terça-feira, 18 de abril de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

‘Neutralidade’ de Lula revela apoio tácito à Rússia

O Globo

Movimentos em relação ao conflito ucraniano representam erros de ordem factual, moral e diplomática

Os últimos movimentos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação à guerra na Ucrânia demonstram não a neutralidade que ele e o Itamaraty afirmam manter em relação ao conflito, mas uma posição tacitamente favorável aos interesses da Rússia. Ao assumi-la, Lula comete erros de ordem factual, moral e diplomática.

Na escala em Abu Dhabi voltando da China, Lula afirmou que “a decisão da guerra foi tomada por dois países”, repetindo o que dissera no ano passado, quando afirmou que o ucraniano Volodymyr Zelensky é “tão responsável” pela guerra quanto o russo Vladimir Putin. Os fatos desmentem Lula. A Rússia invadiu o território ucraniano de modo injustificável e, desde então, a Ucrânia viveu um êxodo de quase um quinto da população e soma perto de 150 mil mortos. Putin é acusado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) de crimes contra a humanidade por massacres em território ucraniano. Ao pôr no mesmo patamar a agressão russa e a resistência ucraniana, Lula incorre em disparate semelhante ao de Donald Trump quando, diante da violência da extrema direita em Charlottesville em 2017, disse haver “gente ruim dos dois lados”. Não há comparação possível.

Mesmo que tenha tentado consertar dizendo que a Rússia não poderá ficar com todo o território ucraniano conquistado, sua simpatia pelo lado russo é evidente. Para começar, ele tem repetido que a Ucrânia não poderá voltar a ocupar a Crimeia, anexada em 2014. Levando em conta a evolução do conflito, é provável que tenha razão. Mas, se Lula deseja se credenciar como negociador da paz e reivindica “neutralidade”, no mínimo não deveria manifestar opinião sobre concessões (a Ucrânia reivindica soberania sobre a Crimeia e territórios ocupados).

Além disso, enviou para encontrar Putin seu assessor especial e homem de confiança Celso Amorim. Nesta segunda-feira recebeu em Brasília o chanceler russo Sergei Lavrov. Nenhum movimento similar de aproximação foi feito em direção aos ucranianos. Ao contrário, Lula rejeitou enviar-lhes munição e criticou americanos e europeus por continuarem a armá-los. Em seu apoio a cada dia menos velado à Rússia, vai além até do antecessor, Jair Bolsonaro, que visitou Putin, mas às vésperas da invasão.

Nada disso quer dizer que, como princípio, a neutralidade esteja errada. Embora o Brasil deva empenhar solidariedade à Ucrânia — regime democrático atacado por uma autocracia —, pragmatismo também é valor essencial em política externa. Não interessa ao país assumir lado no conflito subjacente, entre Estados Unidos (pró-Ucrânia) e China (pró-Rússia). No discurso, Lula tenta imitar os não alinhados da Guerra Fria. De um lado, flerta com o americano Joe Biden, outro líder de uma democracia agredida por extremistas. De outro, proclama uma moeda alternativa à hegemonia do dólar, num aceno ao chinês Xi Jinping. Mas, se comercialmente o Brasil tem muito a ganhar com a aproximação da China, nada leva com o apoio à Rússia.

A tradição de não alinhamento poderia ser seguida de modo mais produtivo em questões onde a voz do Brasil importa, como mudanças climáticas ou transição na Venezuela. Em vez disso, dentre quase 130 “neutros” no conflito ucraniano, o Brasil é o único que se meteu a criar um “clube da paz” e flerta abertamente com a Rússia. O perigo de provocar os americanos e europeus é evidente: Lula arrisca levar um tombo.

Modelo atual de ensino médio pune mais pobres e perpetua desigualdade

O Globo

Entre os menos favorecidos, evasão escolar é de 54%. Entre os mais ricos, de apenas 6%, revela estudo

A cada ano, 500 mil jovens com mais de 16 anos abandonam a escola no Brasil. A evasão, tratada como “tragédia silenciosa” em estudo da Firjan e do Sesi, pune os menos favorecidos e aprofunda a desigualdade. Entre os alunos mais pobres, menos da metade conclui os estudos (54% largam). Entre os mais ricos, a evasão escolar atinge apenas 6%.

O resultado mostra a relevância da reforma do ensino médio aprovada em 2017, cuja implementação foi suspensa pelo ministro da Educação, Camilo Santana, em meio a um debate histérico e pouco produtivo. Um dos principais objetivos da mudança é justamente aumentar a carga horária e readequar o currículo para melhorar a formação técnica e profissional, de modo a contribuir com o projeto de vida do aluno e evitar que ele tenha de largar o estudo para trabalhar.

É verdade que são necessários ajustes para alcançar as metas, mas seria um erro gravíssimo abandonar a reforma e manter o quadro lastimável descrito pelos pesquisadores, como querem setores do PT, sindicatos, organizações estudantis e a extrema esquerda. É evidente que uma escola que não consegue reter os alunos não funciona.

O estudo, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), demonstra que a situação atual perpetua a pobreza. Os estudantes que ficam pelo caminho recebem salário 25% menor e vivem três anos a menos. Quando os índices de evasão são comparados aos de países em estágio similar de desenvolvimento, fica claro o atraso. No Brasil apenas 60,3% concluem o ensino médio até 24 anos, ante 67,8% no México, 74,9% na Costa Rica, 75,2% na Colômbia e 93,4% no Chile. Se a evasão aqui fosse igual à chilena, o país deixaria de perder R$ 135 bilhões por ano em custos associados.

São várias as causas apontadas para a debandada: repetência, distorção entre idade e série, falta de engajamento, dificuldades econômicas e falta de projeto de vida. A pandemia também é citada como agravante. No Brasil, as escolas ficaram fechadas 40 semanas, ante 29 na média de outros países. Sem ter como seguir aulas on-line, muitos alunos foram prejudicados.

Entre as boas práticas na área, o estudo cita exemplos do Canadá — onde um programa oferece, além de auxílio financeiro mensal, apoio para o projeto de vida e recuperação da aprendizagem — e de Nova York, que oferece a jovens de 14 a 24 anos atividades profissionais remuneradas e oportunidades de carreira.

A entrada em vigor da reforma do ensino médio apenas expôs problemas existentes, como falta de infraestrutura das escolas, deficiência na formação dos professores e dificuldade dos alunos mais vulneráveis em acompanhar as aulas. Mas eles não surgiram agora. O governo precisa fazer os ajustes necessários — como recalibrar a carga horária, dedicando mais tempo para as disciplinas básicas —, mas é essencial seguir em frente com a reforma. Seria um retrocesso manter o atual modelo de ensino médio, que exclui os alunos que mais precisam dele.

Diplomacia de risco

Folha de S. Paulo

Lula assume custo político desnecessário ao se alinhar a Pequim e a Moscou

Um dos fundamentos de qualquer política externa é a proporcionalidade entre pretensão e condições objetivas de sustentar uma posição, seja por peso relativo econômico, influência em campos específicos ou mera força militar.

Em seus dois primeiros mandatos, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), aproveitando a onda gerada pelo apetite chinês por commodities, lançou o Brasil naquilo que chamava de diplomacia ativa e altiva.

Os resultados foram mistos. O Brasil teve de fato mais destaque, mas também passou vergonhas, como no fracassado acordo nuclear que tentou mediar no Irã.

Sobrevieram anos de recuo devido à crise econômica e à desconstrução externa sob Jair Bolsonaro (PL). O solo calcinado era propício a Lula, de volta ao poder. O petista, apesar da paixão por ditaduras esquerdistas, começou bem o jogo.

Reuniu-se com vizinhos e com o congênere americano Joe Biden, cujo governo empenhou-se de forma notável na defesa da transição democrática ameaçada por Bolsonaro. Fez uma proposta genérica para negociar a paz na Ucrânia, improvável mas de baixo custo.

Lula, contudo, começou a perder a mão na dosimetria. Altivez é louvável, claro, e assenta-se na tradição de não alinhamento do Itamaraty. Mas o mundo de 2023 é complexo, com um conflito brutal em curso na Europa, inserido na disputa geopolítica que opõe China e Rússia aos EUA e seus aliados.

Países como Brasil, Índia e Turquia tentam equilibrar-se entre polos, porém isso requer estofo. Os indianos, por exemplo, têm uma economia com 1,4 bilhão de habitantes e armas nucleares.

Assim, a retórica antiamericana assumida por Lula em Pequim, viagem de resto natural dada a condição chinesa de maior parceiro comercial do Brasil, embute riscos. O presidente falou em independência ante o dólar e criticou o belicismo dos EUA na Guerra da Ucrânia.

Sobre o conflito, o petista já havia negado munição a Kiev —e candidamente sugeriu perdas territoriais em troca da paz. Mais grave, declarou que os agredidos são tão culpados quanto os agressores.

Além disso, enviou o assessor Celso Amorim a Moscou e recebeu o chanceler Serguei Lavrov, que iniciou pelo Brasil um giro que incluirá as ditaduras esquerdistas da Venezuela, Nicarágua e Cuba.

Ainda que o Brasil tenha condenado a guerra na ONU, o ministro Mauro Vieira (Relações Exteriores) preferiu criticar as sanções contra Moscou ao lado do russo.

Se é certo que a multipolaridade veio para ficar, sem apostar nos temas em que tem autoridade, como mudança climática ou segurança alimentar, Lula sinaliza ter escolhido um lado e corre o risco de virar apenas coadjuvante da briga alheia.

Entre o átomo e o carvão

Folha de S. Paulo

Alemanha fecha usinas nucleares e cria desafio para diminuir emissão de carbono

O fechamento de três derradeiras centrais nucleares põe termo a 62 anos de energia atômica na Alemanha. Essa fonte chegou a representar um terço da matriz elétrica germânica, depois reduzida a cerca de 6%. Contudo a renúncia a ela contrasta com a política energética de países europeus e asiáticos.

A decisão de descomissionar as centrais de Emsland, Isar 2 e Neckarwestheim veio após o desastre de 2011 em Fukushima, no Japão. Fixou-se o prazo de 2022, mas o temor de insegurança energética e preços em disparada —com a guerra na Ucrânia e os cortes no gás natural russo— forçaram o adiamento por três meses e meio.

A França, campeã em geração nuclear da Europa, vai manter 57 reatores em atividade. A Bélgica postergou fechamentos. O Reino Unido reativou planos para novas usinas. Quase metade da União Europeia, 13 de 27 países, seguirá utilizando energia nuclear.

No mundo há 422 reatores que geraram 10% da eletricidade consumida em 2021. Em 1996, eram 17,5%. A fatia pode voltar a crescer, puxada pela Ásia e pela necessidade de reduzir emissões de carbono para conter o aquecimento global.

O próprio governo japonês desistiu de abandonar centrais atômicas. A China, que já produz mais eletricidade nuclear que a França, planeja 47 novas usinas. Rússia e Índia seguem na mesma trilha.

A derrocada atômica na Alemanha representa vitória do Partido Verde. Ironicamente, ela vem acompanhada de aumento na queima de carvão mineral, combustível fóssil que mais afeta o clima.

Críticos, dentro e fora do país, duvidam da capacidade alemã de suprir a demanda com fontes eólica e fotovoltaica e de manter os compromissos de descontinuar o carvão mineral em 2038 e obter descarbonização completa em 2045. Para eles, a energia nuclear seria imprescindível na transição.

Falaram mais alto no governo de Olaf Scholz o risco de acidentes e o desafio da disposição final de centenas de contêineres com resíduos radioativos, que precisam de estocagem por milhares de anos.

Nem o governador da Baviera, Markus Soeder, contrário ao fechamento, aceita depósitos no estado.

A aposta alemã é alta, talvez arriscada demais, mesmo para uma economia com alta capacidade de inovação e investimento. Na eventualidade de alcançar sucesso, entretanto, terminaria por invalidar a principal justificativa para um pretendido renascimento nuclear.

Brasil nada ganha e perde muito

O Estado de S. Paulo

Loquacidade irresponsável de Lula na China põe em risco a imagem do Brasil como neutro nos grandes conflitos, sem que o País tenha ganhado nada, a não ser a desconfiança ocidental

Para evitar um novo mandato de Jair Bolsonaro, que seria terrível para o País, milhões de eleitores votaram em Lula da Silva mesmo sem concordar com os dogmas retrógrados do PT. Mas Lula da Silva e o PT não parecem dispostos a fazer nenhuma concessão a esses eleitores – ao contrário, o chefão petista poucas vezes foi tão fiel à ideologia carcomida que reduz tudo à luta de classes.

Não pode ser outra a explicação para o comportamento de Lula em sua recente viagem à China, ocasião em que transformou o Brasil em sabujo dos interesses chineses só e exclusivamente para se distanciar dos Estados Unidos, o velho vilão da esquerda brasileira.

No afã de parecer independente dos americanos, Lula esteve a um passo de alinhar o Brasil à Rússia na guerra criminosa de Vladimir Putin contra a Ucrânia. Não se sabe exatamente o que o Brasil ganhou com esses gestos tresloucados de Lula, mas sabe-se o que está perdendo: sua tradicional imagem de país equilibrado, neutro em relação aos principais conflitos, mas defensor intransigente dos direitos humanos – como, aliás, está expresso no artigo 4.º da nossa Constituição. Isso sem falar em ruídos desnecessários com parceiros relevantes, como Estados Unidos e Europa.

Na viagem à China, Lula se destacou por sinalizar o alinhamento do Brasil a uma ordem internacional baseada no autoritarismo e na força em oposição a uma ordem baseada no direito internacional e na valorização dos direitos humanos, do pluralismo político e das liberdades civis. Tudo a pretexto dos “interesses econômicos”.

De fato, as transferências tecnológicas da China são do interesse do Brasil. Para simbolizá-lo, Lula poderia visitar um dos muitos fornecedores chineses. Mas selecionou a dedo a Huawei, epicentro de um entrevero no Ocidente por suspeita de espionagem, e lá bradou que “ninguém vai proibir que o Brasil aprimore sua relação com a China”.

Lula também resolveu bajular os chineses ao defender a substituição do dólar pela moeda chinesa nas transações internacionais, sugerindo que a prevalência do dólar é mais um sinal do imperialismo americano. Em um par de frases, deixou claro que, obnubilado pela ideologia, desconhece que o mundo prefere negociar com uma moeda emitida pelo banco central autônomo da maior democracia do mundo, cujos pesos e contrapesos impedem que o câmbio e o fluxo de capitais sejam controlados por um autocrata, como é na China.

Mas um dos pontos altos do vexame da viagem de Lula foi o momento em que, ao falar da guerra na Ucrânia, voltou a equiparar o agressor, a Rússia, ao agredido, a Ucrânia, e a condenar os

EUA e a Europa por ajudarem os ucranianos a restaurarem sua soberania. As declarações de Lula não produziram nada a não ser indignação e indiferença e não melhoraram um centímetro a posição do Brasil na pretensão de integrar o time de mediadores do conflito. Hoje, aliás, o Brasil, graças à loquacidade irresponsável de Lula, é cada vez mais visto como não confiável, por sua aparente simpatia por russos e chineses. Em visita ao Brasil, o chanceler russo, Serguei Lavrov, não deixou por menos: “As visões do Brasil e Rússia são únicas”, numa referência à Ucrânia. Não foi desmentido pelo governo brasileiro – e nem poderia, porque Lula disse textualmente que a Ucrânia é tão culpada pela guerra quanto o país que a invadiu.

Em outro momento particularmente irresponsável, Lula resolveu apoiar “fortemente” a China na sua querela com a democrática Taiwan. Mesmo que a declaração não mude o entendimento tradicional do Brasil, ela poderia ser evitada no momento em que a China ameaça retomar Taiwan à força, desafiando os Estados Unidos.

Como se observa, Lula entregou dedos e anéis aos chineses e russos em troca de um punhado de acordos comerciais pouco relevantes, e sem levar nem mesmo um protocolar apoio à pretensão brasileira de integrar permanentemente o Conselho de Segurança da ONU. Lula quer se apresentar como um dos grandes estadistas do mundo. Se depender do que se viu na viagem à China, será visto apenas como peão no Grande Jogo chinês – ou, para usar as palavras benevolentes da revista The Economist, como “ingênuo”.

Uma escolha errada em muitos sentidos

O Estado de S. Paulo

Se Lula optar por Zanin, seguirá o mau exemplo de Bolsonaro, que privilegiou seus interesses pessoais; com o STF sob ataque, o presidente faria bem se pensasse no País em primeiro lugar

Com a aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski, intensificaram-se as especulações sobre quem será a pessoa indicada pelo presidente Lula da Silva para o Supremo Tribunal Federal (STF). Diante das notícias de que Cristiano Zanin, advogado de Lula em diversas ações penais, é a escolha mais provável para a vaga de Ricardo Lewandowski, tornam-se necessárias algumas advertências.

Por previsão constitucional, o presidente da República tem competência para indicar ao STF, dentre os “cidadãos com mais de 35 e menos de 70 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”, quem ele quiser. Mas isso não significa que ele deva escolher de forma arbitrária ou irresponsável, sem ponderar as consequências da sua escolha tanto para a Corte como para o País. Esse cuidado é especialmente importante nos tempos atuais, em que o STF se encontra sob constantes ataques e ameaças.

Cabe advertir, desde logo, que Lula da Silva foi eleito para fazer diferente do modo como atuou Jair Bolsonaro. Indicar Cristiano Zanin para o STF seria seguir exatamente o mesmo padrão adotado por Bolsonaro, baseando a escolha presidencial exclusivamente no vínculo pessoal com o indicado. Nesse modo de proceder, há muitos erros, a começar pela compreensão antirrepublicana de que o ministro do STF deva ser um representante do presidente da República na cúpula do Judiciário.

Por ocasião da sabatina de Kassio Nunes Marques no Senado, dissemos neste espaço: “Sem maiores pudores, o presidente Bolsonaro admite que deseja se valer do poder de indicar novos ministros do Supremo para colocar amigos na Corte – e que, uma vez lá dentro, eles continuem atuando como amigos e defensores de seus interesses. Mais do que magistrados, Jair Bolsonaro almeja aliados – se possível, vassalos – do governo dentro do STF. Logicamente, o Senado não pode ser conivente com essa declarada tentativa de subjugar o Supremo a interesses subalternos” (Sem aprovação automática, 20/10/2020).

Ora, caso Lula da Silva venha a indicar Cristiano Zanin, a crítica seria rigorosamente a mesma: despudoradamente o presidente da República valese de uma atribuição constitucional para atender a seus interesses particulares. Essa eventual indicação explicitaria que a escolha de um integrante da Corte constitucional é feita segundo os mesmos critérios utilizados para definir um advogado para representação na Justiça. Ou seja, significaria perverter o funcionamento das instituições democráticas, que devem servir ao interesse público, não aos interesses particulares de quem está no poder.

Ressalta-se que não é simplesmente o fato de Cristiano Zanin ter sido advogado de Lula que torna desaconselhável sua indicação para o STF. É a ausência de qualquer conhecimento sobre suas posições jurídicas e sua específica compreensão do Direito e da Constituição. Não há nenhum elemento a justificar a escolha de seu nome para o STF além da circunstância de ter sido a voz de Lula da Silva em diversas ações penais. Seria realmente peculiar – talvez o mais correto seja dizer que se trata de deboche – que Lula da Silva, tendo diante de si o imenso conjunto de pessoas constitucionalmente aptas a integrar o Supremo, venha a escolher precisamente Cristiano Zanin, seu advogado. Tal atitude expressaria não apenas desconsideração por muitos nomes altamente qualificados, mas verdadeira insegurança. Do que Lula tem tanto medo? Quais podem ser as razões para evitar um nome técnico, sobre o qual não haja nenhuma sombra sobre seu notável saber jurídico e sua reputação ilibada, optando por recorrer a seu advogado?

A defesa do Estado Democrático de Direito não se coaduna com o exercício do poder para obter vantagens pessoais. Ao contrário do que fez o bolsonarismo, cargo público não é para servir à vida pessoal. Se Lula da Silva está preocupado com o Supremo, se deseja colaborar no fortalecimento da autoridade da Corte constitucional, não deve indicar seu advogado. As instituições democráticas não são quintal de cultivo de interesses particulares.

Brasil corre risco de ficar estagnado

O Estado de S. Paulo

Arcabouço fiscal é o primeiro passo, mas é preciso mais para evitar crescimento medíocre do PIB

Os brasileiros não podem contar com um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) significativo neste e no próximo ano, mostram os principais indicadores macroeconômicos. O dado mais recente nesse sentido foi o recuo de 0,04% em janeiro do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-BR). Com isso, houve uma queda de 1,28% no trimestre encerrado em janeiro.

Na semana passada, foi a vez de o Fundo Monetário Internacional (FMI) acompanhar as previsões de bancos e consultorias ao revisar para baixo a estimativa de crescimento do País. Em janeiro, a entidade esperava um aumento – modesto – de 1,20% do PIB; agora a expectativa é de que a expansão nem chegue a 1% e fique em apenas 0,90%. Essa é também a média das estimativas colhidas pelo BC no mercado financeiro no Boletim Focus. O que significa que vamos crescer em 2023 menos do que países como a Índia e o México e muito menos do que o necessário para reduzir a desigualdade de renda e a criação de empregos com salários menores.

Mais alarmante ainda é a perspectiva de que também 2024 seja um ano muito fraco economicamente, como mostram as projeções do FMI e dos especialistas. Um dos pontos de estrangulamento do PIB é a oferta de crédito muito restrita, como projetam os próprios bancos. Numa consulta feita pela Febraban e divulgada na semana passada, os bancos informaram que vão aumentar em apenas 5,1% a concessão de financiamentos para empresas, para citar só um dado.

Sem crédito, empresas e consumidores já estão com a roda travada. Aumentaram a inadimplência e os pedidos de recuperação judicial, caiu o número de fusões e aquisições, diminuiu ou acabou o interesse em expandir fábricas e lojas e os negócios de forma geral.

Uma das razões para esse cenário, como já foi apontado muitas vezes, é o nível elevado das taxas de juros em termos reais no Brasil. Mas não se pode descartar o impacto de outros acontecimentos, como os problemas contábeis das Lojas Americanas, que tornaram os bancos mais cautelosos em liberar empréstimos. Também pesou o cenário internacional, com o susto no mercado financeiro dado por dificuldades em bancos nos Estados Unidos e na Suíça.

Não há dúvidas também que essa situação é resultado, em parte, da política econômica tocada pelo recémencerrado governo de Jair Bolsonaro. Seu superministro da Economia, Paulo Guedes, prometeu mundos e fundos na política fiscal e no crescimento do PIB. É certo que houve pandemia e guerra na Ucrânia, fatores que obviamente impactam o resultado, mas a desorganização das contas, promovida pelo populismo eleitoreiro de Bolsonaro, nada teve a ver com a covid-19 nem com a agressão russa.

O governo Lula deu alguns passos importantes para promover o crescimento do PIB, como o anúncio de um programa fiscal, conforme pedia o mercado financeiro, mas é preciso mais. Falta um plano ambicioso, a ser tocado em conjunto com o setor privado, que tire o Brasil de um padrão de crescimento de ridículos 2,3% em média ao ano, como se verificou nos últimos 40 anos. Lula pode se queixar do pessimismo, mas só lamúrias não farão o Brasil sair de sua longa pasmaceira. 

Conter ataques a escolas exige amplo esforço social

Valor Econòmico

Coerção e punição legal é indispensável, mas é apenas parte da solução

O governo busca um caminho eficiente para enfrentar a onda de ataques em escolas que tenta se espraiar pelo país. Foram pouco mais de duas dezenas de 2002 a 2022, sendo quatro no segundo semestre do ano passado. Apenas neste início de ano foram cinco. Os sinais de uma possível escalada dos acontecimentos trágicos obrigava medidas enérgicas, de reforço na segurança à atuação nas redes sociais, celeiro preferencial onde proliferam aliciadores e fomentadores de atos violentos. Mas o trabalho está longe de terminar e exigirá também o aperfeiçoamento da legislação e o reforço do apoio social nas escolas.

As primeiras medidas foram no campo da segurança. O governo federal liberou R$ 150 milhões para reforçar a ronda escolar em torno das instituições de ensino, recursos que podem ser inclusive usados para a compra de armas. Cada escola vai definir se quer guarda armado ou não em conjunto com as autoridades de segurança. O valor era obviamente pequeno para todo o país e foi posteriormente reforçado em R$ 100 milhões. Somente o Estado de São Paulo está destinando R$ 240 milhões para contratar empresas privadas de segurança que atuarão com pessoal desarmado, e ainda arregimentar 550 psicólogos para atender a rede pública.

Levantamento feito pelo Globo (14/4) constatou que 22 Estados já possuem segurança armada para as escolas, seja com rondas escolares das PMs e bombeiros ou com equipes privadas. Não podem ficar de fora as redes sociais, onde esses ataques nas escolas muitas vezes começam, com a exaltação de ações anteriores e de seus perpetradores e o encorajamento de novas agressões, com a manipulação de jovens vulneráveis, de personalidade influenciável.

O governo teve que elevar o tom com as redes sociais para ser minimamente atendido. Na primeira reunião realizada entre o ministro da Defesa, Flavio Dino, e os representantes do Google, Kwai, Meta, TikTok, Twitter e WhatsApp, pediu o controle dos perfis que fazem apologia da violência ou ameaça às escolas por meio dos mecanismos de moderação e até de exclusão dos transgressores. Ficaram de fora redes que abrigam muitos extremistas como o Discord e o Reddit. O Twitter se negou, inicialmente, a excluir perfis que o ministério identificou como autores de elogios aos ataques, alegando que não feriam os termos de uso da empresa.

Reações semelhantes já tinham sido ensaiadas por outras redes por ocasião das eleições e dos ataques de 8 de janeiro às sedes dos Três Poderes. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) tiveram que agir firme para conseguir colaboração contra os excessos e atos criminosos. Agora, por meio da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacom), o Ministério da Justiça e Segurança Pública editou portaria que, entre outras coisas, prevê punições para as redes sociais que não combaterem conteúdos que estimulam ataques em escolas. A multa vai até R$ 12 milhões e pode haver a suspensão do serviço. A portaria também fixa um prazo para as redes informarem como estão atendendo os pedidos das autoridades e obriga o compartilhamento de dados que identificam perfis com atividades ilegais com a polícia. As redes sociais terão ainda duas horas para tirar do ar conteúdos violentos ou de ameaça.

A ação do Ministério da Justiça despertou manifestações de apoio e críticas. Não há dúvida do papel das redes sociais como impulsionadoras dos ataques às escolas e disseminadoras de boatos que atormentaram pais e estudantes na semana passada. Mas a legislação brasileira não tem norma específica para a moderação de conteúdo. O STF ainda analisa a responsabilidade das redes sociais pelos crimes praticados em seu espaço. Tramita lentamente no Congresso projeto de lei sobre as fake news, com parecer substitutivo do deputado Orlando Silva (PCdoB/SP) concentrando mais de 80 propostas sobre o caso.

Se a faceta da coerção e punição legal é indispensável, ela é apenas parte da solução. A reação violenta de alunos que atacam escolas necessita da detecção de avisos prévios psicológicos de crianças com distúrbios e das que, por sofrerem humilhações de bullying, resolvem vingar-se do mundo. O controle das famílias sobre o que os filhos veem, leem ou postam deve ser parte constante de um esforço amplo que envolve a avaliação de psicólogos, professores, alunos e participação de toda uma rede de apoio social que, como comprovam os crimes nas escolas, deixou simplesmente de funcionar.

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