‘Neutralidade’ de Lula revela apoio tácito à Rússia
O Globo
Movimentos em relação ao conflito ucraniano
representam erros de ordem factual, moral e diplomática
Os últimos movimentos do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva em relação à guerra na Ucrânia demonstram não a
neutralidade que ele e o Itamaraty afirmam manter em relação ao conflito, mas
uma posição tacitamente favorável aos interesses da Rússia. Ao assumi-la, Lula
comete erros de ordem factual, moral e diplomática.
Na escala em Abu Dhabi voltando da China, Lula afirmou que “a decisão da guerra foi tomada por dois países”, repetindo o que dissera no ano passado, quando afirmou que o ucraniano Volodymyr Zelensky é “tão responsável” pela guerra quanto o russo Vladimir Putin. Os fatos desmentem Lula. A Rússia invadiu o território ucraniano de modo injustificável e, desde então, a Ucrânia viveu um êxodo de quase um quinto da população e soma perto de 150 mil mortos. Putin é acusado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) de crimes contra a humanidade por massacres em território ucraniano. Ao pôr no mesmo patamar a agressão russa e a resistência ucraniana, Lula incorre em disparate semelhante ao de Donald Trump quando, diante da violência da extrema direita em Charlottesville em 2017, disse haver “gente ruim dos dois lados”. Não há comparação possível.
Mesmo que tenha tentado consertar dizendo
que a Rússia não poderá ficar com todo o território ucraniano conquistado, sua
simpatia pelo lado russo é evidente. Para começar, ele tem repetido que a
Ucrânia não poderá voltar a ocupar a Crimeia, anexada em 2014. Levando em conta
a evolução do conflito, é provável que tenha razão. Mas, se Lula deseja se
credenciar como negociador da paz e reivindica “neutralidade”, no mínimo não
deveria manifestar opinião sobre concessões (a Ucrânia reivindica soberania
sobre a Crimeia e territórios ocupados).
Além disso, enviou para encontrar Putin seu
assessor especial e homem de confiança Celso Amorim. Nesta segunda-feira
recebeu em Brasília o chanceler
russo Sergei Lavrov. Nenhum movimento similar de aproximação foi
feito em direção aos ucranianos. Ao contrário, Lula rejeitou enviar-lhes
munição e criticou americanos e europeus por continuarem a armá-los. Em seu
apoio a cada dia menos velado à Rússia, vai além até do antecessor, Jair
Bolsonaro, que visitou Putin, mas às vésperas da invasão.
Nada disso quer dizer que, como princípio,
a neutralidade esteja errada. Embora o Brasil deva empenhar solidariedade à
Ucrânia — regime democrático atacado por uma autocracia —, pragmatismo também é
valor essencial em política externa. Não interessa ao país assumir lado no
conflito subjacente, entre Estados Unidos (pró-Ucrânia) e China (pró-Rússia).
No discurso, Lula tenta imitar os não alinhados da Guerra Fria. De um lado,
flerta com o americano Joe Biden, outro líder de uma democracia agredida por
extremistas. De outro, proclama uma moeda alternativa à hegemonia do dólar, num
aceno ao chinês Xi Jinping. Mas, se comercialmente o Brasil tem muito a ganhar
com a aproximação da China, nada leva com o apoio à Rússia.
A tradição de não alinhamento poderia ser seguida
de modo mais produtivo em questões onde a voz do Brasil importa, como mudanças
climáticas ou transição na Venezuela. Em vez disso, dentre quase 130 “neutros”
no conflito ucraniano, o Brasil é o único que se meteu a criar um “clube da
paz” e flerta abertamente com a Rússia. O perigo de provocar os americanos e
europeus é evidente: Lula arrisca levar um tombo.
Modelo atual de ensino médio pune mais
pobres e perpetua desigualdade
O Globo
Entre os menos favorecidos, evasão escolar
é de 54%. Entre os mais ricos, de apenas 6%, revela estudo
A cada ano, 500 mil jovens com mais de 16
anos abandonam a escola no Brasil. A evasão, tratada como “tragédia silenciosa”
em estudo da Firjan e do Sesi, pune os menos favorecidos e aprofunda a
desigualdade. Entre os alunos mais pobres, menos da metade conclui os estudos
(54% largam). Entre os mais ricos, a evasão escolar atinge apenas 6%.
O resultado mostra a relevância da reforma
do ensino médio aprovada em 2017, cuja implementação foi suspensa pelo ministro
da Educação, Camilo Santana, em meio a um debate histérico e pouco produtivo.
Um dos principais objetivos da mudança é justamente aumentar a carga horária e
readequar o currículo para melhorar a formação técnica e profissional, de modo
a contribuir com o projeto de vida do aluno e evitar que ele tenha de largar o
estudo para trabalhar.
É verdade que são necessários ajustes para
alcançar as metas, mas seria um erro gravíssimo abandonar a reforma e manter o
quadro lastimável descrito pelos pesquisadores, como querem setores do PT,
sindicatos, organizações estudantis e a extrema esquerda. É evidente que uma
escola que não consegue reter os alunos não funciona.
O estudo, em parceria com o Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), demonstra que a situação atual
perpetua a pobreza. Os estudantes que ficam pelo caminho recebem salário 25%
menor e vivem três anos a menos. Quando os índices de evasão são comparados aos
de países em estágio similar de desenvolvimento, fica claro o atraso. No Brasil
apenas 60,3% concluem o ensino médio até 24 anos, ante 67,8% no México, 74,9%
na Costa Rica, 75,2% na Colômbia e 93,4% no Chile. Se a evasão aqui fosse igual
à chilena, o país deixaria de perder R$ 135 bilhões por ano em custos
associados.
São várias as causas apontadas para a
debandada: repetência, distorção entre idade e série, falta de engajamento,
dificuldades econômicas e falta de projeto de vida. A pandemia também é citada
como agravante. No Brasil, as escolas ficaram fechadas 40 semanas, ante 29 na
média de outros países. Sem ter como seguir aulas on-line, muitos alunos foram
prejudicados.
Entre as boas práticas na área, o estudo
cita exemplos do Canadá — onde um programa oferece, além de auxílio financeiro
mensal, apoio para o projeto de vida e recuperação da aprendizagem — e de Nova
York, que oferece a jovens de 14 a 24 anos atividades profissionais remuneradas
e oportunidades de carreira.
A entrada em vigor da reforma do ensino médio apenas expôs problemas existentes, como falta de infraestrutura das escolas, deficiência na formação dos professores e dificuldade dos alunos mais vulneráveis em acompanhar as aulas. Mas eles não surgiram agora. O governo precisa fazer os ajustes necessários — como recalibrar a carga horária, dedicando mais tempo para as disciplinas básicas —, mas é essencial seguir em frente com a reforma. Seria um retrocesso manter o atual modelo de ensino médio, que exclui os alunos que mais precisam dele.
Diplomacia de risco
Folha de S. Paulo
Lula assume custo político desnecessário ao
se alinhar a Pequim e a Moscou
Um dos fundamentos de qualquer política
externa é a proporcionalidade entre pretensão e condições objetivas de
sustentar uma posição, seja por peso relativo econômico, influência em campos
específicos ou mera força militar.
Em seus dois primeiros mandatos, Luiz
Inácio Lula da Silva (PT), aproveitando a onda gerada pelo apetite chinês por
commodities, lançou o Brasil naquilo que chamava de diplomacia ativa e altiva.
Os resultados foram mistos. O Brasil teve
de fato mais destaque, mas também passou vergonhas, como no fracassado acordo
nuclear que tentou mediar no Irã.
Sobrevieram anos de recuo devido à crise
econômica e à desconstrução externa sob Jair Bolsonaro (PL). O solo calcinado
era propício a Lula, de volta ao poder. O petista, apesar da paixão por
ditaduras esquerdistas, começou bem o jogo.
Reuniu-se com vizinhos e com o congênere
americano Joe Biden, cujo governo empenhou-se de forma notável na defesa da
transição democrática ameaçada por Bolsonaro. Fez uma proposta genérica para
negociar a paz na Ucrânia, improvável mas de baixo custo.
Lula, contudo, começou a perder a mão na
dosimetria. Altivez é louvável, claro, e assenta-se na tradição de não
alinhamento do Itamaraty. Mas o mundo de 2023 é complexo, com um conflito
brutal em curso na Europa, inserido na disputa
geopolítica que opõe China e Rússia aos EUA e seus aliados.
Países como Brasil, Índia e Turquia tentam
equilibrar-se entre polos, porém isso requer estofo. Os indianos, por exemplo,
têm uma economia com 1,4 bilhão de habitantes e armas nucleares.
Assim, a retórica antiamericana assumida
por Lula em Pequim, viagem de resto natural dada a condição chinesa de maior
parceiro comercial do Brasil, embute riscos. O presidente falou em
independência ante o dólar e criticou o belicismo dos EUA na Guerra da Ucrânia.
Sobre o conflito, o petista já havia negado
munição a Kiev —e candidamente sugeriu perdas territoriais em troca da paz.
Mais grave, declarou que
os agredidos são tão culpados quanto os agressores.
Além disso, enviou o assessor Celso Amorim
a Moscou e recebeu o chanceler Serguei Lavrov, que iniciou pelo Brasil um giro
que incluirá as ditaduras esquerdistas da Venezuela, Nicarágua e Cuba.
Ainda que o Brasil tenha condenado a guerra
na ONU, o ministro Mauro Vieira (Relações Exteriores) preferiu criticar as
sanções contra Moscou ao lado do russo.
Se é certo que a multipolaridade veio para
ficar, sem apostar nos temas em que tem autoridade, como mudança climática ou
segurança alimentar, Lula sinaliza ter escolhido um lado e corre o risco de
virar apenas coadjuvante da briga alheia.
Entre o átomo e o carvão
Folha de S. Paulo
Alemanha fecha usinas nucleares e cria
desafio para diminuir emissão de carbono
O fechamento de três derradeiras centrais
nucleares põe termo a
62 anos de energia atômica na Alemanha. Essa fonte chegou a
representar um terço da matriz elétrica germânica, depois reduzida a cerca de
6%. Contudo a renúncia a ela contrasta com a política energética de países
europeus e asiáticos.
A decisão de descomissionar as centrais de
Emsland, Isar 2 e Neckarwestheim veio após o desastre de 2011 em Fukushima, no
Japão. Fixou-se o prazo de 2022, mas o temor de insegurança energética e preços
em disparada —com a guerra na Ucrânia e os cortes no gás natural russo—
forçaram o adiamento por três meses e meio.
A França, campeã em geração nuclear da
Europa, vai manter 57 reatores em atividade. A Bélgica postergou fechamentos. O
Reino Unido reativou planos para novas usinas. Quase metade da União Europeia,
13 de 27 países, seguirá utilizando energia nuclear.
No mundo há 422 reatores que geraram 10% da
eletricidade consumida em 2021. Em 1996, eram 17,5%. A fatia pode voltar a
crescer, puxada pela Ásia e pela necessidade de reduzir emissões de carbono
para conter o aquecimento global.
O próprio governo japonês desistiu de
abandonar centrais atômicas. A China, que já produz mais eletricidade nuclear
que a França, planeja 47 novas usinas. Rússia e Índia seguem na mesma trilha.
A derrocada atômica na Alemanha representa
vitória do Partido Verde. Ironicamente, ela vem
acompanhada de aumento na queima de carvão mineral, combustível fóssil que mais
afeta o clima.
Críticos, dentro e fora do país, duvidam da
capacidade alemã de suprir a demanda com fontes eólica e fotovoltaica e de
manter os compromissos de descontinuar o carvão mineral em 2038 e obter
descarbonização completa em 2045. Para eles, a energia nuclear seria
imprescindível na transição.
Falaram mais alto no governo de Olaf Scholz
o risco de acidentes e o desafio da disposição final de centenas de contêineres
com resíduos radioativos, que precisam de estocagem por milhares de anos.
Nem o governador da Baviera, Markus Soeder,
contrário ao fechamento, aceita depósitos no estado.
A aposta alemã é alta, talvez arriscada demais,
mesmo para uma economia com alta capacidade de inovação e investimento. Na
eventualidade de alcançar sucesso, entretanto, terminaria por invalidar a
principal justificativa para um pretendido renascimento nuclear.
Brasil nada ganha e perde muito
O Estado de S. Paulo
Loquacidade irresponsável de Lula na China
põe em risco a imagem do Brasil como neutro nos grandes conflitos, sem que o
País tenha ganhado nada, a não ser a desconfiança ocidental
Para evitar um novo mandato de Jair
Bolsonaro, que seria terrível para o País, milhões de eleitores votaram em Lula
da Silva mesmo sem concordar com os dogmas retrógrados do PT. Mas Lula da Silva
e o PT não parecem dispostos a fazer nenhuma concessão a esses eleitores – ao
contrário, o chefão petista poucas vezes foi tão fiel à ideologia carcomida que
reduz tudo à luta de classes.
Não pode ser outra a explicação para o
comportamento de Lula em sua recente viagem à China, ocasião em que transformou
o Brasil em sabujo dos interesses chineses só e exclusivamente para se
distanciar dos Estados Unidos, o velho vilão da esquerda brasileira.
No afã de parecer independente dos
americanos, Lula esteve a um passo de alinhar o Brasil à Rússia na guerra
criminosa de Vladimir Putin contra a Ucrânia. Não se sabe exatamente o que o
Brasil ganhou com esses gestos tresloucados de Lula, mas sabe-se o que está
perdendo: sua tradicional imagem de país equilibrado, neutro em relação aos
principais conflitos, mas defensor intransigente dos direitos humanos – como,
aliás, está expresso no artigo 4.º da nossa Constituição. Isso sem falar em
ruídos desnecessários com parceiros relevantes, como Estados Unidos e Europa.
Na viagem à China, Lula se destacou por
sinalizar o alinhamento do Brasil a uma ordem internacional baseada no
autoritarismo e na força em oposição a uma ordem baseada no direito internacional
e na valorização dos direitos humanos, do pluralismo político e das liberdades
civis. Tudo a pretexto dos “interesses econômicos”.
De fato, as transferências tecnológicas da
China são do interesse do Brasil. Para simbolizá-lo, Lula poderia visitar um dos
muitos fornecedores chineses. Mas selecionou a dedo a Huawei, epicentro de um
entrevero no Ocidente por suspeita de espionagem, e lá bradou que “ninguém vai
proibir que o Brasil aprimore sua relação com a China”.
Lula também resolveu bajular os chineses ao
defender a substituição do dólar pela moeda chinesa nas transações
internacionais, sugerindo que a prevalência do dólar é mais um sinal do
imperialismo americano. Em um par de frases, deixou claro que, obnubilado pela
ideologia, desconhece que o mundo prefere negociar com uma moeda emitida pelo
banco central autônomo da maior democracia do mundo, cujos pesos e contrapesos
impedem que o câmbio e o fluxo de capitais sejam controlados por um autocrata,
como é na China.
Mas um dos pontos altos do vexame da viagem
de Lula foi o momento em que, ao falar da guerra na Ucrânia, voltou a equiparar
o agressor, a Rússia, ao agredido, a Ucrânia, e a condenar os
EUA e a Europa por ajudarem os ucranianos a
restaurarem sua soberania. As declarações de Lula não produziram nada a não ser
indignação e indiferença e não melhoraram um centímetro a posição do Brasil na
pretensão de integrar o time de mediadores do conflito. Hoje, aliás, o Brasil,
graças à loquacidade irresponsável de Lula, é cada vez mais visto como não confiável,
por sua aparente simpatia por russos e chineses. Em visita ao Brasil, o
chanceler russo, Serguei Lavrov, não deixou por menos: “As visões do Brasil e
Rússia são únicas”, numa referência à Ucrânia. Não foi desmentido pelo governo
brasileiro – e nem poderia, porque Lula disse textualmente que a Ucrânia é tão
culpada pela guerra quanto o país que a invadiu.
Em outro momento particularmente
irresponsável, Lula resolveu apoiar “fortemente” a China na sua querela com a
democrática Taiwan. Mesmo que a declaração não mude o entendimento tradicional
do Brasil, ela poderia ser evitada no momento em que a China ameaça retomar
Taiwan à força, desafiando os Estados Unidos.
Como se observa, Lula entregou dedos e
anéis aos chineses e russos em troca de um punhado de acordos comerciais pouco
relevantes, e sem levar nem mesmo um protocolar apoio à pretensão brasileira de
integrar permanentemente o Conselho de Segurança da ONU. Lula quer se
apresentar como um dos grandes estadistas do mundo. Se depender do que se viu
na viagem à China, será visto apenas como peão no Grande Jogo chinês – ou, para
usar as palavras benevolentes da revista The Economist, como “ingênuo”.
Uma escolha errada em muitos sentidos
O Estado de S. Paulo
Se Lula optar por Zanin, seguirá o mau
exemplo de Bolsonaro, que privilegiou seus interesses pessoais; com o STF sob
ataque, o presidente faria bem se pensasse no País em primeiro lugar
Com a aposentadoria do ministro Ricardo
Lewandowski, intensificaram-se as especulações sobre quem será a pessoa
indicada pelo presidente Lula da Silva para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Diante das notícias de que Cristiano Zanin, advogado de Lula em diversas ações
penais, é a escolha mais provável para a vaga de Ricardo Lewandowski, tornam-se
necessárias algumas advertências.
Por previsão constitucional, o presidente
da República tem competência para indicar ao STF, dentre os “cidadãos com mais
de 35 e menos de 70 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação
ilibada”, quem ele quiser. Mas isso não significa que ele deva escolher de
forma arbitrária ou irresponsável, sem ponderar as consequências da sua escolha
tanto para a Corte como para o País. Esse cuidado é especialmente importante
nos tempos atuais, em que o STF se encontra sob constantes ataques e ameaças.
Cabe advertir, desde logo, que Lula da
Silva foi eleito para fazer diferente do modo como atuou Jair Bolsonaro.
Indicar Cristiano Zanin para o STF seria seguir exatamente o mesmo padrão
adotado por Bolsonaro, baseando a escolha presidencial exclusivamente no
vínculo pessoal com o indicado. Nesse modo de proceder, há muitos erros, a
começar pela compreensão antirrepublicana de que o ministro do STF deva ser um
representante do presidente da República na cúpula do Judiciário.
Por ocasião da sabatina de Kassio Nunes
Marques no Senado, dissemos neste espaço: “Sem maiores pudores, o presidente
Bolsonaro admite que deseja se valer do poder de indicar novos ministros do
Supremo para colocar amigos na Corte – e que, uma vez lá dentro, eles continuem
atuando como amigos e defensores de seus interesses. Mais do que magistrados,
Jair Bolsonaro almeja aliados – se possível, vassalos – do governo dentro do
STF. Logicamente, o Senado não pode ser conivente com essa declarada tentativa
de subjugar o Supremo a interesses subalternos” (Sem aprovação automática,
20/10/2020).
Ora, caso Lula da Silva venha a indicar
Cristiano Zanin, a crítica seria rigorosamente a mesma: despudoradamente o
presidente da República valese de uma atribuição constitucional para atender a
seus interesses particulares. Essa eventual indicação explicitaria que a
escolha de um integrante da Corte constitucional é feita segundo os mesmos
critérios utilizados para definir um advogado para representação na Justiça. Ou
seja, significaria perverter o funcionamento das instituições democráticas, que
devem servir ao interesse público, não aos interesses particulares de quem está
no poder.
Ressalta-se que não é simplesmente o fato
de Cristiano Zanin ter sido advogado de Lula que torna desaconselhável sua
indicação para o STF. É a ausência de qualquer conhecimento sobre suas posições
jurídicas e sua específica compreensão do Direito e da Constituição. Não há
nenhum elemento a justificar a escolha de seu nome para o STF além da
circunstância de ter sido a voz de Lula da Silva em diversas ações penais.
Seria realmente peculiar – talvez o mais correto seja dizer que se trata de
deboche – que Lula da Silva, tendo diante de si o imenso conjunto de pessoas
constitucionalmente aptas a integrar o Supremo, venha a escolher precisamente
Cristiano Zanin, seu advogado. Tal atitude expressaria não apenas
desconsideração por muitos nomes altamente qualificados, mas verdadeira
insegurança. Do que Lula tem tanto medo? Quais podem ser as razões para evitar
um nome técnico, sobre o qual não haja nenhuma sombra sobre seu notável saber
jurídico e sua reputação ilibada, optando por recorrer a seu advogado?
A defesa do Estado Democrático de Direito
não se coaduna com o exercício do poder para obter vantagens pessoais. Ao
contrário do que fez o bolsonarismo, cargo público não é para servir à vida
pessoal. Se Lula da Silva está preocupado com o Supremo, se deseja colaborar no
fortalecimento da autoridade da Corte constitucional, não deve indicar seu
advogado. As instituições democráticas não são quintal de cultivo de interesses
particulares.
Brasil corre risco de ficar estagnado
O Estado de S. Paulo
Arcabouço fiscal é o primeiro passo, mas é
preciso mais para evitar crescimento medíocre do PIB
Os brasileiros não podem contar com um
crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) significativo neste e no próximo
ano, mostram os principais indicadores macroeconômicos. O dado mais recente
nesse sentido foi o recuo de 0,04% em janeiro do Índice de Atividade Econômica
do Banco Central (IBC-BR). Com isso, houve uma queda de 1,28% no trimestre
encerrado em janeiro.
Na semana passada, foi a vez de o Fundo
Monetário Internacional (FMI) acompanhar as previsões de bancos e consultorias
ao revisar para baixo a estimativa de crescimento do País. Em janeiro, a
entidade esperava um aumento – modesto – de 1,20% do PIB; agora a expectativa é
de que a expansão nem chegue a 1% e fique em apenas 0,90%. Essa é também a
média das estimativas colhidas pelo BC no mercado financeiro no Boletim Focus.
O que significa que vamos crescer em 2023 menos do que países como a Índia e o
México e muito menos do que o necessário para reduzir a desigualdade de renda e
a criação de empregos com salários menores.
Mais alarmante ainda é a perspectiva de que
também 2024 seja um ano muito fraco economicamente, como mostram as projeções
do FMI e dos especialistas. Um dos pontos de estrangulamento do PIB é a oferta
de crédito muito restrita, como projetam os próprios bancos. Numa consulta
feita pela Febraban e divulgada na semana passada, os bancos informaram que vão
aumentar em apenas 5,1% a concessão de financiamentos para empresas, para citar
só um dado.
Sem crédito, empresas e consumidores já
estão com a roda travada. Aumentaram a inadimplência e os pedidos de
recuperação judicial, caiu o número de fusões e aquisições, diminuiu ou acabou
o interesse em expandir fábricas e lojas e os negócios de forma geral.
Uma das razões para esse cenário, como já
foi apontado muitas vezes, é o nível elevado das taxas de juros em termos reais
no Brasil. Mas não se pode descartar o impacto de outros acontecimentos, como
os problemas contábeis das Lojas Americanas, que tornaram os bancos mais
cautelosos em liberar empréstimos. Também pesou o cenário internacional, com o
susto no mercado financeiro dado por dificuldades em bancos nos Estados Unidos
e na Suíça.
Não há dúvidas também que essa situação é
resultado, em parte, da política econômica tocada pelo recémencerrado governo
de Jair Bolsonaro. Seu superministro da Economia, Paulo Guedes, prometeu mundos
e fundos na política fiscal e no crescimento do PIB. É certo que houve pandemia
e guerra na Ucrânia, fatores que obviamente impactam o resultado, mas a
desorganização das contas, promovida pelo populismo eleitoreiro de Bolsonaro,
nada teve a ver com a covid-19 nem com a agressão russa.
O governo Lula deu alguns passos importantes para promover o crescimento do PIB, como o anúncio de um programa fiscal, conforme pedia o mercado financeiro, mas é preciso mais. Falta um plano ambicioso, a ser tocado em conjunto com o setor privado, que tire o Brasil de um padrão de crescimento de ridículos 2,3% em média ao ano, como se verificou nos últimos 40 anos. Lula pode se queixar do pessimismo, mas só lamúrias não farão o Brasil sair de sua longa pasmaceira.
Conter ataques a escolas exige amplo
esforço social
Valor Econòmico
Coerção e punição legal é indispensável,
mas é apenas parte da solução
O governo busca um caminho eficiente para
enfrentar a onda de ataques em escolas que tenta se espraiar pelo país. Foram
pouco mais de duas dezenas de 2002 a 2022, sendo quatro no segundo semestre do
ano passado. Apenas neste início de ano foram cinco. Os sinais de uma possível
escalada dos acontecimentos trágicos obrigava medidas enérgicas, de reforço na
segurança à atuação nas redes sociais, celeiro preferencial onde proliferam
aliciadores e fomentadores de atos violentos. Mas o trabalho está longe de
terminar e exigirá também o aperfeiçoamento da legislação e o reforço do apoio
social nas escolas.
As primeiras medidas foram no campo da
segurança. O governo federal liberou R$ 150 milhões para reforçar a ronda
escolar em torno das instituições de ensino, recursos que podem ser inclusive
usados para a compra de armas. Cada escola vai definir se quer guarda armado ou
não em conjunto com as autoridades de segurança. O valor era obviamente pequeno
para todo o país e foi posteriormente reforçado em R$ 100 milhões. Somente o
Estado de São Paulo está destinando R$ 240 milhões para contratar empresas
privadas de segurança que atuarão com pessoal desarmado, e ainda arregimentar
550 psicólogos para atender a rede pública.
Levantamento feito pelo Globo (14/4)
constatou que 22 Estados já possuem segurança armada para as escolas, seja com
rondas escolares das PMs e bombeiros ou com equipes privadas. Não podem ficar
de fora as redes sociais, onde esses ataques nas escolas muitas vezes começam,
com a exaltação de ações anteriores e de seus perpetradores e o encorajamento
de novas agressões, com a manipulação de jovens vulneráveis, de personalidade
influenciável.
O governo teve que elevar o tom com as
redes sociais para ser minimamente atendido. Na primeira reunião realizada
entre o ministro da Defesa, Flavio Dino, e os representantes do Google, Kwai,
Meta, TikTok, Twitter e WhatsApp, pediu o controle dos perfis que fazem
apologia da violência ou ameaça às escolas por meio dos mecanismos de moderação
e até de exclusão dos transgressores. Ficaram de fora redes que abrigam muitos
extremistas como o Discord e o Reddit. O Twitter se negou, inicialmente, a
excluir perfis que o ministério identificou como autores de elogios aos
ataques, alegando que não feriam os termos de uso da empresa.
Reações semelhantes já tinham sido
ensaiadas por outras redes por ocasião das eleições e dos ataques de 8 de
janeiro às sedes dos Três Poderes. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o
Supremo Tribunal Federal (STF) tiveram que agir firme para conseguir
colaboração contra os excessos e atos criminosos. Agora, por meio da Secretaria
Nacional do Consumidor (Senacom), o Ministério da Justiça e Segurança Pública
editou portaria que, entre outras coisas, prevê punições para as redes sociais
que não combaterem conteúdos que estimulam ataques em escolas. A multa vai até
R$ 12 milhões e pode haver a suspensão do serviço. A portaria também fixa um
prazo para as redes informarem como estão atendendo os pedidos das autoridades
e obriga o compartilhamento de dados que identificam perfis com atividades ilegais
com a polícia. As redes sociais terão ainda duas horas para tirar do ar
conteúdos violentos ou de ameaça.
A ação do Ministério da Justiça despertou
manifestações de apoio e críticas. Não há dúvida do papel das redes sociais
como impulsionadoras dos ataques às escolas e disseminadoras de boatos que
atormentaram pais e estudantes na semana passada. Mas a legislação brasileira
não tem norma específica para a moderação de conteúdo. O STF ainda analisa a
responsabilidade das redes sociais pelos crimes praticados em seu espaço.
Tramita lentamente no Congresso projeto de lei sobre as fake news, com parecer
substitutivo do deputado Orlando Silva (PCdoB/SP) concentrando mais de 80
propostas sobre o caso.
Se a faceta da coerção e punição legal é indispensável, ela é apenas parte da solução. A reação violenta de alunos que atacam escolas necessita da detecção de avisos prévios psicológicos de crianças com distúrbios e das que, por sofrerem humilhações de bullying, resolvem vingar-se do mundo. O controle das famílias sobre o que os filhos veem, leem ou postam deve ser parte constante de um esforço amplo que envolve a avaliação de psicólogos, professores, alunos e participação de toda uma rede de apoio social que, como comprovam os crimes nas escolas, deixou simplesmente de funcionar.
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