segunda-feira, 3 de abril de 2023

Edu Lyra - Circunstâncias mudam, ideias ficam

O Globo

Quando a situação econômica não é favorável, é hora de acelerar, não de diminuir, o ritmo da agenda social

Atravessamos um momento de incertezas na economia. Eventos como a guerra na Ucrânia, o acirramento da competição entre Estados Unidos e China e as recentes altas na taxa global de juros tornam ainda mais difícil a recuperação do mundo pós-pandemia.

Essas circunstâncias agravam a situação econômica do Brasil, já pressionada por problemas estruturais como desemprego, falta de investimentos e inflação.

Tudo indica que estamos à beira de um inverno na economia, com desaceleração do crescimento em escala global. Diante desse clima de incerteza, é compreensível que o setor privado comece a refazer cálculos e a rever alguns gastos.

Os investimentos sociais são alguns dos primeiros a passar por esse tipo de escrutínio. As empresas raciocinam que, colocando menos dinheiro em projetos sociais, em programas educativos e de capacitação profissional ou em iniciativas sustentáveis, estarão mais bem preparadas para atravessar as turbulências na economia.

Essa postura não apenas é contraproducente, como ilustra bem a diferença entre aqueles que tomam decisões ao sabor das circunstâncias e aqueles que se baseiam em ideias sólidas.

Conjunturas mudam a toda hora. A economia é cheia de subidas e descidas imprevisíveis, em ritmo vertiginoso. Boas ideias, no entanto, conseguem atravessar sem um arranhão esse terreno movediço, pois apontam para objetivos muito mais abrangentes e ambiciosos.

Quem atua na área social não pode se basear em circunstâncias. O líder de uma ONG na favela, o educador voluntário, o profissional de saúde que atende comunidades ribeirinhas ou o agente ambiental não podem esperar o fim da crise para realizar seu trabalho. Muito pelo contrário, é quando as circunstâncias do país pioram que seu trabalho se torna ainda mais essencial.

Períodos de incerteza na economia servem para testar se nossas elites empresariais realmente têm como norte as ideias expressas na sigla em inglês ESG — environmental (ambiental), social (social) e governance (governança). Será que a sociedade brasileira está preparada para dar prioridade a mazelas como pobreza, desigualdade e degradação do meio ambiente? Ou esse compromisso só vale da boca para fora?

É fundamental que o setor privado entenda que a manutenção do investimento social é benéfica também do ponto de vista puramente financeiro. Nenhum país supera momentos de crise sem investir em seu capital humano, apostar em tecnologia e inovação, fortalecer seu mercado interno e capacitar sua mão de obra para ampliar a produtividade. Quando as circunstâncias econômicas não são favoráveis, é hora de acelerar, não de diminuir, o ritmo da agenda social.

Essa deve ser a convicção de nossos filantropos. Se o Brasil e o mundo atravessarem um período de crise, precisamos de uma elite, no melhor sentido da palavra, verdadeiramente compromissada com um ideário social, que use seu poder político e econômico para fazer frente às circunstâncias e para manter ativos os programas mais promissores de combate à pobreza.

Tempos de crise são oportunos para que um povo mostre que não é motivado pelas circunstâncias, mas sim por grandes ideias.

 

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