Crédito deverá continuar apertado para as empresas
Valor Econômico
Houve uma redução na demanda de recursos
para investimentos e subiu a busca por capital de giro
A economia surpreendeu no início do ano.
Puxado pela agropecuária, o Índice de Atividade do Banco Central (IBC-Br)
avançou 2,41% no primeiro trimestre, a terceira maior variação da série
histórica, e já está animando previsões mais positivas para o ano. Na
contramão, as empresas enfrentam cenário financeiro negativo, com o alto custo
dos empréstimos e o mercado de capitais travado, comparável a períodos críticos
de crise, como na freada brusca registrada no início da pandemia e na recessão
de 2015 e 2016, segundo números levantados pelo Centro de Estudos de Mercado de
Capitais da Fipe (Cemec-Fipe).
A captação líquida das empresas foi de R$ 37,092 bilhões na média móvel do primeiro trimestre. Foram seis meses seguidos de queda, acumulada em 84,1% a partir do pico de setembro, levando o número para o menor nível desde março de 2020, informa o Cemec-Fipe. O recuo é puxado pelas emissões de dívidas domésticas, devido à retração do mercado de capitais. Mas o crédito bancário não está melhor e caiu ao patamar mais baixo da série iniciada em 2016.
Um novo indicador desenvolvido pelo BTG
Pactual também constata que o acesso ao crédito tanto por parte de empresas
quanto pelas famílias está tão difícil quanto na crise de 2015, quando o PIB
caiu 3,6%, ou no auge da pandemia. O índice utiliza 107 séries de dados como
crédito bancário, crédito privado, fundos de investimento, percepção de risco,
juros internacionais e até cotações de fertilizantes.
A situação do mercado de capitais é das mais
críticas. Em abril, as operações somaram R$ 14,9 bilhões, 41,4% a menos do que
em março, acumulando R$ 82,6 bilhões nos primeiros quatro meses do ano, com
queda de 40,5% na comparação com o mesmo período de 2022. Não há abertura de
capital desde o recorde de 2021, quando houve 45 ofertas. Várias empresas
engavetaram os planos diante da retração do investidor estrangeiro, que chega a
ficar com metade de muitas ofertas e agora está atraído pela alta dos juros
internacionais. Neste ano apenas há algumas ofertas subsequentes, como as duas
realizadas em abril.
Os papéis que mais espaço têm conseguido no
mercado são as debêntures e muitos têm tido como destino cobrir buracos. Do
total colocado neste ano, segundo a Associação Brasileira das Entidades dos
Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), 32,1% destinaram-se compor o
capital de giro, e 31,6% a refinanciamento de passivo. Muitas operações são
encarteiradas pelos próprios bancos que intermediaram a colocação. O prazo de
emissão encurtou, com 27,8% com até três anos, 12,1% a mais do que no mesmo
período do ano anterior, e 36,1% com quatro a seis anos, 11,5% a menos na mesma
comparação.
A situação dos empréstimos também deixa a
desejar. O saldo do crédito livre encolheu 0,5% no primeiro trimestre e as
novas concessões despencaram 7,9%. No caso das pessoas jurídicas, os
percentuais são ainda maiores, de 3,3% e 11,3%, respectivamente. Análise feita
pelo Valor (19/5) mostra que a retração ocorreu inclusive nos grandes
bancos. O Banco Central reconheceu o problema e notou que as empresas recorrem
ao próprio caixa sempre que possível e evitam buscar crédito no sistema
financeiro. Houve uma redução na demanda de recursos para investimentos e subiu
a busca por capital de giro.
As taxas de juros elevadas certamente influenciam
no quadro. Não há sinais de que recuarão no curtíssimo prazo. Há ainda uma
indefinição em relação ao novo governo e às regras fiscais, em relação à
economia e ao cenário internacional. Não fosse todo esse quadro indicando
cautela, houve a crise da Americanas, que entrou em recuperação judicial após
revelar em janeiro a bomba ainda inexplicada de “inconsistências contábeis” de
R$ 20 bilhões em operações de risco sacado.
Os problemas de crédito geralmente começam
pelas empresas pequenas e médias. Desta vez, outros grandes nomes do setor
empresarial como Light, Oi, Grupo Petrópolis, CVC, Renner, Tok&Stok, entre
outros, causaram preocupação e contribuíram para a retração de bancos e
investidores. Somente os debenturistas da Americanas detinham quase R$ 10
bilhões. Estima-se que há 26 fundos de crédito com cerca de 3 milhões de
cotistas que tiveram perdas com a desvalorização dos títulos da Light. Foram
atingidos principalmente fundos de crédito privado. Mas há nesse bolo inclusive
fundos DI, cujo retorno deveria acompanhar a taxa do CDI, mas tiveram o
resultado comprometido porque podem aplicar uma parcela do patrimônio em
títulos de crédito.
Em consequência, os fundos de investimento
acumulam saques de quase R$ 118 bilhões nos primeiros quatro meses do ano, dos
quais R$ 47,5 bilhões nas carteiras de renda fixa. Em todo o ano passado os
saques somaram R$ 130 bilhões.
O quadro vai comprometer a evolução da economia neste ano, que não deverá sustentar os números vistosos do primeiro trimestre. Mesmo que o Banco Central reduza os juros no segundo semestre, como se prevê, o ritmo deverá ser lento, com efeito defasado ao longo do tempo. Como sinaliza o Cemec-Fipe, as condições financeiras das empresas deverão continuar difíceis nos próximos meses.
Reunião do G7 trouxe revés para diplomacia
lulista
O Globo
Líderes que saudavam Lula como alternativa
a Bolsonaro já não o encaram com a mesma deferência
A viagem do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva ao Japão para participar como convidado do encontro do G7, grupo que
reúne as sete maiores economias democráticas, foi um exemplo pedagógico das
limitações da política externa brasileira.
A presença surpresa do presidente ucraniano, Volodymyr
Zelensky, concentrou as atenções. Lula, que meses atrás acalentava o plano
de negociar a paz entre Rússia e Ucrânia, nem conseguiu uma reunião bilateral
com Zelensky. Até o presidente americano, Joe Biden, evitou um encontro a dois
com Lula.
Lula declarou não ter ido a Hiroshima para
“discutir a guerra da Ucrânia”. Ele pode participar de reuniões internacionais
com os objetivos que julgar melhor para defender os interesses brasileiros, mas
não pode ignorar a realidade. As potências ocidentais que saudaram sua chegada
ao poder como um vento benfazejo depois do furacão Jair Bolsonaro já não
parecem encará-lo com a mesma deferência.
O G7 voltou a ganhar relevo depois da
invasão da Ucrânia pela Rússia. Foi o fórum em que as potências ocidentais
formularam respostas coordenadas de apoio aos agredidos e de sanção aos
agressores. Chegar ao encontro sem querer discutir a guerra na Ucrânia é, no
mínimo, ingenuidade.
Um dos objetivos de Zelensky ao viajar de
surpresa para Hiroshima era conversar com o líder indiano Narendra Modi e com
Lula. Índia e Brasil têm dado ouvidos à Rússia, seguindo a lógica de uma
política externa sem alinhamento automático com Estados Unidos (pró-Ucrânia) ou
China (pró-Rússia). Para os ucranianos, a aproximação dos dois países era uma
tentativa de ganhar apoio entre os emergentes.
No final, Zelensky encontrou Modi, mas não
Lula. De acordo como o Itamaraty, por horários incompatíveis. É natural que o
governo brasileiro tenha feito pouco esforço para viabilizar a reunião. E o
fato de Zelensky não ter mudado sua programação demonstra que, embora
desejável, o apoio do Brasil é dispensável. Tudo somado, fica evidente que os
planos de Lula para assumir papel de destaque numa eventual negociação de paz
são pura fantasia. Lula volta de Hiroshima menor do que chegou. Não é visto
mais como “o cara”, na expressão usada pelo ex-presidente Barack Obama para
definir sua importância nas reuniões internacionais.
É uma pena, pois o Brasil dispõe de uma
agenda produtiva, capaz de aumentar seu protagonismo global. Na sessão de
trabalho do G7, quando falou de mudanças climáticas, Lula provocou reações
positivas. A proteção ao meio ambiente foi tema central de pelo menos três
encontros bilaterais: com o australiano Anthony Albanese, o indonésio Joko
Widodo e o canadense Justin Trudeau. Lula também tentou manter vivo um dos
temas prediletos da diplomacia brasileira: a necessidade de reforma do Conselho
de Segurança da ONU. Como em todas as outras vezes em que o assunto foi
levantado, o resultado foi inócuo.
É evidente que o mundo viu com alívio a
vitória de Lula sobre Bolsonaro. Sua diplomacia não alinhada pode fazer sentido
para uma potência regional como o Brasil. A melhor forma de pô-la em prática,
contudo, não é repetir os erros de Bolsonaro em relação à guerra na Ucrânia ou
dar declarações sobre extração de petróleo na foz do Amazonas em desafio a sua
própria agência ambiental. Desse jeito, os líderes globais questionarão se a
Presidência brasileira mudou tanto assim.
Atos racistas em estádios de futebol não
podem ser tolerados em nenhum país
O Globo
Leniência da Liga Espanhola com agressão
contra Vini Jr. revela dificuldade de combater a chaga
O futebol foi o que de menos importante
aconteceu na partida entre Real Madrid e
Valencia no último domingo. As ofensas racistas dirigidas em coro ao jogador
brasileiro Vinícius Jr., do Real Madrid, roubaram o protagonismo do espetáculo.
O episódio — décimo
primeiro do tipo sofrido por Vini Jr. em menos de dois anos —
já seria condenável por si só. Tornou-se pior pela leniência com que foi
tratado pela Liga Espanhola (La Liga). Um péssimo exemplo para o mundo.
Quem esperava ver futebol assistiu a um
festival de horrores. No segundo tempo da partida, os torcedores do Valencia
começaram a insultar Vini Jr. aos gritos de “mono” (macaco). O jogo ficou
paralisado por oito minutos. Quando foi retomado, as ofensas prosseguiram.
Abalado, Vini Jr. acabou expulso no fim da partida, quando uma confusão tomou
conta do gramado. Inicialmente a súmula da partida nem fazia referência
ao racismo no
estádio, como se fosse possível ignorá-lo. Diante da reação, foi feito um
adendo. A hesitação mostra a dificuldade de reprimir esse comportamento odioso,
apesar das orientações da Fifa.
As ofensas racistas tiveram enorme
repercussão. Clubes, federações, atletas de vários países manifestaram
solidariedade a Vini. O presidente
da Fifa, Gianni Infantino, pediu mais rigor aos países e às ligas. O
caso foi tão escandaloso que despertou no governo Lula a ideia
inusitada de usar o Código Penal para aplicar a lei brasileira no exterior.
O Valencia
anunciou que banirá para sempre do estádio os torcedores acusados de racismo.
Mas a reação da Liga Espanhola foi tíbia. Embora ela tenha anunciado que
investigará o caso, não convence, uma vez que o problema tem se repetido com
frequência. O técnico do Real Madrid, Carlo Ancelotti, não poupou críticas:
“Quando um estádio grita ‘mono’ a um jogador e o treinador pensa em tirar o
jogador por isso, é sinal de que há algo errado acontecendo nessa liga”.
Numa inversão perversa dos fatos, o
presidente da Liga Espanhola, Javier Tebas,
preferiu criticar Vini Jr., transformando vítima em culpado. Disse
que ele não compareceu às reuniões marcadas para discutir o racismo na liga.
“Antes de criticar e insultar La Liga é necessário se informar adequadamente”,
afirmou.
Esse não é um problema só da Espanha. Combater atitudes racistas nos estádios é um desafio no mundo inteiro. Hoje já existe uma conscientização maior. Em 2020, numa decisão histórica durante partida entre PSG e Istanbul Basaksehir pela Liga dos Campeões, atletas dos dois times abandonaram o gramado do Parque dos Príncipes depois que um integrante da comissão técnica do clube turco sofreu ofensa racista de um árbitro. O enfrentamento tem de ser permanente, como mostram os sucessivos episódios em diferentes países, incluindo o Brasil. Atos racistas não podem ser ignorados ou tolerados, sob o risco de essa chaga se perpetuar em cenas lastimáveis.
G7 em transição
Folha de S. Paulo
Encontro no Japão atestou mudança no
cenário global que Lula demorou a entender
Da segunda metade dos anos 1990 até meados
da década passada, a Rússia desfilava como ator assíduo nos encontros da elite
mundial, e a China recebia chancelas de democracias ricas para participar com
isonomia dos negócios globais.
As preocupações com a segurança
internacional concentravam-se nas ameaças terroristas, e mal passavam de uma
franja ruidosa os movimentos extremistas e neopopulistas nas nações
democráticas.
Esse cenário mudou. O expansionismo russo
abriu um cisma entre o Kremlin e as democracias do hemisfério norte, que agora
tentam apartar a China da vanguarda tecnológica enquanto enfrentam robustas
forças políticas domésticas hostis aos princípios liberais.
Voltou a reclamar atenção o estrago
planetário que nações armadas até os dentes com ogivas e mísseis nucleares
poderiam provocar.
Nesse contexto deve ser entendido o encontro de
cúpula do G7 (EUA, Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Japão e Canadá),
ocorrido neste fim de semana em Hiroshima, que teve o Brasil entre
os convidados extraordinários.
A invasão russa da Ucrânia e as
preocupações com a saliência econômica e geoestratégica chinesa ressaltam-se no
extenso documento final divulgado pelo grupo.
No primeiro caso, a mensagem foi a de que
as potências democráticas apoiarão a Ucrânia o quanto for necessário. No
segundo, alertas sobre movimentações de Pequim no Mar do Sul da China, o clamor
por uma solução pacífica em Taiwan e a orientação para reduzir a dependência
econômica do gigante asiático completaram o recado.
Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) se viu deslocado dos eixos das conversas na cidade japonesa, foi por não
ter compreendido essa transformação geopolítica a tempo de evitar dizer e fazer
as bobagens que cometeu na campanha e no início do governo.
A retórica
presidencial, ao por exemplo descrever a agressão russa como
violação territorial da Ucrânia, pareceu desta vez mais ajustada. É essa
qualificação que a Carta de 1988 inspira quando elenca a autodeterminação dos
povos e a não intervenção como bases das relações internacionais do Brasil.
As trapalhadas do passado, no entanto,
dificultam o credenciamento brasileiro como um ator importante no
encaminhamento da paz. A bem da verdade, uma mediação brasileira de uma guerra
que se passa no leste da Europa seria improvável em qualquer hipótese.
Até pela sua dilatada distância geográfica
e política do teatro das operações, o Brasil pode dar-se ao luxo de errar sem
maiores consequências nesse caso. O mais importante é o governo Lula aproveitar
o episódio para livrar-se de concepções diplomáticas ultrapassadas.
Racistas x futebol
Folha de S. Paulo
Dirigentes não deveriam esperar o Estado
para banir atos criminosos dos estádios
O brasileiro Vinicius Junior, jogador do
Real Madrid, voltou a ser alvo de ofensas de cunho racial em um estádio de
futebol da Espanha. Desta vez, espera-se que
a comoção em torno do episódio vergonhoso gere consequências mais palpáveis.
Vini Jr., como é conhecido, foi hostilizado
por torcedores do adversário Valencia, que, aos gritos, o chamavam de
"macaco" —a ponto de o locutor do estádio pedir que os insultos
parassem. O brasileiro denunciou um dos agressores ao juiz da partida e, em seguida,
acabou sendo expulso após uma briga entre os atletas em campo.
Um levantamento publicado pela BBC Brasil
contou 10 casos do tipo contra o jogador do Real Madrid desde 2021, dos quais 6
neste ano.
Para além da torpeza nos estádios, em
janeiro, antes de um embate contra o arquirrival Atlético de Madrid, um boneco
negro com o uniforme de Vini foi pendurado pelo pescoço na capital espanhola.
Tratando-se de uma estrela global do
esporte, é natural que haja maior repercussão em torno de tais episódios —que
nem de longe são raros nos diversos torneios europeus, os mais nobres do
futebol atual e assistidos em todo o mundo. A resposta a essas infâmias, porém,
não tem ido muito além da repulsa da opinião pública.
Há leis nacionais, obviamente, que criminalizam
diferentes manifestações de racismo. Existem também regulamentos esportivos que
permitem punir condutas inaceitáveis. O Código Disciplinar da Fifa, para citar
só uma referência, busca coibir discriminação em razão de cor, etnia, origem
social, gênero, orientação sexual etc.
Os organizadores e atores do futebol não
deveriam aguardar a ação das autoridades de Estado para tomar providências. É
salutar, nesse sentido, que o Valencia tenha anunciado que já começou a
identificar os energúmenos responsáveis pelas ofensas a Vini e
que pretende proibir a entrada deles em seu estádio.
É fato conhecido que há quem frequente as
arenas para dar vazão a seus preconceitos e sua agressividade, numa ameaça para
a coletividade. A Inglaterra, que hoje abriga o campeonato mais valorizado do
planeta, conduziu nas últimas décadas uma política rigorosa, nas esferas
pública e privada, para banir a violência de torcedores.
Guardadas as proporções, o exemplo deveria inspirar poder público, clubes e dirigentes a abandonarem a negligência covarde diante de atos criminosos.
Meritório ou não, gasto é gasto
O Estado de S. Paulo
Reafirmando conceitos básicos de política
fiscal, técnicos das consultorias da Câmara rejeitam exceções ao limite de
gastos e manobras que possam comprometer integridade do arcabouço
A Consultoria Legislativa e a Consultoria
de Orçamento da Câmara dos Deputados divulgaram uma nota técnica que elaboraram
em conjunto para subsidiar as mudanças que Cláudio Cajado (PP-BA), relator da
proposta que cria o novo arcabouço fiscal, propôs ao texto enviado pelo
governo. No parecer que deve ser votado nesta semana, o relator retirou da
lista de exceções ao limite de gastos itens como o piso da enfermagem, o Fundo
de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação (Fundeb), aportes em estatais não financeiras e a
ajuda federal às forças de segurança do Distrito Federal.
Como era de esperar, as alterações foram
bombardeadas pelos grupos diretamente atingidos pelas mudanças, que trabalham
para revertê-las. Para parlamentares do PT, o relatório poderia amarrar as
ações do governo. Para a bancada da Educação, colocar o Fundeb sob o alcance do
arcabouço seria uma demonstração de insensibilidade com o magistério.
Militares, por sua vez, querem assegurar aportes às empresas vinculadas à
Defesa.
Sem questionar ou diminuir a importância de
cada área, os técnicos das consultorias da Câmara reafirmam, na nota conjunta, conceitos
básicos sobre a área fiscal, como a obrigatoriedade de que toda receita e toda
despesa primária sejam computadas na apuração da meta do resultado primário.
Tratase de um conceito fundamental para guiar não apenas as escolhas do
Legislativo às vésperas de o arcabouço entrar na pauta de votações, mas também
a elaboração do Orçamento Geral da União e as próprias escolhas do País no
passado, no presente e no futuro.
“A integridade da regra do teto exige que
todas as despesas com impacto primário estejam submetidas ao limite de
crescimento das despesas primárias, o que é compatível com o propósito da norma
que é o de controlar as despesas e conter a trajetória ascendente da dívida
pública”, afirma a nota. “Tampouco é critério de exclusão do limite o mérito ou
a relevância de uma despesa. Tanto é assim que todas as despesas com saúde e
educação, por exemplo, obrigatórias ou discricionárias, encontram-se submetidas
ao teto.”
Pode parecer óbvio, mas não é. Essa
prática, afinal, explica em parte o fracasso do teto de gastos. A rigidez do
dispositivo pressupunha a realização de reformas para rever gastos estruturais.
Como elas não foram realizadas, gastos como o piso do Auxílio Brasil e o
pagamento dos precatórios foram tratados como excepcionais. E, de exceção em
exceção, o dispositivo foi perdendo toda a credibilidade ao longo de sua curta
existência.
Quando uma área recebe tratamento especial,
todas se mobilizam para obter o mesmo privilégio. Para os consultores da
Câmara, quaisquer exceções ao arcabouço, quando e se existirem, “devem
necessariamente possuir um fundamento lógico, baseado em critérios estritos do
ponto de vista fiscal”.
É o caso de receitas arrecadadas pela União,
mas que pertencem a outros entes, como as transferências para Estados e
municípios; gastos imprevisíveis, decorrentes de guerra ou calamidade pública;
e dispêndios sazonais, como os da Justiça Eleitoral. Evidentemente, não era o
caso do eleitoreiro piso do Auxílio Brasil nem do “meteoro” dos precatórios – e
também não é o caso dos pisos dos professores, da enfermagem, dos policiais do
Distrito Federal ou dos aportes nas empresas estatais.
Como alertam os consultores, todas as
despesas, independentemente de seu caráter e relevância, “integram o Orçamento
da União e têm impacto primário como qualquer outra, tanto que seu crescimento
contribuiu para resultados fiscais desfavoráveis”. Não há qualquer julgamento
moral nesse entendimento, mas o simples reconhecimento de princípios fiscais
que valem para todo governo e qualquer país.
Um arcabouço fiscal digno do nome deve ter
o poder de conter todas as despesas do governo, sem exceções. Submeter todas
elas aos limites do mecanismo, mesmo as rubricas politicamente sensíveis, seria
a maior prova da disposição do Executivo para levar o dispositivo realmente a
sério.
O simbolismo de um chá de cadeira
O Estado de S. Paulo
Ao faltar a encontro com Lula no G7,
Zelenski sugere que, por ora, não considera o Brasil confiável para mediar conflito
com a Rússia; para EUA e Europa, este não é o momento para paz
Se algo sobressaiu da participação do
presidente Lula da Silva na reunião de cúpula do G7, em Hiroshima, foi o fato
de não ter se encontrado com o ucraniano Volodmir Zelenski. Esse episódio
reforçou a opção do Brasil pela neutralidade diante do conflito entre Rússia e
Ucrânia e pela criação de um grupo para iniciar a mediação de um acordo de paz.
A questão de fundo exposta em Hiroshima é se vale a pena o País prosseguir
nesse caminho, que inevitavelmente o aproxima de Moscou, por mais que Lula
mencione o sofrimento dos civis ucranianos castigados pela guerra.
Para os Estados Unidos e a Europa
Ocidental, este não é o momento para conversas sobre paz. A janela se abrirá
somente quando os soldados russos forem empurrados fora do território
ucraniano, graças, sobretudo, ao armamento fornecido pelos integrantes da
Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Os riscos dessa estratégia
estão calculados – no limite, o risco de Vladimir Putin responder à derrota nos
campos de batalha acionando o arsenal nuclear.
Lula discorda dessa estratégia. Em sua vez
de falar no G7, criticou a Rússia, mas insistiu na articulação de um processo
de paz. Fora do púlpito, depois de dizer-se chateado com a ausência de Zelenski
no encontro supostamente marcado para as 15h15 do último domingo no hotel em
que se hospedara, o brasileiro criticou a intenção do Ocidente de forçar a
rendição da Rússia. Vaticinou que levará a uma nova guerra fria e cravou que a
Ucrânia e seus aliados “não querem a paz” neste momento.
O Brasil não está sozinho ao pregar a
neutralidade e o início de um processo de paz. Índia e Indonésia mantêm-se na
mesma linha e igualmente foram expostas ao constrangimento diplomático armado
no G7 de Hiroshima. A presença de Zelenski não fora antecipada aos países
convidados e elevou o grau de pressão das potências ocidentais para as nações
neutras tomarem partido contra a Rússia.
O indiano Narendra Modi recebeu Zelenski reservadamente,
mas não se dobrou aos seus apelos. O sul-coreano Yoon Suk Yeol manteve sua
oposição ao envio de armas à Ucrânia depois de encontro bilateral. A colheita
do ucraniano foi farta entre os que já apoiam sua causa. Joe Biden, dos Estados
Unidos, prometeu o aporte de mais US$ 375 milhões para a ofensiva militar
ucraniana e o treinamento de pilotos para o uso de caças norte-americanos F-16
– o que indica o envio também dos aparelhos.
Índia e Indonésia têm razões próprias para
levar a ferro e fogo sua neutralidade e insistir no processo de paz. Em
condições distintas da do Brasil, esses países estão no mesmo entorno
geopolítico da Rússia na Ásia e mantêm com Moscou interação econômica e
comercial em escala bem mais robusta que a brasileira. A neutralidade, para o
Brasil, está calcada em princípios – paz a qualquer custo – e em uma
indisfarçável resistência em se opor diretamente à Rússia, de quem é sócia no
fórum Brics junto com China, Índia e África do Sul.
A ambição do presidente Lula da Silva de se
alçar como protagonista de negociações de temas de interesse global não deixa
de ter sua cota de relevância. Há de se levar em conta ainda o atual contexto
político doméstico. Em certas áreas relevantes, como a econômica, o PT é o
principal foco de oposição. É possível imaginar a insatisfação do partido de
Lula se o presidente aceitasse se aliar ao esforço de guerra liderado pelos
Estados Unidos, o vilão que o lulopetismo ama odiar.
O fato é que a diplomacia presidencial de
Lula por ora obteve alcance raso e respostas vagas. No G7, tornou-se claro que
sua insistência na neutralidade e na criação de um grupo de paz tem escassa
chance de sucesso. O presidente, porém, diz que irá “até ao fim do mundo” pela
paz entre Ucrânia e Rússia. Noves fora a loquacidade voluntarista de Lula, há
de se pesar o gasto de energia e mobilização diplomática, o isolamento do
Brasil de parceiros relevantes e a perda de potenciais benefícios. O
deselegante chá de cadeira que Lula levou de Zelenski mostra que o Brasil, por
ora, não é visto pela Ucrânia – e, por extensão, pelos aliados de Kiev – como
um mediador confiável.
Vezo patrimonialista
O Estado de S. Paulo
PGR contribui para fazer desta uma
República peculiar, repleta de privilégios para uma casta de servidores
Uma nova ferida foi aberta nesta República
há muito já açoitada pela concessão de privilégios a uma casta de servidores. É
gente com muito poder – e nenhum espírito público – para sequestrar a
democracia e fazê-la funcionar como meio de satisfação de seus interesses de
classe.
Há poucos dias, o procurador-geral da
República, sr. Augusto Aras, regulamentou o pagamento do adicional por “acúmulo
de acervo processual, procedimental ou administrativo” para seus colegas de
Ministério Público da União (MPU), um mimo que foi aprovado às pressas pelo
Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), presidido por Aras, em dezembro
do ano passado. A regulamentação, publicada no Diário Oficial da União do dia
19 passado, tem efeito retroativo. Ou seja, a partir de agora, os procuradores
poderão reclamar o crédito do benefício acumulado desde janeiro de 2023.
Em tese, está-se falando da concessão de
uma folga a cada três dias trabalhados sob “acúmulo de serviço”, o que chega a
ser um insulto à esmagadora maioria dos brasileiros. Mas, quando os doutos
procuradores não se sentirem tão cansados, poderão “vender” essas folgas e
transformá-las em dinheiro no bolso – mais especificamente, em um aumento
salarial de 33%, o equivalente a cerca de R$ 11 mil por mês.
Evidentemente, o sr. Aras, referendado pelo
CNMP, não classificou o novo penduricalho como aumento salarial, e sim
“gratificação”. O objetivo, claro, é burlar o dispositivo constitucional que
determina como teto da remuneração do funcionalismo público o salário dos
ministros do Supremo Tribunal Federal, hoje fixado em R$ 41,6 mil. Indenizações
de qualquer natureza não estão sujeitas ao chamado abate-teto.
Augusto Aras está em desabalada campanha
para ser reconduzido ao cargo ou, no pior cenário, influenciar a escolha de seu
sucessor à frente da PGR pelo presidente Lula da Silva em setembro próximo.
Angariar apoio entre os pares, fazendo cortesia com o chapéu alheio, insere-se
nesse contexto. Mas é o caso de recordá-lo, por mais constrangedor que seja
para este jornal fazê-lo, que a Constituição incumbe ao Ministério Público,
antes de qualquer coisa, “a defesa da ordem jurídica”. E não há como falar em
defesa da ordem jurídica quando ninguém menos que o procurador-geral da
República recorre a uma malandragem para garantir a concessão de mais um
privilégio para sua categoria ao arrepio da Lei Maior.
Ademais, além de ser flagrantemente
inconstitucional, o penduricalho é um prêmio ao desleixo, um convite à
ineficiência do Ministério Público. Afinal, que procurador ou promotor País
afora haverá de se sentir estimulado a trabalhar melhor em prol da sociedade ao
perceber que o represamento de processos sob sua responsabilidade significa
mais dinheiro no seu bolso?
Em nome do melhor interesse público, o
Congresso precisa discutir um projeto de lei que reavalie as atuais
competências do CNMP. O órgão, majoritariamente composto por membros do
Ministério Público, não pode estar acima do bem e do mal na defesa de
interesses corporativistas.
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