quinta-feira, 4 de maio de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Investigação sobre vacina de Bolsonaro precisa ir até o fim

O Globo

Acusação de fraude é grave — sobretudo pelo papel lastimável do ex-presidente durante a pandemia

Durante a pandemia, o então presidente Jair Bolsonaro foi um dos críticos mais implacáveis das vacinas contra a Covid-19. Atrasou quanto pôde a compra delas, desprezando ofertas de farmacêuticas idôneas. Uma vez compradas, por pressão da sociedade em meio ao morticínio, empenhou-se em minar a confiança nelas. Fez pouco da chinesa CoronaVac, que deu início à campanha no Brasil. Chegou a fazer piada dizendo que quem tomasse a vacina da Pfizer poderia “virar jacaré”. Na declaração mais estapafúrdia, insinuou que as vacinas poderiam transmitir aids (a acusação descabida lhe rendeu um dos vários processos relacionados à pandemia).

Por tudo isso, pareciam inverossímeis as informações de que ele se vacinara contra a Covid-19 em 2021, surgidas no início do ano. Seu cartão de vacinação fora posto sob sigilo de cem anos ainda em 2021 e, ainda que o sigilo tenha sido derrubado, o conteúdo ainda não viera a público. Tudo só começou a fazer sentido com a Operação Venire, deflagrada na manhã desta quarta-feira pela Polícia Federal. A PF investiga se os dados sobre vacinação contra a Covid-19 foram fraudados nos sistemas do Ministério da Saúde para que Bolsonaro, familiares e auxiliares pudessem viajar para os Estados Unidos, onde a vacina era exigida para entrada. Falsificar certificado de vacinação contra a Covid-19 é crime nos EUA.

A operação da PF causou um terremoto, cujo epicentro é a residência de Bolsonaro em Brasília, alvo de busca e apreensão. Na operação, foi preso o tenente-coronel Mauro Cid Barbosa, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, também acusado de envolvimento no caso das joias sauditas. A investigação expõe vícios conhecidos, como o uso da máquina pública para beneficiar Bolsonaro, familiares e amigos. Mas vai além.

A PF acusa Bolsonaro de fraude com uso de informações falsas. O esquema descrito pelos investigadores foi engenhoso. Envolveu, segundo a PF, ações nas cidades de Cabeceiras (Goiás) e Duque de Caxias (Rio de Janeiro), com preenchimento de cartões falsos, inseridos no sistema do SUS, depois apagados numa tentativa frustrada de não deixar rastros. Evidentemente, cabe à PF reunir provas consistentes para corroborar as acusações. Bolsonaro nega ter falsificado seus dados de vacinação: “Não existe adulteração da minha parte. Não tomei a vacina. Ponto final”.

As acusações são graves, e não deve ser difícil para a PF deslindar o esquema, já que ele envolve inúmeros atores em diferentes lugares. Inserir ou apagar dados nos sistemas do SUS deixa rastros. As conversas registradas nos celulares de Mauro Cid e de Bolsonaro certamente fornecerão pistas valiosas. Assim como o comprovante de vacinação apresentado para entrada nos Estados Unidos, uma vez que o próprio Bolsonaro diz que não se vacinou. Importante é que não haja açodamento ou revanchismo na apuração, a despeito das implicações políticas óbvias.

É fundamental que se esclareçam as peripécias em torno do cartão de vacinação de Bolsonaro. Os brasileiros têm o direito de saber se o presidente que tanto demonizou as vacinas contra a Covid-19 forjou uma vacinação para atender às exigências dos serviços de imigração. Não só para que a História passe a registrar corretamente a reação da maior autoridade brasileira diante da maior emergência na saúde pública em mais de cem anos. Mas também para que os acusados sejam julgados e punidos nos termos da lei.

Adiamento do PL das Fake News não deve significar seu esquecimento

O Globo

Enquanto as plataformas digitais não estiverem sujeitas a regras mais duras, serão meio e palco para crimes

O adiamento da votação do Projeto de Lei (PL) das Fake News, prevista para a noite da última terça-feira, não pode significar seu esquecimento. Com base na versão aprovada no Senado há três anos, o texto evoluiu e alcançou maturidade na formulação do relator na Câmara, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). A última versão foi concebida a partir das legislações mais modernas em vigor no mundo, depois de dezenas de discussões e audiências públicas com a participação de todos os afetados. Embora o PL tenha se tornado mais conhecido por visar ao combate à desinformação, seu escopo é bem mais abrangente. Trata-se de uma lei para enfim disciplinar o universo das redes sociais e aplicativos de mensagens, focos da disseminação de ódio, violência e extremismo antidemocrático.

Não é um acaso que plataformas digitais como Google, Facebook ou Twitter tenham empenhado tanto esforço para evitar a aprovação do PL. Com a nova lei, elas perderiam a imunidade que lhes permite moderar como queiram ou até dar de ombros ao conteúdo de quem as usa para planejar ataques em escolas, tramar golpes de Estado, incentivar automutilação, suicídio e outras barbaridades. A esta altura, é uma ingenuidade injustificável acreditar que, sem regras mais duras que as obriguem a agir para tirar do ar conteúdos ilegais assim que notificadas (e não apenas mediante ordens da Justiça), elas se disciplinarão por si sós. O texto do PL foi feliz ao lhes impor o “dever de cuidado” pelo que permitem circular em seus ambientes, a exemplo das leis europeias.

É verdade que o relator demorou a apresentar a versão final que levaria a plenário, deixando pouco tempo para os parlamentares se debruçarem sobre o texto. Mas ele próprio sugeriu o adiamento da votação ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de modo a poder alcançar um consenso maior em pontos controversos.

Enquanto o suspense se mantinha, plataformas como Google, Twitter e Spotify sofreram acusações graves de manipular seus serviços para promover uma campanha contra o PL. Numa medida inédita, o Google colocou abaixo de sua célebre caixa de busca um link para um texto de propaganda contrária à aprovação, que qualificava indevidamente o projeto como “PL da Censura”. Tanto o Ministério da Justiça quanto o Supremo Tribunal Federal reagiram com medidas destinadas a apurar a tentativa de manipulação. Ainda que as autoridades possam ter se excedido na diligência, foi uma reação compreensível diante do poderio das plataformas digitais e dos absurdos denunciados.

A confusão promovida pelas plataformas contribuiu para o adiamento da votação. Mas em nada altera a essência da questão: enquanto elas forem imunes a qualquer tipo de sanção, continuarão a ser meio e palco para crimes. Não lhes cabe decidir que lei deve vigorar no ambiente digital, nem quando devem respeitá-la. Esse dever é do Congresso. Portanto os parlamentares precisam, para evitar o recrudescimento da barbárie on-line, aprovar o PL com urgência.

CLT, 80

Folha de S. Paulo

Surgida sob Vargas e alterada em 2017, lei trabalhista está sujeita a retrocesso

baixa eficácia da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que acaba de completar 80 anos, pode ser constatada com clareza nas estatísticas do emprego no país.

De acordo com os dados mais recentes do IBGE, relativos ao primeiro trimestre deste ano, 38,2 milhões de brasileiros trabalham com carteira assinada no setor privado e fazem jus aos direitos que a legislação promete garantir.

Um contingente quase idêntico, de 38,1 milhões, está na informalidade. São empregados sem carteira, incluindo domésticos, autônomos e empregadores sem CNPJ. O restante da população ocupada é composto por funcionários do setor público (11,8 milhões) e autônomos e empregadores regularizados (que somam 9,7 milhões).

O percentual de informais no mercado, elevadíssimo, pouco tem se alterado ao longo dos anos. Desde 2016, quando começam os números da pesquisa nacional do IBGE, a cifra varia entre 38,3% e 40,9%, fora uma queda a 36,5% no período atípico da pandemia. A marca atual é de 39%.

A exclusão de tantos brasileiros demonstra que a CLT, no afã de regular as relações entre capital e trabalho até a minúcia, acaba por não se adequar à realidade nacional. Os resultados da reforma da legislação promovida em 2017 ainda são incipientes para avaliação.

As novas regras tiveram os objetivos corretos de permitir maior flexibilidade nos contratos e fortalecer as negociações coletivas, garantidos direitos básicos. Já houve sucesso na redução dos contenciosos na Justiça Trabalhista, mas a geração de empregos formais é prejudicada pela escassez de vigor da atividade econômica.

Ao longo do ano passado, quando houve expressiva melhora do mercado de trabalho, a população ocupada aumentou de 95,7 milhões para 99,4 milhões, enquanto o número de informais teve pequena queda, de 38,9 milhões para 38,6 milhões. A continuidade dessa melhora, porém, é incerta, dada a desaceleração do PIB.

A octogenária CLT está decerto enraizada na cultura política do país. Sua primeira versão, em decreto-lei do regime autoritário de Getúlio Vargas, data de 1º de maio de 1943, num período de crescente intervenção do Estado nas relações econômicas e sociais —discute-se na academia o quanto ela teve de influência do fascismo.

O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem intenção explícita de interromper o processo de liberalização das normas, incluindo aí uma ofensiva contra o trabalho por meio de aplicativos.

Será um retrocesso retomar, por ideologia ou corporativismo, a obsoleta orientação controladora e paternalista que décadas atrás inspirou a hoje remendada CLT.

Paraguai conservador

Folha de S. Paulo

Em conjuntura difícil, país elege o Partido Colorado, há quase 70 anos no poder

Dos 12 países da América do Sul, 9 têm hoje governos à esquerda. Alguns dos atuais presidentes tiraram partidos de direita ou de centro-direita do poder. Foi o caso de Pedro Castilho no Peru e Gabriel Boric no Chile, em 2021, e do colombiano Gustavo Petro e de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2022.

Já o Paraguai, com eleições concluídas no domingo (30), deu continuidade à gestão conservadora do Partido Colorado, que comanda o país há quase 70 anos, desde a ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989). Assim, apenas três países estão à direita na região, somando-se Equador e Uruguai.

O economista Santiago Penã obteve 42,7% dos votos, contra apenas 27,5% do advogado Efraín Alegre, do Concertación Nacional, uma grande coalizão de centro-direita, centro e centro-esquerda.

Apesar da ligação com o período ditatorial, contudo, o partido de Penã não era a opção mais radical.
O candidato Paraguayo Cubas, do Cruzada Nacional, é contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o aborto mesmo em caso de estupro e a presença de estrangeiros no país —em 2019, teve o mandato de senador cassado por defender a morte de 100 mil brasileiros que vivem ali.

Mesmo assim, conseguiu 22,9% dos votos. Ademais, seu partido, que disputou um pleito pela primeira vez, elegeu cinco senadores e cinco deputados.

Com discurso agressivo, nacionalista e antissistema, Cubas é comparado a Jair Bolsonaro (PL). Assim como o ex-presidente brasileiro, refutou o resultado das urnas. Um dia após as eleições, protestos obstruíram ruas com denúncias de uma fraude fantasiosa. Ao menos 74 pessoas foram presas.

O Paraguai optou por uma direita institucionalizada, mais previsível e sem laivos disruptivos.

Peña terá grandes desafios pela frente. A informalidade no trabalho é altíssima (64%; no Brasil, 39%); há desigualdade no acesso a serviços básicos; a inflação subiu a 8% no ano passado, mesmo com estagnação da economia; no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano, o país ocupa a 105ª posição entre 189 países (Brasil é o 87º).

A polarização política, com o despontar de uma direita radical, se mantém no Paraguai —assim como em outros países das Américas. O eleitorado favoreceu o respeito às instituições, o que é obviamente positivo, mas a alternância no poder é também fundamental para a saúde da democracia.

O sr. Moraes não é juiz do debate público

O Estado de S. Paulo

Decisão contra o Google se presta a arbitrar regulação das redes sociais

Não é nenhum segredo que o Projeto de Lei (PL) 2.630/2020, sobre o novo marco regulatório para as plataformas digitais, afeta os interesses comerciais e financeiros das Big Techs. Do mesmo modo como fizeram em outros países e na União Europeia, essas empresas não apenas se opõem a todo incremento de regulamentação do setor e, consequentemente, de suas responsabilidades, como utilizam seu desproporcional poderio para influenciar o debate público. Tal atuação, muitas vezes sem transparência e por meios no mínimo questionáveis, só evidencia a necessidade de o Congresso prover um novo e adequado tratamento legal do setor.

É também evidente que há abundante e disseminada desinformação sobre o PL 2.630/2020. Em vez de ser ocasião de estudo e aprofundamento do tema, parece que o debate público sobre o projeto tem se tornado, a cada dia, mais raso, menos objetivo, mais impermeável à racionalidade. De fato, o assunto não é simples, tem muitos matizes, exige atenção, mas é triste ver o País refém de narrativas manipuladoras.

Todo esse cenário é sumamente desafiador. No entanto, nada disso autoriza a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), proferida, no dia 2 de maio, no âmbito do Inquérito 4.781/DF, que investiga fake news e ameaças contra o Supremo e seus membros. Ele determinou a remoção integral, por parte do Google, da Meta (proprietária do Facebook, Instagram e WhatsApp), do Spotify e da produtora de vídeos Brasil Paralelo, de “todos os anúncios, textos e informações veiculados, propagados e impulsionados a partir do blog oficial do Google com ataques ao PL 2630, inclusive aqueles que se referem como ‘PL da Censura’, ‘Como o PL 2630 pode piorar a sua internet’, ‘O que o PL 2630 pode impactar a internet que você conhece’, sob pena de multa de R$ 150 mil por hora de descumprimento por cada anúncio”.

Proferida de ofício, a decisão de Alexandre de Moraes determina ainda, entre outras medidas, que as empresas Brasil Paralelo e Spotify informem, em 48 horas, “os métodos e algoritmos de impulsionamento e induzimento à busca sobre ‘PL da Censura’, bem como os motivos de terem veiculado anúncio político do Google”.

Há graves erros na decisão de Alexandre de Moraes. Em primeiro lugar, ela se baseia em uma profunda incompreensão do papel do Judiciário no Estado Democrático de Direito. Nenhum juiz é árbitro do debate público no País, menos ainda com decisões de ofício, menos ainda sobre projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional. Absolutamente descabido, o papel de tutor arvorado pelo ministro do STF agride profundamente a liberdade de expressão e o exercício da cidadania.

Além disso, o Inquérito 4.781/DF tem por objeto a desinformação e as ameaças contra o STF e seus integrantes. Não tem nenhuma relação com as medidas ordenadas por Alexandre de Moraes, que se referem a anúncios e textos sobre projeto de lei em tramitação no Congresso. Ou seja, ao determinar no âmbito desse inquérito a remoção de conteúdo sobre o PL 2.630/2020 e outras medidas afins, o ministro do STF agiu muito além dos limites de sua competência.

A decisão tem também sérias deficiências de fundamentação. Não basta o relator do Inquérito 4.781/DF dizer, por exemplo, que “a liberdade de expressão não é liberdade de agressão” ou que “as redes sociais não são terra sem lei”. Mesmo que dispusesse de atribuição jurisdicional para atuar assim, o magistrado teria, no mínimo, de indicar onde os conteúdos que precisam ser removidos agridem terceiros ou desrespeitam a lei. Não há nada disso na decisão de 2 de maio.

Por último, mas não menos importante, Alexandre de Moraes levantou o sigilo tão somente da decisão. O restante do Inquérito 4.781/DF permanece longe dos olhos do público. É o sigilo sob conveniência: o magistrado expõe apenas o que (e quando) lhe interessa.

O STF não pode se omitir. É preciso cassar, com urgência, a decisão de Alexandre de Moraes, preservando, assim, o bom trabalho feito até aqui em defesa do Estado Democrático de Direito.

Amigos, amigos, negócios à parte

O Estado de S. Paulo

Lula quer peitar o FMI, apelar ao ‘coração’ dos Brics e abrir os cofres do Tesouro para ajudar seu ‘companheiro’ argentino, mas se furta de explicar quem pagará a conta no caso de calote

Na terça-feira, o presidente argentino, Alberto Fernández, foi a Brasília de pires na mão pedir água para a combalida economia argentina. Depois de quatro horas de reunião com o presidente Lula da Silva, recebeu um tapinha nas costas e voltou de mãos abanando. Ou nem tanto. Lula disse que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, irá a Buenos Aires costurar um acordo e também ao FMI e ao Banco dos Brics.

Sem dúvida, a recuperação da Argentina é do interesse geopolítico e comercial do Brasil. O país é nosso terceiro maior parceiro comercial e o principal comprador da indústria. No ano passado, o Brasil registrou um superávit de US$ 2,2 bilhões com o vizinho. O colapso de sua economia teria um duro impacto sobre nossa balança comercial.

Apesar de as exportações para a Argentina terem aumentado 20% neste ano, o Ministério da Fazenda estima que mais de 200 empresas brasileiras têm tido dificuldades de receber e reduziram suas exportações. Isso porque os negócios são realizados com dólares, e as divisas do governo argentino sumiram como água na areia. Na mesa de negociação estariam prazos mais dilatados para os importadores pagarem suas compras, a conversão direta das transações em reais e pesos e uma linha de crédito para as exportações.

Os riscos são evidentes. O peso derrete a olhos vistos, ampliando o perigo de perdas cambiais do Brasil. Já a linha de crédito envolveria pagamentos diretos do BNDES aos exportadores brasileiros, com garantia do Tesouro. Tecnicamente, poder-se-ia exigir da Argentina garantias na forma de títulos com liquidez internacional, como títulos de outros países ou contratos de compra de commodities, e, por óbvio, a operação exigiria taxas de juros mais altas. A questão é em que medida a técnica será levada em conta. A julgar pelo histórico e pelas declarações do presidente Lula, não muito.

O modelo não é novo. Nas mãos do PT, o BNDES liberou dinheiro a juros camaradas para empreiteiras brasileiras (quase todas condenadas pela Lava Jato) contratadas por governos estrangeiros. Só os calotes de Cuba e Venezuela somam US$ 529 bilhões. Como o risco foi assumido inteiramente pelo governo brasileiro, o BNDES acionou o Tesouro. Ou seja, o contribuinte não só subsidiou os juros, como cobriu as dívidas dos governos companheiros.

Os argentinos, vale lembrar, têm muitos dólares. Mas estão debaixo do colchão ou em contas no exterior. Os hermanos foram em massa à Copa do Catar e o próprio governo estima que só nos EUA há US$ 300 bilhões aplicados. Se o governo não põe a mão nesses dólares, é porque os próprios argentinos não querem trocá-los pelos pesos corroídos dia após dia por uma inflação que, em ano eleitoral, o governo não tem intenção de controlar aumentando os juros. Mas Lula quer. Afinal, segundo ele, “me comprometi com meu amigo Alberto Fernández que vou fazer todo e qualquer sacrifício para que a gente possa ajudar a Argentina”.

A cortesia – com o chapéu alheio – é grande. Lula promete que vai falar com o FMI para tirar “a faca do pescoço da Argentina”. Como se sabe, essa faca não tem fio. O empréstimo de US$ 42 bilhões à Argentina foi o maior já realizado pelo FMI, e as condições, as mais frouxas de que se tem notícia. Mesmo assim, o Fundo está a ver navios. Lula também quer que Haddad vá ao Banco dos Brics para “sensibilizar o coração” de seus gestores. E se os argentinos não pagarem aos Brics ou ao Brasil? Será que Lula lhes dirá o que disse do FMI, que não podem “ficar cobrando um país que só quer crescer, gerar emprego e melhorar a vida do povo”?

O importante é que Fernández “vai voltar mais tranquilo”, por ora “sem dinheiro, mas com muita disposição política” – supostamente para viabilizar as ambições peronistas nas eleições. Cabe perguntar se um presidente argentino de direita sairia com a mesma disposição. Mas, deixando as especulações de lado, mais importante é indagar quanto a disposição conferida a Fernández custará ao Brasil. Afinal, para ajudar seu “amigo” Lula prometeu “todo e qualquer sacrifício”. A questão é: quem será sacrificado, companheiro?

Premiando o mau comportamento

O Estado de S. Paulo

CNJ condena juiz que fez campanha para Bolsonaro a ser sustentado vitaliciamente pelos contribuintes

Por unanimidade, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu aposentar compulsoriamente o juiz federal Eduardo Luiz Rocha Cubas, do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF-1), por sua participação direta na campanha eleitoral do então candidato à Presidência Jair Bolsonaro, em 2018.

Não obstante o fato de uma punição como essa, a aposentadoria com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, servir, na prática, como uma espécie de prêmio por mau comportamento, o CNJ não tinha mesmo outra coisa a fazer senão aplicar ao juiz federal a pena máxima prevista pela Lei Orgânica da Magistratura (Loman). Rocha Cubas se mostrou indigno da judicatura.

Durante a campanha eleitoral de 2018, o magistrado participou ativamente de atos político-partidários em favor de Bolsonaro. Como se isso não bastasse, Rocha Cubas se lançou de corpo e alma na cruzada bolsonarista contra o sistema eleitoral, ignorando olimpicamente os imperativos legais, funcionais e éticos que pesam sobre a toga. Rocha Cubas chegou ao atrevimento de gravar um vídeo em frente ao Tribunal Superior Eleitoral, ao lado do deputado Eduardo Bolsonaro, no qual lançava dúvidas infundadas sobre a segurança das urnas eletrônicas. Isso faltando um mês para o pleito.

O CNJ, com toda razão, entendeu serem “condutas gravíssimas” todas essas atitudes de Rocha Cubas à margem das leis e da Constituição, além de uma deliberada “tentativa de intromissão” do magistrado no resultado da eleição presidencial daquele ano. A presidente do colegiado, ministra Rosa Weber, destacou muito oportunamente que, “sem um Poder Judiciário independente, não há democracia; e sem juízes isentos, responsáveis e serenos não há como sustentar o Estado Democrático de Direito”.

A postura indecorosa do juiz federal, de fato, foi acintosamente contrária à Loman e à Constituição, pois juízes – deveria ser ocioso dizer – não podem se imiscuir em questões de natureza político-eleitoral. Mas não só isso. Rocha Cubas também explorou a boa imagem e a aura de credibilidade que paira sobre toda a magistratura nacional perante a sociedade para difundir mentiras deslavadas, além de teorias da conspiração, sobre a higidez do sistema eleitoral. Isso decerto ajudou a aumentar a desconfiança que muitos brasileiros passaram a ter da segurança das urnas eletrônicas, a despeito de jamais ter sido comprovada qualquer fraude desde que esse instrumento de votação foi implementado, em 1996. Viu-se o resultado dessa enorme irresponsabilidade quatro anos depois.

Para a sociedade brasileira, a conta dessa campanha de difamação contra as urnas eletrônicas, da qual o juiz Eduardo Luiz Rocha Cubas foi voz ativa, tem saído muito salgada. Já para o jovem magistrado, ao contrário, a desabrida violação de seus deveres funcionais saiu barata demais. Passa da hora de o País debater com coragem e serenidade o fim das aposentadorias compulsórias como “punição” aos maus magistrados e, não menos importante, a imposição de uma quarentena para os juízes que fazem da judicatura um trampolim para suas ambições políticas.

Fed aumenta juros e pode encerrar ciclo de aperto

Valor Econômico

Nem deveríamos estar falando sobre um mundo em que os Estados Unidos não pagam suas dívidas, diz Powell

O Federal Reserve americano elevou os juros em 0,25 ponto percentual, para 5,25%, e sinalizou pausa no ciclo de aperto monetário a partir de agora, desde que a trajetória da inflação continue declinante. Ao duplo arsenal do banco, o aumento da taxa básica - foram 5 pontos percentuais - e a redução do balanço somou-se, em um auxílio inesperado e indesejável à política monetária a restrição extra da oferta de crédito pelo sistema financeiro, motivada pela falência de bancos médios desde o início de março. O resultado é que à piora das condições financeiras com juros restritos do Fed se acrescentará nova dose contracionista com os limites à concessão de empréstimos para famílias e empresas.

“Em princípio teríamos de elevar mais os juros caso o estresse financeiro não tivesse acontecido”, disse ontem Jerome Powell, presidente do banco, após a reunião que definiu os próximos passos da política monetária. O Fed decidiu que o rumo futuro dependerá basicamente da evolução da economia, avaliada reunião a reunião. Powell ressaltou que não houve uma decisão explícita do comitê (Fomc) de interromper o ciclo de elevação dos juros iniciado há 14 meses. Ele reconheceu, no entanto, como significativa a mudança no comunicado do Fed, que eliminou o trecho que indicava que um aperto adicional “pode ser apropriado para se chegar a uma instância de política monetária suficientemente restritiva para trazer a inflação de volta à meta de 2% ao longo do tempo”.

O Fed, apesar de se estar perto de encerrar a rodada de aperto monetário, não prevê que a inflação se reduza rapidamente e se dirija para a meta tão cedo. “As pressões inflacionárias continuam altas e o processo desinflacionário ainda tem um longo caminho a percorrer”, disse Powell. Segundo o presidente do Fed, os efeitos decorrentes das falências bancárias, certamente restritivos em relação às atividades econômicas, são incertos na magnitude de seus impactos e o banco “está preparado para fazer mais ajustes se mais restrições forem necessárias”.

Uma parte importante do caminho para debelar a inflação, até aqui menos acidentado do que seria de se esperar diante de um ritmo sem precedente em 40 anos de alta dos juros, já foi percorrido. O PIB dos Estados Unidos perdeu ritmo e evoluiu 1,1% no primeiro trimestre do ano, ante 2,6% no último trimestre de 2022 O mercado de imóveis está encolhendo, embora os preços ainda não como se prevê, os investimentos das empresas caíram.

O mercado de trabalho continua extremamente apertado, mas as estatísticas indicam que ele começou gradativamente a esfriar. No primeiro trimestre do ano, segundo a consultoria Oxford Economics, foram criados 1,65 milhão de postos de trabalho, o menor acréscimo nesse intervalo de tempo desde abril de 2021. A relação entre a oferta de vagas, durante muitos meses estacionada em duas para cada trabalhador em busca de emprego, diminuiu para 1,6. A taxa de demissão voluntária, um indicador da facilidade de o trabalhador trocar de emprego e obter um novo, caiu para 2,5%, já não tão distante do 1,9% do período pré-pandemia.

Powell afirmou que a economia ainda criou 345 mil empregos por mês no primeiro trimestre do ano, um ritmo bem forte, e que há sinais alentadores para a contenção da inflação, como o aumento da taxa de participação (percentual de pessoas que encontram ocupação em relação ao total da população em condições de trabalhar), e os reajustes dos salários estão ao redor de 4%, a uma pequena distância dos 3% que Powell considera normal para uma economia equilibrada.

Os técnicos do banco assinalaram que os EUA se aproximam de uma “recessão suave”, hipótese que o presidente do Fed a considera possível, mas não inevitável. Ele acredita que o mercado de trabalho pode se adequar sem grandes cortes de empregos, o que não costumava ocorrer nos ciclos de desaquecimento no passado. “Há tanto excesso de demanda que nem um aumento de 5 pontos percentuais em juros foi capaz ainda de equilibrar a oferta de trabalho”, afirmou.

O Fed não sabe ao certo se sua política é contracionista o suficiente. O estresse financeiro trará um aperto da oferta de dinheiro “não exatamente igual à forma habitual”, e aprofundará os efeitos de juros a 5,25% - os mais altos desde meados de 2007 - e da redução do balanço, na casa de US$ 170 bilhões desde o início da crise de bancos médios no início de março. Sobre ela, Powell apontou que os depósitos nessas instituições voltaram ao normal e que a supervisão do Fed terá mudanças para evitar novas falências inesperadas.

Apesar de tudo, a inflação não foi domada e Powell deixou claro que o Fed sequer cogita discutir o momento de virada do ciclo, o momento da redução dos juros. Da mesma forma, evitou ir muito além na análise de possíveis efeitos de um calote da dívida americana, caso o Congresso não chegue a um acordo até junho para elevar o teto da dívida pública. “Nem deveríamos estar falando sobre um mundo em que os Estados Unidos não pagam suas dívidas”.

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