados com informações detalhadas sobre indivíduos,
empresas, operações de crédito, transações na bolsa de valores, preço de bens e
ativos, registros criminais, entre outras referências, é possível investigar
questões importantes, avaliar políticas públicas e testar nexos de causalidades
e hipóteses difíceis de serem testadas com dados agregados. É factível também
produzir novos fatos e quebrar dogmas existentes, corroborando ou não teorias e
gerando informações para novos modelos.
Um dos trabalhos no encontro de Fortaleza
que me chamou bastante atenção foi “Avaliação do Uso de Câmeras Corporais Pela
Polícia Militar do Estado de São Paulo”, apresentado pela pesquisadora Joana
Monteiro, especialista em questões de violência urbana e professora da FGV-RJ.
O trabalho tem coautoria com Eduardo Fagundes, Julia Guerra e Leandro Piquet.
A Polícia Militar do Estado de São Paulo,
com o programa Olho Vivo, introduziu a partir de 2021 o uso de câmeras
corporais com o objetivo de reduzir o uso desproporcional da força policial.
Política semelhante é adotada em outros países, inclusive nos Estados Unidos e
no Reino Unido. O trabalho de Joana com colaboradores procura responder como a
introdução desta política pública afetou a atividade policial e os indicadores
de criminalidade.
Trata-se de uma questão difícil de
responder e nem sempre fica claro se esta política não tenha resultados
negativos indesejados. Como, por exemplo, sobre a queda nas atividades de
patrulha para evitar casos que possam incriminar a corporação. Como também sobre
a proteção de policiais, que por receio de alguma acusação podem poupar o uso
da força. Tais fatos explicam, pelo menos em parte, porque a introdução desta
política tem forte resistência das corporações e geram polêmicas, como estamos
vendo neste exato momento em São Paulo e no Rio de Janeiro.
É possível, no entanto, que a atividade
policial possa melhorar sua eficiência com a introdução desta política pública.
As câmeras acopladas à farda podem inclusive aumentar o empoderamento da
corporação, já que possíveis falsas acusações de uso desnecessário da força
caem bruscamente.
Para estimar o efeito desta política
pública em diversos indicadores criminais e no uso da força, os pesquisadores
exploram o fato do emprego de câmeras acopladas à farda pela Polícia Militar do
Estado de São Paulo ter sido introduzida em fases distintas por diferentes
batalhões. Assim, é possível comparar regiões de atuação da polícia onde as
câmeras foram introduzidas com outras áreas de controle, onde não houve o
emprego desta política pública.
Os resultados mostram que o uso de câmeras
acopladas à farda de policiais reduziu as mortes decorrentes de intervenção
policial em 57%, comparando às áreas de atuação da polícia onde as câmeras não
foram introduzidas. As lesões corporais decorrentes de intervenção policial
também diminuíram significativamente, com uma queda de 63%. Ou seja, as
evidências mostram que as intervenções policiais ficaram bem menos letais e
mais seguras após a introdução das câmeras às fardas.
Os pesquisadores demonstram também que o
uso da câmera pela polícia não reduziu prisões em flagrante. Sem alterar assim
o policiamento em regiões que utilizaram as câmeras em relação às áreas de
controle. Diversos indicadores de criminalidade também não sofreram nenhum efeito
negativo, como, por exemplo, o registro de homicídios (não ligados as
atividades policiais), roubos e furtos.
Um efeito interessante é que o uso de
câmeras pela polícia aumentou o registro de porte ilegal de drogas e de armas,
além de ter elevado em mais de 100% dos casos de violência doméstica. Tais
resultados indicam que o uso das câmeras reforça o cumprimento de protocolos de
ocorrências que costumam ser subnotificadas, aumentando assim a eficiência e
eficácia das ações policiais.
Portanto, a adoção das câmeras acopladas à
farda pela polícia de São Paulo foi eficaz para diminuir o uso excessivo da
força, com efeitos positivos no combate à criminalidade e aumentando os
registros de outros delitos, antes não notificados pela polícia.
Este trabalho demonstra também como a
pesquisa de qualidade em economia é uma importante ferramenta para auxiliar e
avaliar as políticas públicas. Na verdade, a maioria das políticas econômicas e
sociais deveriam ser introduzidas em menor escala e avaliadas, ajustando para
possíveis efeitos negativos antes de serem implementadas em larga escala.
Entretanto, vale notar que em outras áreas
temos mais restrições. Em algumas políticas macro de ajuste fiscal, controle da
inflação e gestão da dívida pública, existem dificuldades de experimentações,
já que os custos de uma crise fiscal e prêmio de risco elevados podem minar a
estabilidade dos governos.
Na área de políticas macroeconômicas, cabe
o bom senso de evitar narrativas e ações que podem gerar abalos de confiança
desnecessários, e às vezes contratar crises econômicas, como aconteceu no Reino
Unido com a ex-primeira ministra Liz Truss. O caminho neste caso é buscarmos
ancorar positivamente as expectativas macroeconômicas, de forma a criar as
melhores condições necessárias para os governos implementarem políticas
públicas efetivas. O recomendável aqui é usarmos as referências das teorias de
reconhecida competência, ao lado de experiências históricas nos mais diversos
países, inclusive no Brasil.
*Tiago Cavalcanti é professor
de Economia da Universidade de Cambridge e da FGV-SP.
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