Valor Econômico
As apostas responsáveis voltam-se para a
aprovação do relatório do deputado Cláudio Cajado (PP-BA) sobre a nova regra
fiscal na sessão plenária desta quarta-feira na Câmara. Proposta em que o
presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), empenhou seu capital político para
caminhar com o governo na matéria. “O novo regime fiscal é prioridade para o
desenvolvimento econômico e social do país”, escreveu Lira em seu perfil no
Twitter no dia 15.
Dois dias depois, o plenário da Casa aprovou o regime de urgência para o projeto. O placar foi expressivo: 367 votos a favor, 102 contrários e uma abstenção, e com adesões relevantes da oposição. O PL do presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, que orientou contra a matéria, entregou 29 votos. Desse total, o governo acredita que terá 25 ou 26 votos “permanentes” da dissidência do PL em outros projetos.
Voltando ao arcabouço, o mesmo placar da
urgência, entretanto, dificilmente se repetirá na votação do mérito da
proposta. Até porque circulava na noite desta segunda-feira entre os líderes da
Câmara que o deputado Cláudio Cajado cogitava endurecer alguns gatilhos
previstos no texto.
Na semana passada, o presidente nacional do
Progressistas (PP) e líder da minoria, senador Ciro Nogueira (PI), adiantou em
entrevista ao Valor que
alertaria Arthur Lira e Cajado, que é seu correligionário, que o relatório
tinha muitas “pontas soltas”, e daria “sinalização ruim” ao mercado.
Nessa conjuntura, a previsão realista é de
que a proposta da nova regra fiscal das contas públicas seja aprovada na
madrugada de quarta para quinta-feira na Câmara, mas com turbulência.
Se não vai repetir o placar da análise da
urgência, o resultado mostrou que o governo tem gordura para queimar, já que
bastam 257 votos para aprovar o projeto de lei complementar. O ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, declarou que gostaria que fossem alcançados mais de
308 votos a favor da matéria - dessa forma, o governo mediria a temperatura da
base para aprovação de emendas constitucionais (PECs), como, por exemplo, a
reforma tributária.
Mesmo que seja com sobressaltos, a nova
regra fiscal será aprovada. Até porque, nas palavras de um ministro, o
presidente Arthur Lira precisa de um legado. E a relevância dessa proposta a
equipara à reforma da previdência social na biografia do ex-presidente Rodrigo
Maia. No dia 10 de julho de 2019, a matéria foi aprovada no plenário da Casa
com 379 votos favoráveis e 131 contrários, e levou o parlamentar às lágrimas.
Portanto, o problema do governo na Câmara
não é a votação do arcabouço fiscal, e, sim, o “day after” da proposta.
Parlamentares do grupo mais restrito de Arthur Lira vêm repetindo a
interlocutores que o presidente da Casa só tem compromisso com o governo em
relação ao novo marco fiscal e à reforma tributária. Para além disso, será cada
um por si.
Diante disso, o observador atento da cena
política já se deu conta de que o líder do MDB, Isnaldo Bulhões (AL), até hoje
não apresentou o relatório da medida provisória de reestruturação
administrativa do governo, que vai caducar se não for votada nas duas Casas até
1º de junho.
Os bastidores da reunião da articulação
política do governo com a cúpula do MDB e o líder da bancada na Câmara na
semana passada sugerem que Isnaldo não estava com cara de bons amigos no
encontro. Embora o partido controle três ministérios na Esplanada, Isnaldo é o
para-raios das reclamações dos deputados da legenda, quase todos descontentes
em relação ao pagamento de emendas e indicação de aliados para cargos nas bases
eleitorais.
Nesse cenário, corre nos corredores da
Câmara que deputados preparam um pacote de maldades para o governo que seria
incluído no relatório de Isnaldo. O texto traria revezes, por exemplo, como o
Programa de Parceria de Investimentos (PPI) ser remanejado da Casa Civil para o
Ministério do Planejamento; a Agência Nacional de Águas (ANA) sair do Meio
Ambiente e passar ao Desenvolvimento Regional; os contratos de publicidade
saírem da Secretaria de Comunicação (Secom) e passarem ao Ministério das
Comunicações.
Embora o governo tenha aberto os cofres
para autorizar o empenho de R$ 1,8 bilhão do Orçamento para pagar emendas
parlamentares (sendo R$ 1,7 bilhão somente em maio), esses recursos ainda
levarão alguns meses para chegar na ponta. Além disso, assim como esta coluna
alertou na semana passada, os parlamentares também se ressentem da falta de
“cuidado” do governo com a base aliada no Congresso. Na quinta-feira, a
ministra da Saúde, Nísia Trindade, cumpriu agenda em Fortaleza, e em cidades do
interior, ao lado do governador do Ceará, Elmano de Freitas (PT). Visitou
hospitais, obras da área de saúde, e anunciou centenas de milhões de recursos
federais para a área de saúde. Não convidou para a agenda os deputados e
senadores cearenses da base governista, em franco atropelo ao que recomenda a
boa política.
O governo pode contar com o novo marco
fiscal, e talvez, com a reforma tributária. Mas a reestruturação do governo
está na corda bamba. Será preciso equilíbrio, disposição e uma base aliada
expressiva, que ainda não existe, para segurar a rede de proteção lá embaixo
para ninguém se estrebuchar.
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