segunda-feira, 3 de abril de 2023

Caetano Araújo* - Razões para recusar a ampliação da federação para incluir o Podemos

1 – Consolida-se no mundo, nas relações entre os países e no interior de cada estado nacional a oposição entre democracia e autoritarismo. Num processo desigual no espaço e no tempo, pleno de descompassos e tensões, caminham para o alinhamento no campo democrático os defensores das agendas da equidade e da inclusão, da sustentabilidade e do avanço do multilateralismo para a resolução dos problemas cada vez mais globais. Resistem, do outro lado, num processo de aproximação também contraditória, as correntes defensoras das vias nacionais e autárquicas de desenvolvimento, mescladas com posicionamentos explicitamente xenófobos e negacionistas da crise ambiental em curso, com suas consequências desastrosas em termos sociais, econômicos e sanitários.

2 – As manifestações políticas dessa oposição assumem forma variada em cada país. Nos Estados Unidos, está presente na disputa entre democratas e trumpistas, na Europa, nas várias frentes que se articulam em oposição ao avanço extrema direita. Nos países em que a democracia já claudicou, por sua vez, a frente é ainda mais ampla, de resistência permanente à consolidação dos regimes autoritários.

3 – Em todos os países o caldo de cultura do autoritarismo é o mesmo: os sentimentos de insegurança e medo das mudanças provocadas pelo avanço do processo de globalização. No Brasil, particularmente, dois vetores foram relevantes para o crescimento do autoritarismo. Primeiro, a deslegitimação da política institucional, a partir da divulgação dos episódios de corrupção conhecidos como mensalão e petrolão. Segundo, a crise econômica que alcançou tardiamente o país, agravada por erros de condução na política econômica dos governos de então. A sequência desses eventos levou sucessivamente ao impedimento de Dilma Roussef, ao esvaziamento do governo Temer e à vitória, em 2018, do candidato Bolsonaro, representante confesso da extrema direita nacional, articulada organicamente com lideranças políticas e intelectuais afins em outros países.

4 – Logo após a posse do novo governo, as consequências deletérias de sua agenda política se fizeram sentir. Aumento da violência entre as pessoas, destruição ambiental, aprofundamento da crise econômica, maior desigualdade e exclusão social, isolamento internacional e, mais importante, ameaças cotidianas ao ordenamento democrático vigente no país. Ao longo desse período o Cidadania posicionou-se coerentemente em oposição ao governo, apoiou no primeiro turno das eleições de 2022 a candidatura de Simone Tebet e integrou, no segundo turno, a frente ampla democrática que se constituiu em torno da candidatura Lula.

5 – A tentativa de golpe ocorrida em 8 de janeiro, o apoio passivo que mereceu de parcelas importantes da população e a persistência de setores relevantes do eleitorado seduzidos pela solução autoritária mostram, contudo, que as tarefas da frente ampla democrática não se esgotaram no segundo turno das eleições. A democracia permanece em risco e o governo Lula deve ser apoiado por todos os democratas enquanto esse risco persistir. Nesse sentido, foi correta também a decisão da direção do Cidadania, que manifestou apoio do partido ao novo governo.

6 – Consideramos que essa política deve ser mantida. Não há espaço político e eleitoral hoje para uma frente democrática de oposição. Há divergências históricas entre o Cidadania e o programa implementado pelos governos anteriores do PT. Hoje contudo todas essas divergências estão representadas também por outros atores no interior do governo e nosso papel deve ser a participação no debate interno do campo governista, de forma aberta e corajosa, sem omitir ou escamotear as críticas pertinentes.

7 – Não partilhamos, contudo, essa posição com nosso parceiro federado, o PSDB, que sinaliza o caminho da construção de uma oposição democrática ao governo Lula. Consideramos essa posição um equívoco político e eleitoral, que dificilmente atingirá o objetivo declarado de construção de um bloco democrático capaz de enfrentar, simultaneamente, o PT e o bolsonarismo. No entanto, uma vez que a federação é um pacto com data de vencimento, devemos discutir de forma fraterna com nossos parceiros como equacionar essa diferença política de fundo, particularmente na montagem das chapas e na campanha para as eleições de 2024. Temos que definir regras de convivência e de resolução de conflitos, regras que, ao contrário das que vigoraram em 2022, venham a ser observadas.

8 – Nossa posição é, também, contrária à toda tentativa de ampliação da federação com a incorporação do Podemos, inclusive à participação de conversas preliminares sem a autorização prévia do Diretório Nacional do Cidadania. A política deve determinar as estratégias eleitorais e parlamentares, não o contrário. E não há razões políticas ou programáticas que justifiquem a associação eleitoral, por quatro anos, com o Podemos. Com esse partido não temos afinidade na vertente social-democrata de nossa agenda, tampouco na vertente ambientalista e sequer, talvez, na vertente liberal. Podemos e devemos conviver e cooperar com ele no âmbito da frente ampla democrática de apoio ao governo, mas a apresentação conjunta, na mesma federação, na disputa eleitoral resultará em apagamento da nossa identidade e consequente desastre político e eleitoral para nós.

9 – Devemos, em vez de pensar em ampliar a federação, intensificar o diálogo com o PSDB, de forma a facilitar a construção de chapas competitivas para 2024. Convencer, além disso, ao partido parceiro a encampar, nesse processo, a diretriz maior de derrota política e eleitoral do bolsonarismo e, no âmbito dessa diretriz, o objetivo de maximizar o resultado dos dois partidos nas eleições de prefeitos e vereadores, somando esforços, abrindo espaços para os candidatos mais competitivos em cada situação local.

10 – Paralelamente, precisamos construir canais de diálogo regular com o governo e, dentro dele, com nossos parceiros históricos, como Rede, PV, PSB, MDB e PDT, de forma a chegar em 2026 em condições de operar uma verdadeira ampliação, política e programática, de nossa federação, para construir um ator político capaz de encarnar, ao contrário do que aconteceu em 2018 e 2022, um polo relevante na política nacional.

*Caetano Araújo. Sociólogo, Membro do Conselho da FAP e do Diretório Nacional do Cidadania.

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