terça-feira, 23 de maio de 2023

Míriam Leitão - A difícil arte de governar

O Globo

Lula entre dois desafios: aprovar limite de gastos e evitar o risco ambiental de explorar petróleo na costa da Amazônia

Governar exige escolhas e impõe limites. As duas barreiras, o presidente Lula está enfrentando essa semana. De um lado, o desenho final do arcabouço traz desafios. Em uma conta, feita ontem, ficou claro que havia o risco de, em 2026, ano eleitoral, o governo não poder dar aumento real ao Bolsa Família. A discussão foi então reaberta. Outro problema que exige sabedoria é a exploração de petróleo na costa da Amazônia. O governo Bolsonaro fez a política de fato consumado levando para lá equipamentos antes de ter autorização do Ibama. Agora, a Petrobras do governo Lula alega que é prejuízo tirar o que nunca deveria ter ido para lá.

O arcabouço deve ser votado amanhã, mas todo o temor da área econômica ontem era de que o debate esbarrasse nas brigas políticas da base parlamentar. Por isso, o ministro Fernando Haddad foi conversar com o presidente da Câmara, Arthur Lira, e, ao chegar, avisou que estava ali para “agradecer a aprovação da urgência”. Quis dizer com isso que o feito era resultado da articulação do próprio Lira.

Em cima da mesa, o relator Cláudio Cajado tentava equilibrar a pressão dos dois lados. No mercado se diz que está frouxo, na esquerda o medo é de comprimir despesas. A discussão que pegou foi do Fundeb ficar dentro ou fora do limite de gastos. O que os técnicos do governo me explicaram é que se ele for incluído elevará a base, portanto não tirará espaço de outras despesas. Nem o fundo será prejudicado já que, até 2026, ele tem aumentos garantidos. Porém, a pressão da bancada da educação, com Tabata Amaral à frente, foi para deixar o Fundeb fora do teto. Outro candidato a sair é o Fundo do Distrito Federal.

O caso da exploração de petróleo na região conhecida como Foz do Amazonas não permite meio termo. O governo Temer negou licença para a francesa Total pesquisar petróleo lá. Seria chocante se o governo Lula pressionasse o Ibama a dar licença, com o argumento tosco da Petrobras de que, na verdade, fica a 500 quilômetros da Foz do Amazonas.

A Petrobras montou uma estrutura operacional que fica em Belém, a 800 quilômetros do local da perfuração. Se algo acontecer, como movimentar essa estrutura numa distância dessas? Por outro lado, a logística depende de um heliporto que fica ao lado de uma terra indígena com três povos. O volume dos voos será descomunal. Isso para que os trabalhos de pesquisa sejam feitos.

São 22 lotes, desses um foi negado, o 59. Outros três são na Bacia Potiguar. Neles, certamente os estudos continuarão porque lá já existe exploração de petróleo. Os outros 18 lotes que ficam na margem equatorial têm que passar por uma avaliação ambiental estratégica. Não é uma questão de qual a distância entre o lote 59 e a Foz do Amazonas, mas o fato de que todos esses lotes estão em área ambientalmente delicada e precisam de uma avaliação sistêmica.

O regime fiscal sustentável deve ir à votação na quarta-feira e o substitutivo do deputado Cláudio Cajado tornou mais robustos os limites para as despesas. Um dos avanços é a inclusão dos aportes nas empresas estatais não financeiras no limite de gastos. Isso desagradou ministros do governo Lula, mas não fazia sentido ficar fora do controle.

Agora estão sendo negociadas algumas flexibilizações. Uma delas é a de alterar um dos itens previstos no artigo 167 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Por ele, quando não se atinge a meta fiscal, não é possível dar aumento real ao salário mínimo. Foi retirado isso para que haja a possibilidade de se desenhar uma política de valorização do salário mínimo. Negociava-se ontem o que fazer para que o Bolsa Família não tenha limites rígidos.

O conflito da exploração de petróleo na costa da Amazônia pode ter prejuízo grande para o governo Lula. Parlamentares, inclusive da base, ameaçam retaliar tirando do Ministério do Meio Ambiente o sistema nacional de resíduos sólidos e o Serviço Florestal Brasileiro. Quem adotar esse tipo de revanche estará, na verdade, enfraquecendo o Sistema Nacional de Meio Ambiente no momento em que o Brasil começa a recuperar sua credibilidade no setor. Isso tem implicações econômicas sérias.

Lula terá que se envolver diretamente para evitar esse tipo de retaliação e para garantir autonomia do Ibama. Precisará também trabalhar pela aprovação do arcabouço. Governar exige fazer escolhas difíceis e aceitar limites, como bem sabe o presidente.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Falou e disse!