O Globo
Loja de políticos — assim reportagem da
Folha se referiu à Codevasf. Poderia ser “loja para políticos”, vitrine em que
parlamentares escolhem os produtos que mandarão a suas bases. Há até catálogo
com equipamentos que podem ser remetidos por meio da companhia. A própria
estatal, originalmente dedicada à irrigação, criou o mostruário. Além dos mais
frequentes tratores, já distribuiu freezers, batedeiras, notebooks e máquinas
de costura.
A Codevasf se tornou, a partir do governo
Bolsonaro, superfície essencial para o deságue de bilhões em emendas
parlamentares. Num milagre de proporções alcolúmbricas, os vales do São
Francisco e do Parnaíba chegaram ao Amapá. Multiplicação de alcances que não
mudou com o governo Lula. Nem poderia, já que o sistema do orçamento secreto —
deslocando-se para enganar — continua em operação.
Se o motor do orçamento secreto permanece acelerado, constante será a necessidade de a Codevasf ampliar a variedade de suas irrigações. Orçamento secreto e Codevasf são corda e caçamba. Evoluem — modernizam-se para continuar sob perversão — em dupla.
Relembro o artigo 4º da Lei Orçamentária
Anual de 2023, cuja redação formalizou a manutenção dos dinheiros da finada
emenda do relator sob propriedade dos parlamentares. A segunda complementação
de voto do senador Marcelo Castro vedou o cancelamento, sem o seu aval, de
dotações de despesas discricionárias que decorram de indicações do relator
(ele); e definiu que a destinação dos recursos — os quase R$ 10 bilhões que
migraram para os cuidados dos ministérios (RP2) — persistiria sujeita a
indicações apresentadas pelo relator-geral do Orçamento (ele, Castro, em nome
dos parlamentares).
A grana moveu-se, no papel, para RP2, mas,
na prática, ficou com os parlamentares. A grana é dos parlamentares. Essa
solução compôs o acordo pela aprovação da PEC da Transição.
Se a dinâmica do orçamento secreto
perseverou, necessária e próspera será a Codevasf; que, para se adaptar à
natureza do petismo, também se transformaria.
Sob Lula, a companhia manteve o ritmo de
distribuição de equipamentos conforme tocado com Bolsonaro, mas acrescentou um
modelo de beneficiários para além das prefeituras: associações comunitárias,
cooperativas e sindicatos, agradados de igreja evangélica a entidade de
garimpeiros. Espécies de organização particular para as quais a fiscalização é
ainda mais precária do que a já parca aos municípios.
Sob Lula, a Codevasf tem planos de
expansão. Se há bola dividida entre aliados pelo controle de uma
superintendência estadual, por que não criar segunda sede? Mais
superintendências, mais cargos. Mais superintendências, maior a superfície a
encharcar. Se há disputa pela estatal em Pernambuco, ora, deixa-se Petrolina
como está — e inaugura-se Codevasf em Recife. Se a estatal em Minas Gerais,
situada em Montes Claros, está com o grupo de Rodrigo Pacheco, abra-se uma sede
em Belo Horizonte — e se acomode outra turma.
A evolução da Codevasf, em volume e
opacidade, é a prova de como marcha a institucionalização do orçamento secreto.
A codevasfização do Orçamento da União. Elmar Nascimento materializa o
processo. Sua entrevista ao GLOBO, aquela do dia 11 de maio, ainda merece
exame.
Ele é o líder da federação lirista no União
Brasil e, mesmo aborrecido com as dificuldades impostas pelo Planalto ao
cumprimento automático do acordo que deveria dar fluência ao pagamento das
emendas, manteve o senhorio da Codevasf. Isso não ajudaria na relação com o
governo?
— Não tenho dúvida que melhora. Mas também
há alguns ruídos, já que a Codevasf, desde setembro, não recebia um centavo.
Recebeu agora 30% do total que tem de restos a pagar. Se reparar, quase todos
os líderes partidários são do Nordeste. Pela capilaridade da Codevasf, é um
órgão que tem atuação muito forte na região, com muitos recursos que vêm do
Congresso. Quando o atual presidente da Codevasf assumiu, o orçamento era de R$
300 milhões, e a empresa só tem receita oriunda de recursos de emenda. Hoje,
passa dos R$ 4 bilhões, porque ele começou a fazer as coisas funcionarem. A
manutenção dele na presidência foi originalmente uma indicação minha, mas
passou a ser defendida por todos, pela forma equilibrada e diligente com que
ele trata todos os partidos.
A capilaridade aumenta. Os restos a pagar —
de emendas do relator — umedecem esse alcance. A água pra valer ainda virá,
afogando os ruídos. O governo, que estica a corda para tentar influir no
destino dos fundos, tende a ceder. Os dinheiros têm donos, e os parlamentares
sabem que “as coisas” agora funcionam na companhia, instituição
suprapartidária, cujo presidente é de todos.
A Codevasf é país pacificado. Que inveja.
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