O Globo
A taxação a compras internacionais on-line
anunciada pelo governo Lula confirma uma coisa e informa outra. Confirma: que o
Estado precisará arrecadar muito (muito) mais — ou a conta do arcabouço
fiscal não fechará. Outras medidas com intenção arrecadatória virão. E
informa: que alguém pagará essa fatura. Para esse alguém, certamente alguéns, a
carga tributária aumentará. Para com esses, pois, melhor será jogar limpo.
Jogando limpo, se o programa é para
expansão consistente de receitas: alguém sempre pagará mais; todo mundo sabe;
ninguém gosta de ser considerado bobo.
O episódio comunica que o governo se lança a uma corrida por dinheiro. Todo mundo já sacou; até os bobos. Precisa-se de grana. Não será ilegítimo nem comporá estelionato eleitoral. Ou você ouviu a chapa presidencial vencedora apregoar, durante a campanha, que buscaria equilíbrio fiscal por meio de corte de gastos?
Por que não falar claramente? O arcabouço
fiscal nunca pretendeu disfarçar. É engrenagem feita sob a demanda de um
presidente que quer — sempre declarou que o faria — gastar. Investir. Né? Foi
eleito assim. Uma regra projetada para rebater o aumento de despesas via
incremento de arrecadação. Se o arcabouço fiscal nunca quis enganar, por que a
premissa que o viabilizará — crescimento vigoroso de receitas — quereria?
O episódio comunica que a comunicação ainda
não entendeu que se comunicar pressupondo tratar com trouxas nunca resultará
bem. O cidadão sabe que pagará mais. Se pagará mais, espera que lhe seja
informado por quê. Pagará mais como consequência — não é essa a letra? — de um
esforço maior por enfrentar a sonegação. Não se dá conselho a governante, mas
há chance de o cara acreditar que seu sacrifício adicional integrará uma
empreitada por vencer injustiças.
O sujeito talvez se conforme se compreender
que sua compra de US$ 50 de repente ficou mais cara como parte num conjunto que
passou a cobrar de graúdos que não pagavam tributos — as casas de apostas
on-line, por exemplo. (E nem me dedicarei aqui ao conflito de esses sites de
jogatina patrocinarem clubes de futebol — o próprio objeto de sua atividade. A
rigor, patrocinam o futebol no Brasil. Outra conta que não fecha — contratação
segura de encrenca.)
O Ministério da Fazenda fala em reduzir
distorções tributárias. Ampliando o tamanho dos peixes, fala em rever isenções
fiscais. Ótimo. Há muitas — e muitas ineficientes. Todo mundo será a favor do
fim de desonerações exageradas. Certo? Todo mundo apoia a revisão de privilégios
tributários — desde que sejam os dos outros.
É onde o bicho pega. Também onde o mundo
real se impõe; os limites mostram os dentes. O mundo real se imporá no
Parlamento. Passará pelo Congresso qualquer pretensão por diminuir isenções
fiscais; e o Congresso, com grupos de interesse muito bem representados, tende
a resistir.
O cínico afirmaria que aprovar o arcabouço
— o esqueleto — será moleza. (Já está aprovado, concorda o realista, desde o
acordo pela PEC da Transição.) Difícil sendo a aprovação do regime, do tipo de
dieta, que o porá de pé. Porque, pela gordura do governo, alguém teria a carne
cortada.
Em nome de Lula ter picanha para queimar,
seria necessário talhar na maminha de setores poderosos cujo lombo
historicamente só foi engordado. É crível? Da resposta derivam as
possibilidades de o arcabouço fiscal vingar.
A regra de Haddad é transparente, concebida
— sob a medida do presidente — para que, ao aumento de despesas que virá
sempre, corresponda superior acréscimo de receitas. Será ritmo acompanhável? A
questão é se o volume de gastos por vir transformará a regra fiscal — a
capacidade de arrecadar exposta à luz do mundo real — em peça de ficção.
Haverá tanta carne alheia a cortar — e será
possível cortá-la — de modo a que a nova regra fiscal não tombe logo
atropelada, como destelhado de todo foi o teto de gastos? Há de onde extrair
receitas para que a conta se equilibre pelo menos até o final deste governo?
Porque as próprias balizas da proposta sugerem ser para voo curto.
As perguntas surgem. Não são vereditos.
Apenas pulgas atrás da orelha do leigo esforçado.
Haverá tantas distorções tributárias cujas
reversões possam fiar o plano fiscal por ao menos quatro anos? E, na hipótese
de haver, estará o Parlamento disposto a bancar revisões que contrariem lobbies
influentes com corpo dentro do Congresso?
Observando o arranjo das nuvens no
horizonte e considerando que a sustentabilidade do arcabouço fiscal dependerá
incondicionalmente de crescimento da arrecadação, crescentes sempre os gastos,
o ignorante quer saber: o que uma possível, para muitos provável, recessão global,
com efeitos negativos sobre o PIB do Brasil, significaria para o cumprimento da
nova regra fiscal?
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