segunda-feira, 3 de abril de 2023

Armando Castelar Pinheiro* - A caminho dos 100 dias

Valor Econômico

O novo regime fiscal abre uma necessária discussão sobre como lidar com a questão fiscal olhando para a frente

Março não foi um mês fácil: da crise bancária nos EUA, com repercussões na Europa, ao acirramento das tensões políticas aqui no Brasil, o mês oscilou de um clima de grande estresse para outro de mais otimismo, como refletido, por exemplo, na taxa de câmbio, que fechou o mês com razoável valorização contra do dólar americano. O lançamento dos princípios básicos do novo arcabouço fiscal pode ajudar a potencializar essa melhoria de expectativas.

Lá fora, o que ficou de mais duradouro parece ser a expectativa de que os bancos centrais nos EUA (Fed) e na Área do Euro (BCE) subam bem menos os juros do que se previa antes. As apostas no mercado futuro para a taxa de juros de dezembro nos EUA, por exemplo, caíram 0,75 ponto percentual em março, com o mercado prevendo que o Fed não terá mais apetite para promover tanto aperto, com receio de que mais bancos quebrem. Isso beneficiou as ações, que fecharam o mês em alta, ao mesmo tempo em que enfraqueceu o dólar.

A inflação caiu tanto nos EUA como na Europa, refletindo os preços mais baixos de energia, o que também ajudou a promover essa visão mais favorável a menos aperto monetário. A verdade, porém, é que mesmo com uma menor expansão do crédito, conforme os bancos procuram se proteger, a atividade segue firme em ambos os casos, puxada por ótimo desempenho do setor de serviços. Isso vai manter o mercado de trabalho aquecido, o que tende a se traduzir em alta dos salários e mais pressão inflacionária.

O cenário em ambas as regiões, portanto, é de inflação resiliente em patamares mais baixos do que no último par de anos, mas longe das metas. A atividade vai desacelerar gradualmente, refletindo o aperto monetário do último ano, mas uma recessão ficou mais improvável. Há um risco razoável, porém, que surpresas inflacionárias voltem a pressionar os bancos centrais (BCs) e no segundo semestre estejamos outra vez discutindo subir os juros.

Esperar cortes até o fim do ano me parece certamente um excesso de otimismo. Pressionados entre a inflação e o risco de uma crise financeira, a postura mais provável dos BCs é mexer pouco nos juros e trabalhar os instrumentos de regulação prudencial para acelerar o ajuste do sistema financeiro a um mundo de taxas de juros mais altas do que nos últimos 15 anos.

Esse não é um cenário de todo mal para emergentes como o Brasil. Em especial, menos aperto monetário e dólar mais fraco reduzem a pressão sobre nossa taxa de câmbio, ajudando a trazer a inflação para baixo. E com a economia chinesa se recuperando do baixo crescimento provocado pelo combate à covid, junto com uma desaceleração mais branda do que antes previsto nas economias avançadas, o preço das commodities tende a se manter em um patamar favorável.

Isso não significa, porém, que nossos desafios sejam pequenos, ao contrário. Preocupa, nesse sentido, que o novo governo se aproxime do marco dos 100 primeiros dias sem ter avançado uma agenda mais clara de respostas a esses desafios. Ao contrário, o foco nesse primeiro trimestre foi, me parece, no passado e em falsos problemas. Refiro-me aqui a toda uma agenda voltada para tentar desfazer avanços importantes obtidos nos últimos sete anos, em geral fruto de longa discussão pública e que vêm mostrando bons resultados, da reforma trabalhista aos avanços no mercado de capitais alcançados com o controle dos gastos e o limite aos subsídios creditícios dados por bancos públicos.

O novo arcabouço fiscal é, nesse sentido, um avanço importante, na medida em que abre uma necessária discussão sobre como lidar com a questão fiscal olhando para a frente, como já ocorria com relação à reforma tributária.

Tem havido dois tipos de reação à proposta anunciada de novo arcabouço fiscal. A primeira, mais positiva, enfatiza o benefício de se propor um limite ao aumento dos gastos e metas de resultado primário. Ainda que menos ambiciosas que o Teto de Gastos, já que impõem um crescimento real mínimo para o gasto, as metas pelo menos limitam o aumento das despesas a patamares em princípio mais baixos do que o que se observou em 2003-10.

A reação negativa, por outro lado, mira mais no fato de que o ajuste fiscal é quase integralmente voltado para elevar a carga tributária e que as metas de superávit propostas pelo governo, além de muito difíceis de serem alcançadas com o aumento proposto de gastos, tendem a ser insuficientes para impedir uma alta pronunciada da dívida pública, na ausência de uma forte queda da taxa de juros e uma aceleração mais significativa do crescimento, nenhuma das duas esperadas pela maioria dos analistas.

Tudo indica, portanto, que o debate sobre as perspectivas fiscais para o próximo quadriênio está apenas começando. Até porque, como todos reconhecem, há muitos detalhes ainda não conhecidos, que só serão divulgados quando o projeto de lei for enviado ao Congresso. O fato de que o debate pode com isso transitar para o que vem para a frente, saindo do foco no passado que marcou a maior parte desses primeiros 100 dias, é um ganho relevante.

*Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ; pesquisador-associado do FGV Ibre

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