O Globo
Lula e os seus engajam-se na operação
populista de eleger o 'traidor da pátria' destinado a servir como álibi e foco
de mobilização da base fiel
‘Arrogância
do BC de Guedes e Bolsonaro não tem limites: querem desacelerar ainda mais a
economia e manter juros na estratosfera. O Brasil que se dane, segundo o
Copom.’ O tuíte de Gleisi
Hoffmann, síntese da campanha do governo e do PT contra
o Banco Central, não resiste ao gráfico da evolução histórica da Selic.
Bolsonaro queria incinerar os livros de
epidemiologia. Lula declarou,
há pouco, que “os livros de economia estão superados”. A crença rondava a mente
de Dilma
Rousseff quando ela se sentou na cadeira presidencial. A “nova
matriz macroeconômica” pilotada por Guido Mantega e pelo obediente BC de
Alexandre Tombini baseava-se na ideia primitiva de que o crescimento flui da
explosão do gasto e do crédito públicos, sob política monetária expansiva.
O experimento monetário heterodoxo começou em julho de 2011. Dali a outubro de 2012, numa conjuntura de economia aquecida, a Selic desabou de 12,5% para 7,25%. Deu ruim. A inflação crepitou, e o BC foi obrigado a engatar marcha a ré, alçando os juros até a estratosfera de 14,25% em julho de 2015. Contudo ninguém no PT acusou a presidente de conluio com a maligna Faria Lima.
Feito o impeachment, Temer colocou no BC
Ilan Goldfajn, descrito no discurso petista como o próprio Belzebu: um
“neoliberal” a serviço dos banqueiros. Sob o satânico Goldfajn, porém, a Selic
sofreu contínua redução, até pousar em 6,5%, em março de 2018. Era a resposta
indicada nos tais livros de economia à profunda recessão gerada pelo
negacionismo econômico petista.
Bolsonaro indicou Roberto
Campos Neto para o BC e, ainda em 2019, o Congresso aprovou a
lei de autonomia da autoridade monetária. O Belzebu II seguiu reduzindo a
Selic, até 4,25%, em fevereiro de 2020, e mais ainda, sob a contração econômica
provocada pela pandemia, a 2% em agosto daquele ano. Não consta que o PT tenha
saudado Campos Neto como um ousado combatente na guerra santa contra os
celerados banqueiros. Nem haveria motivo: como seu antecessor, ele apenas
adotava o protocolo consagrado de política monetária.
Juros caem, juros sobem. O mesmo Belzebu II
elevou a Selic ao patamar atual de 13,75%, atingido em agosto de 2022. Não
prestava serviço aos demoníacos rentistas, mas reagia à folia fiscal de Guedes,
que desmoralizava o teto de gastos para auxiliar a campanha de reeleição de seu
mestre. Naqueles dois anos de altas sucessivas dos juros, não se ouviu do PT
nenhuma indignada condenação do BC.
— A taxa de juros não tem explicação para
nenhum ser humano no Planeta Terra — decretou Lula, sem ler as atas do Copom e
excluindo da humanidade nossos mais destacados economistas.
Há figuras notáveis que concordam. Um é o
Nobel Joseph Stiglitz, que preferiu pontificar no BNDES a voltar à Argentina
esmagada pela obra inflacionária de seu discípulo Martín Guzmán, a quem
expressou apoio integral no início do governo de Alberto
Fernández. Outro é André Lara Resende, em sua encarnação heterodoxa,
convertido em arauto da curiosa tese de que a dívida pública em moeda nacional
pode crescer à vontade, sem impactos negativos.
Existe um debate legítimo a travar sobre
juros, aqui e lá fora, num ciclo internacional marcado por choques estruturais
como a pandemia, a desglobalização e a guerra na Ucrânia. A
renitente inflação brasileira tem componentes diversos, e sempre é possível
errar na calibragem dos juros. São temas complexos, mesmo para especialistas.
O gráfico histórico da Selic não prova que
o Copom tem razão — ou que não tem. O que ele faz é desmascarar a natureza
farsesca da campanha contra o BC.
O bombardeio do governo e do PT tem efeito
contraproducente. Diante da pressão, o BC é impelido a atestar sua autonomia, a
fim de conservar a credibilidade da política monetária, e isso contribui para
retardar a queda da Selic. Lula e os seus sabem disso — mas não buscam, de
fato, a queda dos juros. Engajam-se na operação populista de esculpir um
inimigo conveniente: o “traidor da pátria” destinado a servir como álibi e foco
de mobilização da base fiel.
— O Brasil não merece isso — tuitou Gleisi,
exprimindo uma verdade involuntária.
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