Valor Econômico
O novo regime fiscal abre uma necessária
discussão sobre como lidar com a questão fiscal olhando para a frente
Março não foi um mês fácil: da crise
bancária nos EUA, com repercussões na Europa, ao acirramento das tensões
políticas aqui no Brasil, o mês oscilou de um clima de grande estresse para
outro de mais otimismo, como refletido, por exemplo, na taxa de câmbio, que
fechou o mês com razoável valorização contra do dólar americano. O lançamento
dos princípios básicos do novo arcabouço fiscal pode ajudar a potencializar
essa melhoria de expectativas.
Lá fora, o que ficou de mais duradouro parece ser a expectativa de que os bancos centrais nos EUA (Fed) e na Área do Euro (BCE) subam bem menos os juros do que se previa antes. As apostas no mercado futuro para a taxa de juros de dezembro nos EUA, por exemplo, caíram 0,75 ponto percentual em março, com o mercado prevendo que o Fed não terá mais apetite para promover tanto aperto, com receio de que mais bancos quebrem. Isso beneficiou as ações, que fecharam o mês em alta, ao mesmo tempo em que enfraqueceu o dólar.
A inflação caiu tanto nos EUA como na Europa, refletindo os preços mais baixos de energia, o que também ajudou a promover essa visão mais favorável a menos aperto monetário. A verdade, porém, é que mesmo com uma menor expansão do crédito, conforme os bancos procuram se proteger, a atividade segue firme em ambos os casos, puxada por ótimo desempenho do setor de serviços. Isso vai manter o mercado de trabalho aquecido, o que tende a se traduzir em alta dos salários e mais pressão inflacionária.
O cenário em ambas as regiões, portanto, é
de inflação resiliente em patamares mais baixos do que no último par de anos,
mas longe das metas. A atividade vai desacelerar gradualmente, refletindo o
aperto monetário do último ano, mas uma recessão ficou mais improvável. Há um
risco razoável, porém, que surpresas inflacionárias voltem a pressionar os
bancos centrais (BCs) e no segundo semestre estejamos outra vez discutindo
subir os juros.
Esperar cortes até o fim do ano me parece
certamente um excesso de otimismo. Pressionados entre a inflação e o risco de
uma crise financeira, a postura mais provável dos BCs é mexer pouco nos juros e
trabalhar os instrumentos de regulação prudencial para acelerar o ajuste do
sistema financeiro a um mundo de taxas de juros mais altas do que nos últimos
15 anos.
Esse não é um cenário de todo mal para
emergentes como o Brasil. Em especial, menos aperto monetário e dólar mais
fraco reduzem a pressão sobre nossa taxa de câmbio, ajudando a trazer a
inflação para baixo. E com a economia chinesa se recuperando do baixo
crescimento provocado pelo combate à covid, junto com uma desaceleração mais
branda do que antes previsto nas economias avançadas, o preço das commodities
tende a se manter em um patamar favorável.
Isso não significa, porém, que nossos
desafios sejam pequenos, ao contrário. Preocupa, nesse sentido, que o novo
governo se aproxime do marco dos 100 primeiros dias sem ter avançado uma agenda
mais clara de respostas a esses desafios. Ao contrário, o foco nesse primeiro
trimestre foi, me parece, no passado e em falsos problemas. Refiro-me aqui a
toda uma agenda voltada para tentar desfazer avanços importantes obtidos nos
últimos sete anos, em geral fruto de longa discussão pública e que vêm
mostrando bons resultados, da reforma trabalhista aos avanços no mercado de
capitais alcançados com o controle dos gastos e o limite aos subsídios
creditícios dados por bancos públicos.
O novo arcabouço fiscal é, nesse sentido,
um avanço importante, na medida em que abre uma necessária discussão sobre como
lidar com a questão fiscal olhando para a frente, como já ocorria com relação à
reforma tributária.
Tem havido dois tipos de reação à proposta
anunciada de novo arcabouço fiscal. A primeira, mais positiva, enfatiza o
benefício de se propor um limite ao aumento dos gastos e metas de resultado primário.
Ainda que menos ambiciosas que o Teto de Gastos, já que impõem um crescimento
real mínimo para o gasto, as metas pelo menos limitam o aumento das despesas a
patamares em princípio mais baixos do que o que se observou em 2003-10.
A reação negativa, por outro lado, mira
mais no fato de que o ajuste fiscal é quase integralmente voltado para elevar a
carga tributária e que as metas de superávit propostas pelo governo, além de
muito difíceis de serem alcançadas com o aumento proposto de gastos, tendem a
ser insuficientes para impedir uma alta pronunciada da dívida pública, na
ausência de uma forte queda da taxa de juros e uma aceleração mais
significativa do crescimento, nenhuma das duas esperadas pela maioria dos
analistas.
Tudo indica, portanto, que o debate sobre
as perspectivas fiscais para o próximo quadriênio está apenas começando. Até
porque, como todos reconhecem, há muitos detalhes ainda não conhecidos, que só
serão divulgados quando o projeto de lei for enviado ao Congresso. O fato de
que o debate pode com isso transitar para o que vem para a frente, saindo do
foco no passado que marcou a maior parte desses primeiros 100 dias, é um ganho
relevante.
*Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ; pesquisador-associado do FGV Ibre
Nenhum comentário:
Postar um comentário