terça-feira, 23 de maio de 2023

Joel Pinheiro da Fonseca - Máquina versus voto

Folha de S. Paulo

Não é cedo para pensar na eleição do ano que vem, já que hoje a campanha é constante

Imagino que o MST não queria piorar as chances da esquerda na maior cidade do país nas eleições de 2024, mas até agora é isso que a retomada de invasões tem conseguido: servir de plataforma para a direita.

Toda a CPI do MST parece um evento sob medida para lançar a candidatura de Ricardo Salles e prejudicar Guilherme Boulos. Ele já anunciou que colocará sob holofote não apenas o MST como também o MTST, o movimento pela moradia urbana que, até onde se sabe, não tem absolutamente nada a ver com as invasões ou ocupações rurais recentes.

O único motivo para isso é tentar jogar Guilherme Boulos —líder do MTST— na pior luz possível; mostrá-lo como um radical que patrocina a invasão de casas, os protestos violentos e a depredação da propriedade.

Ao mesmo tempo, sinalizou também que deve pegar leve com o governo Lula, adotando um tom conciliador e moderado, imagem que será necessária se quiser conquistar o eleitorado paulistano de centro num possível segundo turno.

Estamos ainda em 2023; não é cedo demais para pensar na campanha do ano que vem? Não. Hoje mais do que nunca, a campanha é constante. A comunicação do governo e da oposição, ou de diferentes candidatos a um cargo, não pode parar um segundo. Quem para dá espaço para seu adversário falar sozinho e monopolizar os ouvidos da multidão.

Para Guilherme Boulos, enfrentar Salles não é nada ruim. Ele também é bom de mobilizar o eleitorado mais aguerrido e de engajamento nas redes. No ano passado, Bolsonaro perdeu na capital. Uma reedição de Lula e Bolsonaro tende a favorecê-lo.

O único que pode quebrar essa lógica é Ricardo Nunes, o prefeito, que assumiu a prefeitura desde a morte de Bruno Covas em maio de 2021. Mas é pouco conhecido da população e ainda não tem uma marca clara para seu mandato. Tudo o que se pode dizer até agora é que ele não está em nenhum dos extremos.

Se Nunes chegar ao segundo turno com um dos dois radicais, tem boas chances de vencer. O problema é chegar lá.

A cada eleição, temos visto o conflito de duas formas de se fazer política: a aposta no sistema —acordos com caciques partidários e lideranças sociais, aposta no uso da máquina administrativa, campanha de rádio e TV— e a aposta no contato direto com o eleitor —um discurso que empolgue grande parte do eleitorado, presença forte nas redes, ainda que sem muita estrutura de campanha.

Nenhum dos dois tem a palavra final, claro, e imagino que seja possível encontrar exemplos para ambos os lados, mas o apelo popular direto tem tido mais força e quem aposta todas as suas fichas na "máquina" tem saído decepcionado. Basta lembrar da candidatura de Alckmin em 2018 e Rodrigo Garcia em 2022. Apoio de lideranças não se traduz necessariamente em votos.

O velho sistema tem um trunfo. Até agora, líderes do PL não parecem apoiar a candidatura de Salles. Ele é deputado pelo PL e não pode sair do partido sem perder o mandato. Assim, optar por uma legenda menor para concorrer contra os desígnios do PL seria um risco grande demais. Então, ele fica mesmo na pendência de negociar com o PL e agradar as lideranças certas para conseguir a candidatura. E não haverá moeda melhor nessa negociação do que intenções de voto favoráveis; mais motivo para ele aparecer o quanto puder desde já. Quem não fizer o mesmo, corre o sério risco de se afogar.

 

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