segunda-feira, 3 de abril de 2023

Carlos Pereira - Lula e suas coalizões incongruentes

O Estado de S. Paulo.

Ignorar preferências do Congresso gera mais derrotas e maior custo governativo

A interpretação dominante das relações executivo-legislativo em sistemas presidencialistas é a de que o número de cadeiras ocupadas pelo partido do presidente no Congresso é o fator mais importante para explicar seu sucesso no legislativo.

Entretanto, em ambientes multipartidários, como o brasileiro, mesmo presidentes majoritários podem enfrentar maiores dificuldades para aprovar a sua agenda.

Por que a maioria numérica de cadeiras no legislativo ocupadas pelos partidos que fazem parte da coalizão presidencial não é condição suficiente para que o presidente governe de forma bem-sucedida?

No artigo Congruent we Govern, escrito em parceria com Frederico Bertholini e Marcus Melo, mostro que a variável chave para explicar o sucesso legislativo de presidentes em ambientes multipartidários não é o tamanho da maioria, mas a congruência de preferências ideológicas entre a coalizão e o plenário do Congresso.

Coalizões que espelham a preferência mediana do Congresso geram mais sucesso legislativo ao presidente a baixo custo. Por outro lado, quando as preferências da coalizão e do plenário são incongruentes, o presidente tende a enfrentar mais derrotas e o custo de gerenciar essa coalizão aumenta.

A partir de nove rodadas de surveys com os parlamentares de 1990 a 2021 (Zucco e Power), identifiquei que existe uma grande variação na composição ideológica das coalizões presidenciais desde Sarney até Lula 3.

Algumas coalizões são mais congruentes com o plenário, como a do governo FHC 1. Por outro lado, as coalizões dos governos Bolsonaro e Lula 3 apresentaram o nível de incongruência com o plenário muito parecido, variando apenas o sinal do polo, que é invertido. Enquanto a coalizão de Bolsonaro foi mais à direita da preferência da Câmara, a de Lula 3 é mais à esquerda.

Embora a coalizão de Lula 3 seja menos incongruente com o plenário do que a de seus governos anteriores, o que sugere aprendizado, ela, a despeito de possuir um maior número de partidos (14), só gera maioria simples, é ideologicamente mais heterogênea e não aloca de forma proporcional poderes e recursos levando em consideração o peso político dos parceiros.

Talvez não seja por acaso que o governo Lula 3 tenha decidido ter nada menos do que 37 ministérios e reproduzir o orçamento secreto criado por Bolsonaro ao centralizar no Ministério das Relações Institucionais a execução de recursos discricionários na ordem de R$ 25 bilhões como RP2. Ainda é cedo, entretanto, para saber se essa estratégia vai proporcionar sucesso legislativo.

*Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV Ebape)

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