segunda-feira, 3 de abril de 2023

Maílson da Nóbrega* - A agricultura na reforma tributária

Folha de S. Paulo

Adoção de alíquota única terá consequências positivas para o setor

agricultura será beneficiada com a reforma tributária do consumo. Os créditos de impostos incidentes sobre os bens e serviços adquiridos poderão ser aproveitados. Caso o setor acumule créditos, a devolução será rápida e eficaz. Esta auspiciosa realidade consta de estudo preparado pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), disponível aqui.

Adicionalmente, a agricultura se beneficiará, de forma indireta, dos ganhos de eficiência derivados da reforma, o que implicará redução de custo de insumos e de outros componentes do processo produtivo rural. A desoneração das exportações e dos investimentos aumentará a competitividade do setor e, pois, sua rentabilidade.

A reforma se destina a eliminar o caos da tributação do consumo, a mais distorciva do mundo. Ela é uma das principais —talvez a maior— fontes de ineficiências, da queda de produtividade e do potencial de crescimento do PIB, do emprego e da renda.

O apoio a reforma é consensual. Os estados, que constituíam a maior resistência, estão a favor. Antes, preferiam o confuso ICMS, que utilizavam para atrair investimentos via incentivos fiscais. Agora, deram-se conta de que também perdem. O custo de gestão do tributo é excessivo. A base de arrecadação encolhe por ser limitada e pela generalização na concessão de incentivos.

Felizmente, o país dispõe de duas excelentes propostas, as melhores dos últimos 40 anos, as PECs 45 e 110. A primeira tramita na Câmara; a segunda, no Senado. As discussões em torno delas permitiram que as duas convergissem. Praticamente desapareceram as diferenças.

A reforma criará o Imposto sobre Bens e Serviços, uma incidência sobre o valor agregado (IVA), que substituirá cinco maus tributos: IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS. A simplificação será facilitada pelo fato de o sistema ser totalmente informatizado, tendo por base a nota fiscal eletrônica. A tributação em cascata (cumulatividade) desaparecerá. Haverá, assim, a desoneração integral das exportações e dos investimentos, impossível no sistema atual. Créditos acumulados serão devolvidos em 60 dias ou menos (pelas normas em vigor, pode levar vários anos).

A reforma incorporará o que há de melhor entre os mais de 160 países que adotam o IVA, principalmente regras extremamente simples e, idealmente, alíquota única. Proibirá a concessão de incentivos fiscais, eliminando a teia de benefícios tributários que provocam má qualidade do sistema e guerra fiscal. A alocação de recursos vai melhorar, aumentando a produtividade.

Frente Parlamentar da Agricultura (FPA) apoia a reforma, mas quer a manutenção do atual tratamento tributário do setor. É contra o fim da isenção da cesta básica de consumo, mas a experiência mostrou que esse regime é insatisfatório. Ela não se restringe aos segmentos de baixa renda, pois também beneficia os ricos, que consomem igualmente arroz, feijão, carne, leite, café e outros.

A reforma prevê uma saída melhor: a devolução do imposto pago pelos pobres até um certo valor. Na compra, eles informarão o CPF. Logo em seguida, o valor do imposto pago será devolvido no cartão de programas sociais. Isso será possível porque, além da informatização e da nota fiscal eletrônica, o país conta com amplas bases de dados sociais e com o uso disseminado de cartões eletrônicos. Desse modo, apenas as famílias pobres serão beneficiadas. Não dá para entender por que a FPA se opõe à mudança.

A adoção de uma alíquota única terá consequências positivas, diferentemente do que imagina a FPA. É o que prova o citado estudo do CCiF.

A agricultura é vital para o Brasil, mas preservar tratamentos especiais para segmentos da economia determinará a volta da complexidade da tributação do consumo. A competitiva agricultura brasileira não colheria os frutos dos avanços esperados com a reforma tributária.

*Ex-ministro da Fazenda (1988-1990, governo Sarney) e sócio da Tendências Consultoria

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