Valor Econômico
Lula e Lewandowski devem encerrar impasse
sobre STF
Um afiado observador do mundo político
explica que as grandes decisões são coletivas, ou vêm de cima para baixo. O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva é reconhecido pelo estilo de “assembleia”
por causa do hábito de ouvir vários atores de diferentes segmentos até formar
sua convicção a respeito de um tema.
No caso concreto da indicação do próximo
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que assumirá a vaga do agora
aposentado Ricardo Lewandowski, existe a percepção de que o mandatário optará
desta vez pelo estilo “top down”, ou em bom português, a caneta é minha, quem
manda sou eu.
Sobre esta opção, Lula foi transparente como água nesta declaração: “É um problema meu”, justificou sobre a indicação ao STF, em entrevista ao portal Brasil247 no dia 21 de março. Em seguida, ele reforçou que será uma escolha solitária: “no que eu tiver que tomar a decisão, eu vou sentar sozinho e tomar a minha decisão, e vou mandar o nome para o Senado”.
O capítulo final desta jornada está
previsto para esta semana. Fontes que acompanham de perto o assunto afirmam que
Lula quer viajar para Portugal, nesta quinta-feira (20), com o impasse
liquidado.
Para isso, falta uma conversa decisiva com
o ex-ministro Ricardo Lewandowski, a quem o presidente tem em conta como um dos
quadros mais sérios e leais que já cruzaram a sua trajetória política, marcada
por traições.
Lewandowski indicou para sua vaga o
advogado e professor da Universidade de São Paulo (USP) Manoel Carlos de
Almeida Neto, que foi um de seus principais assessores na Corte. Ele foi
secretário-geral do STF e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas gestões de
Lewandowski como presidente de ambos os tribunais.
Em 2016, deixou o cargo para se tornar
diretor jurídico da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Há algumas semanas,
Manoel Carlos abriu sua casa para receber Lula e Lewandowski em um jantar, a
fim de que o presidente o conhecesse de perto.
Pessoas próximas do ex-ministro afiançam
que sua elegância e discrição o impedem de pleitear expressamente a Lula a
nomeação de seu apadrinhado. Ao fim, entretanto, a indicação de Manoel Carlos
se impôs como a única opção com alguma chance razoável para que o nome do
advogado Cristiano Zanin, defensor de Lula na Operação Lava-Jato, não vingasse
por WO.
No entorno de Lula, afirma-se que o
presidente teve seus momentos de dúvida sobre indicar Zanin imediatamente para
esta vaga ao STF. Em um jantar reservado em São Paulo, próximo ao feriado da
Semana Santa, Lula admitiu a poucos interlocutores que não tinha batido o
martelo sobre a escolha.
Na conversa com Lewandowski, Lula deverá
agradecer o jurista pelos anos de lealdade em que atuou na Suprema Corte e
elogiar a indicação de Manoel Carlos para a sua vaga. O mais provável,
entretanto, é que o mandatário justifique, com delicadeza, por que indicará
Zanin para suceder ao ex-ministro no tribunal.
(Abra-se um parênteses: menos improvável,
mas não impossível, Lula comunicará Lewandowski que nomeará Manoel Carlos para
substitui-lo na Corte. Esta ressalva é necessária porque nada é certo na
política, enquanto o fato político não se consumar).
É fato que Lula está ouvindo (poucos)
conselheiros sobre a sucessão de Lewandowski, mas ainda assim, esta será uma
escolha de caráter pessoal.
Embora a “assembleia” sobre o tema tenha
sido instaurada, a sutil diferença é que a convicção de Lula pelo nome de Zanin
já estava formada desde quando venceu Jair Bolsonaro no dia 30 de outubro.
O seleto círculo de conselheiros tenta
persuadir o petista não a afastar o nome de Zanin, mas, sim, a adiar sua
indicação para outubro, quando abrirá a vaga da presidente do STF, Rosa Weber.
Estratégia semelhante foi a de Bolsonaro,
após se comprometer em indicar um jurista “terrivelmente evangélico” para a
Corte. Ele se referia ao então ministro da Advocacia-Geral da União, André
Mendonça, pastor da Igreja Presbiteriana.
Contudo, em meio à sucessão de crises no
governo, Bolsonaro requisitou Mendonça para substituir Sergio Moro no
Ministério da Justiça. Dessa forma, optou por contemplar o Centrão com a
primeira indicação ao STF, que coube ao desembargador do Tribunal Regional Federal
da 1ª Região (TRF-1), Kassio Nunes Marques.
O argumento de quem pede a Lula para
indicar Zanin para a vaga de Rosa Weber no STF é de que, com esse gesto,
poderia equilibrar o seu legítimo direito de escolha com a responsabilidade de
preservar o legado da Lava-Jato.
Isso porque ao assumir a vaga de
Lewandowski, Zanin herdará todos os processos do ministro, muitos deles
relacionados à operação que levou Lula à prisão. Fatalmente, ele teria que se
declarar impedido ou suspeito na maior parte das ações, com o risco de que os
processos sejam redirecionados para ministros de perfil mais favorável à
Lava-Jato.
Por exemplo, a ação relativa às acusações
do advogado Rodrigo Tacla Duran contra o senador Sergio Moro (União-PR) seria
redistribuída. Outro exemplo é o processo relativo à “Vaza-Jato”, em que Zanin
reivindicou o acesso aos diálogos da Operação Spoofing em 2020.
O fato é que Lula nunca escondeu o fator
emoção ao se referir ao seu defensor. “O Zanin foi a grande revelação jurídica
nesses últimos anos”, disse na mesma entrevista ao Brasil247. Lembrou que Zanin
o defendeu quando muitos achavam que ele já era caso perdido e estava excluído
da vida política: “fez muito que outros advogados não fariam porque não
acreditavam naquilo”, enfatizou o presidente.
Lula é transparente em suas declarações e
já deixou claro, ao menos nas entrelinhas, o favoritismo de Cristiano Zanin.
Senão porque atribui a ele sua absolvição e sua liberdade, ao menos porque não
haveria maior contraponto ao algoz Sergio Moro do que nomear seu defensor para
o STF. Um prêmio que Bolsonaro ofereceu ao ex-juiz nos bastidores do poder, mas
jamais entregou.
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