terça-feira, 14 de março de 2023

Pedro Cafardo - Haddad tira o setor produtivo do armário

Valor Econômico

Empresários começam a criticar juros altos e pressionam o Banco Central

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está conseguindo equilibrar o discurso sobre a condução da economia do país. Nos últimos seis anos, o viés neoliberal, imposto pelos governos Temer e Bolsonaro, dominou o discurso, com a eufórica adesão do mercado financeiro e a omissão, para dizer o mínimo, dos setores empresariais.

Quando, há duas semanas, o IBGE publicou os dados sobre o PIB em 2022, a mídia destacou o crescimento de 2,9%, mas com uma ressalva sobre a estagnação da atividade no último trimestre do ano. E, sem receios, atribuiu a mudança de rumo principalmente aos juros elevados.

Um número crescente de formadores de opinião já considera fora de lugar a taxa brasileira. Todos os países avançados têm juros reais, descontada a inflação, negativos. Em nenhum emergente, há taxa real tão elevada quanto a do Brasil, que chegou a 8,8% ao ano e caiu a 7,09% no dia 10. Ontem, no “E Agora, Brasil?”, do Valor e “O Globo”, Haddad observou que “existe uma gordura” no país, que o resto do mundo não tem, para reduzir juros. E inclusive para enfrentar uma possível crise advinda de falência de bancos regionais nos EUA.

Mas não é disso que se pretende tratar aqui, e sim da batalha de comunicação travada por Haddad e seus assessores.

No início de sua gestão, em janeiro, o presidente Lula atacou ferozmente o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Algumas críticas estavam equivocadas, como a que citava a meta de inflação baixa demais, algo fora da responsabilidade do BC.

O ímpeto de Lula, porém, estimulou um discurso não visto no país havia muito tempo. O mercado financeiro e os empresários do setor produtivo conviviam com a política neoliberal sem objeções. Não faziam publicamente restrições ao aperto monetário nem reclamavam do impacto do alto custo do dinheiro nos negócios. Quando Lula iniciou suas críticas, alguns articulistas sugeriram que ele deveria deixar o BC em paz. Um equívoco, porque a autonomia legal do BC deve ser respeitada, mas sua atuação pode e deve sofrer críticas, como a de qualquer outra entidade pública. Deixá-lo em paz seria atribuir-lhe o dom da infalibilidade.

Aos poucos, o setor produtivo vem apoiando Haddad em sua batalha. Josué Gomes da Silva, presidente da Fiesp, disse que a Selic de 13,75% “está errada e já era para o BC estar cortando mais rapidamente a taxa”. Márcio Leite, presidente da Anfavea, afirmou: “Não vamos crescer e retomar a indústria com juros de 30% ao ano ao consumidor”.

Rubens Menin, dono do Banco Inter e da MRV Engenharia, disse ao NeoFeed ser necessário “declarar guerra” ao juro alto. “Fazer negócios numa economia com altas taxas de juros é igual nadar contra a correnteza”, escreveu no Twitter.

Vilmar Ferreira, presidente do Grupo Aço Cearense, em “expressão de opinião” (informe publicitário) no Valor, foi além: “Reduzir os índices inflacionários dependerá mais da valorização do real do que dos altos juros, até porque o custo do dinheiro também compõe os preços dos produtos. Combater a inflação com recessão e juros altos é, no mínimo, um retrocesso”.

Sim, juros altos aterrorizam empresários. Pesquisa da CNI indicou que as elevadas taxas são a principal preocupação de 30,6% dos entrevistados no setor da construção - em segundo lugar vem a pesada carga tributária, com 28,5%.

Antes, só economistas heterodoxos criticavam o BC. Agora, empresários começam a sair do armário e a discordar da ideia de que a alta dosagem de juros é um remédio necessário. Mas estão muito longe ainda do tempo da resistência de Antônio Ermírio de Moraes. Com o guerreiro presidente do grupo Votorantim, o BC não teria paz. Desde março de 2021, o banco aumenta os juros, que saíram de 2% ao ano para os atuais 13,75% sem previsão de redução. Se estivesse por aqui - ele morreu em 2014 -, Ermírio já teria falado em insensatez, em spread absurdo e em lucro pornográfico dos bancos. E diria que tudo isso vai levar o país a mais uma recessão.

A questão central dessa batalha de comunicação está aí: a possível recessão. Haddad e sua turma, tentando usar o “modo diálogo”, vêm conseguindo convencer uma parcela importante da sociedade, inclusive gente do mercado financeiro e editorialistas, de que a dosagem atual dos juros é excessiva. No início desse debate, quando Lula bateu em Campos Neto, entendia-se que ele buscava um bode expiatório para justificar uma possível recessão em 2023. O discurso e as decisões tomadas por Haddad, porém, mudaram o cenário. Ele repôs uma parte da tributação sobre combustíveis e taxou exportações de petróleo, medidas para arrecadar R$ 29 bilhões em 2023 e reduzir o déficit do governo. E fez acordo com governadores para alongar devolução de R$ 26,9 bilhões de ICMS. Com isso, jogou pressão sobre o BC, que não pode continuar com seu argumento sobre as incertezas fiscais para manter os juros nas alturas. Certo ou errado, o discurso colou. Foi um tento da comunicação do ministro. (Outro depende de fogo amigo, mas isso é outra história).

O discurso neoliberal só poderá agora se amparar na necessidade da reforma tributária e do novo “arcabouço fiscal”, a regra para conter despesas em substituição ao famigerado teto de gastos.

Mea-culpa

E por falar em teto de gastos, está chegando a hora do mea-culpa de especialistas e políticos que o aprovaram com louvor no governo Temer. Em 2016, a regra foi aclamada como salvação da pátria: nunca mais governantes abusariam da gastança. Os defensores do teto estão hoje reclusos.

A regra congelou as despesas do governo durante 20 anos e, aos poucos, o país se convenceu de que era mais uma “jabuticaba” brasileira. É simples: se o bolo está congelado e algum componente desse bolo é despesa obrigatória e continua subindo mais que a inflação, vai esmagar o resto do bolo. Os gastos da Previdência e outros imprevistos, como os da pandemia, não couberam no teto e viraram exceções que desmoralizaram a regra.

A principal crítica, porém, é que o teto impede a adoção de políticas anticíclicas, pelas quais os governos tiram recursos da economia quando ela está muito aquecida e os injetam quando desaquece. Em momentos recessivos, portanto, é preciso aumentar gastos, algo impossível com a restrição do teto.

Não houve até agora mea-culpa de entusiastas do teto. E vem aí o novo “arcabouço”. Eta palavrinha horrorosa!

 

2 comentários:

Anônimo disse...

O Brasil tem a maior taxa de juros do mundo e os colunistas viviam repetindo que isto era necessário e bom pra nós... Lula comprou esta briga com os papagaios da mídia e com o bolsonarista que comanda o Banco Central.

Anônimo disse...

Isso!