Por Lucas Ferraz / Valor Econômico
O historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva é coautor de obra acadêmica que analisa o 8 de janeiro
A resposta à intentona bolsonarista de 8 de
janeiro, com a decretação da intervenção civil na segurança pública do Distrito
Federal após as invasões na praça dos Três Poderes, foi um marco ao romper com
a tradição da tutela militar, uma característica que acompanha a história
brasileira desde a Proclamação da República.
A opinião é do historiador Francisco Carlos
Teixeira da Silva, um dos principais estudiosos do país sobre a questão
militar, coautor do primeiro trabalho acadêmico que analisa e busca dar algum
sentido histórico ao golpe mal sucedido patrocinado por apoiadores do
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
“A intervenção na segurança pública foi um baque. As tropas já estavam preparadas para tomar os principais pontos de Brasília [caso Lula decretasse a Garantia da Lei e da Ordem, que implicaria poder aos militares]. Isso causou profunda irritação no general [Júlio César] Arruda [então comandante do Exército] e no general Gustavo Dutra [Chefe do Comando Militar do Planalto]”, afirmou Teixeira da Silva em entrevista ao Valor. “Foi a primeira vez na República que não apareceu carro blindado para colocar fim a um movimento antirrepublicano e antidemocrático.”
Parte dessa rara prevalência civil sobre os
militares, ressalta o acadêmico, foi confirmada na semana passada com o
depoimento massivo em Brasília de mais de 80 militares investigados no Supremo
Tribunal Federal (STF), episódio que segundo ele causou grande mal-estar nos
meios militares.
Um dos que prestaram depoimento foi o
general Gustavo Henrique Dutra de Menezes, que comandava o Comando Militar do
Planalto (CMP) e que acabou destituído do cargo por decisão do governo Luiz
Inácio Lula da Silva (PT), que também demitiu o então chefe do Exército,
general Júlio César de Arruda. Teixeira da Silva conta que Arruda tinha
“péssima relação” com integrantes do governo, inclusive protagonizando
rompantes com alguns deles durante as tensas horas do 8 de janeiro.
Professor de história da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Francisco Carlos Teixeira da Silva já
lecionou na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme), instituição
da elite da Força, além de ter assessorado o Ministério da Defesa. Ele deixou a
função após a eleição de Bolsonaro em 2018.
Vários oficiais que estão ou estiveram em
postos de comando no Exército, ou de destaque nos governos Temer e Bolsonaro,
foram seus alunos. Um exemplo é o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de
ordens de Bolsonaro que entrou na mira da Justiça por atentar contra a
democracia, pela atuação no caso das joias sauditas, entre outros casos.
A proximidade com os fardados ajudou o
professor na pesquisa do livro recém-publicado, em coautoria com o também
historiador Karl Schurster, professor visitante da Universidade de Vigo
(Espanha). Intitulado “Como não fazer um golpe de Estado no Brasil: uma
história interna do 8 de janeiro de 2023”, o livro foi lançado pela Editora da
Universidade de Pernambuco (Edupe) menos de cem dias depois do episódio. Além
de explorar a natureza militar da insurreição e as conexões autoritárias do
governo Bolsonaro, o trabalho destaca os erros de avaliação da área de
inteligência durante a fase de transição e montagem do terceiro governo de
Lula.
Teixeira da Silva diz que “a ausência de
uma limpeza dos órgãos de prevenção e inteligência” e a tolerada presença de
bolsonaristas em altos cargos da República facilitaram a preparação do golpe.
Ele ressalta ainda o fato de o novo governo não ter discutido durante a
transição com especialistas em Defesa sobre a “situação das forças militares e
de inteligência”, ignorando a colaboração de militares leais e especialistas ao
adversário derrotado.
O erro, pontua o historiador, não se
resumiu ao setor de inteligência, havendo uma “falha teórica” de diagnóstico de
uma parte importante do entorno presidencial. Ele continua achando que “uma
parte do governo ainda não entendeu” esse aspecto. “Eles não estão enfrentando
o PSDB do Fernando Henrique Cardoso. Esse pessoal não negocia. Eles promovem o
caos para crescer no caos”, ressalta.
Um dos aspectos lembrados por ele na
entrevista é o papel do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), comandado
pelo general Gonçalves Dias, chefe da segurança do Palácio do Planalto nos dois
governos anteriores de Lula (entre 2003 e 2010) e que, em sua visão, teria
perdido a confiança do presidente após o 8 de janeiro pela “flagrante falha do
setor de inteligência”. Durante a transição, Gonçalves Dias e o ministro da
Defesa, José Múcio, defendiam internamente que o movimento bolsonarista na
porta dos quartéis diminuiria gradualmente com o tempo, sem riscos à segurança
nacional.
Teixeira da Silva ainda vê em curso um “processo de desestabilização do governo”, citando episódios que, segundo ele, não podem ser analisados isoladamente, como a recente interrupção da sessão que deveria ouvir na Câmara dos Deputados o ministro da Justiça, Flávio Dino, por parte de deputados federais bolsonaristas. “Não temos força para enfrentar esse fenômeno porque não temos o diagnóstico”, afirma o pesquisador.
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