Investigação sobre vacina de Bolsonaro precisa ir até o fim
O Globo
Acusação de fraude é grave — sobretudo pelo
papel lastimável do ex-presidente durante a pandemia
Durante a pandemia, o então presidente Jair
Bolsonaro foi um dos críticos mais implacáveis das vacinas contra a Covid-19.
Atrasou quanto pôde a compra delas, desprezando ofertas de farmacêuticas
idôneas. Uma vez compradas, por pressão da sociedade em meio ao morticínio,
empenhou-se em minar a confiança nelas. Fez pouco da chinesa CoronaVac, que deu
início à campanha no Brasil. Chegou a fazer piada dizendo que quem tomasse a
vacina da Pfizer poderia “virar jacaré”. Na declaração mais estapafúrdia,
insinuou que as vacinas poderiam transmitir aids (a acusação descabida lhe
rendeu um dos vários processos relacionados à pandemia).
Por tudo isso, pareciam inverossímeis as informações de que ele se vacinara contra a Covid-19 em 2021, surgidas no início do ano. Seu cartão de vacinação fora posto sob sigilo de cem anos ainda em 2021 e, ainda que o sigilo tenha sido derrubado, o conteúdo ainda não viera a público. Tudo só começou a fazer sentido com a Operação Venire, deflagrada na manhã desta quarta-feira pela Polícia Federal. A PF investiga se os dados sobre vacinação contra a Covid-19 foram fraudados nos sistemas do Ministério da Saúde para que Bolsonaro, familiares e auxiliares pudessem viajar para os Estados Unidos, onde a vacina era exigida para entrada. Falsificar certificado de vacinação contra a Covid-19 é crime nos EUA.
A operação da PF causou um terremoto, cujo
epicentro é a residência de Bolsonaro em Brasília, alvo de busca e apreensão.
Na operação, foi preso o tenente-coronel Mauro Cid Barbosa, ex-ajudante de
ordens de Bolsonaro, também acusado de envolvimento no caso das joias sauditas.
A investigação expõe vícios conhecidos, como o uso da máquina pública para
beneficiar Bolsonaro, familiares e amigos. Mas vai além.
A PF acusa Bolsonaro de fraude com uso de informações
falsas. O esquema descrito pelos investigadores foi engenhoso. Envolveu,
segundo a PF, ações nas cidades de Cabeceiras (Goiás) e Duque de Caxias (Rio de
Janeiro), com preenchimento de cartões falsos, inseridos no sistema do SUS,
depois apagados numa tentativa frustrada de não deixar rastros. Evidentemente,
cabe à PF reunir provas consistentes para corroborar as acusações. Bolsonaro
nega ter falsificado seus dados de vacinação: “Não existe adulteração da minha
parte. Não tomei a vacina. Ponto final”.
As acusações são graves, e não deve ser
difícil para a PF deslindar o esquema, já que ele envolve inúmeros atores em
diferentes lugares. Inserir ou apagar dados nos sistemas do SUS deixa rastros.
As conversas registradas nos celulares de Mauro Cid e de Bolsonaro certamente
fornecerão pistas valiosas. Assim como o comprovante de vacinação apresentado
para entrada nos Estados Unidos, uma vez que o próprio Bolsonaro diz que não se
vacinou. Importante é que não haja açodamento ou revanchismo na apuração, a despeito
das implicações políticas óbvias.
É fundamental que se esclareçam as
peripécias em torno do cartão de vacinação de Bolsonaro. Os brasileiros têm o
direito de saber se o presidente que tanto demonizou as vacinas contra a
Covid-19 forjou uma vacinação para atender às exigências dos serviços de
imigração. Não só para que a História passe a registrar corretamente a reação
da maior autoridade brasileira diante da maior emergência na saúde pública em
mais de cem anos. Mas também para que os acusados sejam julgados e punidos nos
termos da lei.
Adiamento do PL das Fake News não deve
significar seu esquecimento
O Globo
Enquanto as plataformas digitais não
estiverem sujeitas a regras mais duras, serão meio e palco para crimes
O adiamento
da votação do Projeto de Lei (PL) das Fake News, prevista para
a noite da última terça-feira, não pode significar seu esquecimento. Com base
na versão aprovada no Senado há três anos, o texto evoluiu e alcançou
maturidade na formulação do relator na Câmara, deputado Orlando Silva
(PCdoB-SP). A última versão foi concebida a partir das legislações mais
modernas em vigor no mundo, depois de dezenas de discussões e audiências
públicas com a participação de todos os afetados. Embora o PL tenha se tornado
mais conhecido por visar ao combate à desinformação, seu escopo é bem mais
abrangente. Trata-se de uma lei para enfim disciplinar o universo das redes
sociais e aplicativos de mensagens, focos da disseminação de ódio, violência e
extremismo antidemocrático.
Não é um acaso que plataformas digitais
como Google, Facebook ou Twitter tenham empenhado tanto esforço para evitar a
aprovação do PL. Com a nova lei, elas perderiam a imunidade que lhes permite
moderar como queiram ou até dar de ombros ao conteúdo de quem as usa para
planejar ataques em escolas, tramar golpes de Estado, incentivar automutilação,
suicídio e outras barbaridades. A esta altura, é uma ingenuidade injustificável
acreditar que, sem regras mais duras que as obriguem a agir para tirar do ar
conteúdos ilegais assim que notificadas (e não apenas mediante ordens da
Justiça), elas se disciplinarão por si sós. O texto do PL foi feliz ao lhes
impor o “dever de cuidado” pelo que permitem circular em seus ambientes, a
exemplo das leis europeias.
É verdade que o relator demorou a
apresentar a versão final que levaria a plenário, deixando pouco tempo para os
parlamentares se debruçarem sobre o texto. Mas ele próprio sugeriu o adiamento
da votação ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), de modo a poder
alcançar um consenso maior em pontos controversos.
Enquanto o suspense se mantinha,
plataformas como Google, Twitter e Spotify sofreram acusações graves de
manipular seus serviços para promover uma campanha contra o PL. Numa medida
inédita, o Google colocou abaixo de sua célebre caixa de busca um link para um
texto de propaganda contrária à aprovação, que qualificava indevidamente o
projeto como “PL da Censura”. Tanto o Ministério da Justiça quanto o Supremo
Tribunal Federal reagiram com medidas destinadas a apurar a tentativa de
manipulação. Ainda que as autoridades possam ter se excedido na diligência, foi
uma reação compreensível diante do poderio das plataformas digitais e dos
absurdos denunciados.
A confusão promovida pelas plataformas contribuiu para o adiamento da votação. Mas em nada altera a essência da questão: enquanto elas forem imunes a qualquer tipo de sanção, continuarão a ser meio e palco para crimes. Não lhes cabe decidir que lei deve vigorar no ambiente digital, nem quando devem respeitá-la. Esse dever é do Congresso. Portanto os parlamentares precisam, para evitar o recrudescimento da barbárie on-line, aprovar o PL com urgência.
CLT, 80
Folha de S. Paulo
Surgida sob Vargas e alterada em 2017, lei
trabalhista está sujeita a retrocesso
A baixa
eficácia da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que acaba de completar 80
anos, pode ser constatada com clareza nas estatísticas do emprego no
país.
De acordo com os dados mais recentes do
IBGE, relativos ao primeiro trimestre deste ano, 38,2 milhões de brasileiros
trabalham com carteira assinada no setor privado e fazem jus aos direitos que a
legislação promete garantir.
Um contingente quase idêntico, de 38,1
milhões, está na informalidade. São empregados sem carteira, incluindo
domésticos, autônomos e empregadores sem CNPJ. O restante da população ocupada
é composto por funcionários do setor público (11,8 milhões) e autônomos e
empregadores regularizados (que somam 9,7 milhões).
O percentual de informais no mercado,
elevadíssimo, pouco tem se alterado ao longo dos anos. Desde 2016, quando
começam os números da pesquisa nacional do IBGE, a cifra varia entre 38,3% e
40,9%, fora uma queda a 36,5% no período atípico da pandemia. A marca atual é
de 39%.
A exclusão de tantos brasileiros demonstra
que a CLT, no afã de regular as relações entre capital e trabalho até a
minúcia, acaba por não se adequar à realidade nacional. Os resultados da
reforma da legislação promovida em 2017 ainda são incipientes para avaliação.
As novas regras tiveram os objetivos
corretos de permitir maior flexibilidade nos contratos e fortalecer as
negociações coletivas, garantidos direitos básicos. Já houve sucesso na redução
dos contenciosos na Justiça Trabalhista, mas a geração de empregos formais é
prejudicada pela escassez de vigor da atividade econômica.
Ao longo do ano passado, quando houve
expressiva melhora do mercado de trabalho, a população ocupada aumentou de 95,7
milhões para 99,4 milhões, enquanto o número de informais teve pequena queda,
de 38,9 milhões para 38,6 milhões. A continuidade dessa melhora, porém, é
incerta, dada a desaceleração do PIB.
A octogenária CLT está decerto enraizada na
cultura política do país. Sua primeira versão, em decreto-lei do regime
autoritário de Getúlio Vargas, data de 1º de maio de 1943, num período de
crescente intervenção do Estado nas relações econômicas e sociais —discute-se
na academia o quanto ela teve de influência do fascismo.
O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
tem intenção explícita de interromper o processo de liberalização das
normas, incluindo aí
uma ofensiva contra o trabalho por meio de aplicativos.
Será um retrocesso retomar, por ideologia
ou corporativismo, a obsoleta orientação controladora e paternalista que
décadas atrás inspirou a hoje remendada CLT.
Paraguai conservador
Folha de S. Paulo
Em conjuntura difícil, país elege o Partido
Colorado, há quase 70 anos no poder
Dos 12 países da América do Sul, 9 têm hoje
governos à esquerda. Alguns dos atuais presidentes tiraram partidos de direita
ou de centro-direita do poder. Foi o caso de Pedro Castilho no Peru e Gabriel
Boric no Chile, em 2021, e do colombiano Gustavo Petro e de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) em 2022.
Já o Paraguai, com eleições concluídas no
domingo (30), deu
continuidade à gestão conservadora do Partido Colorado, que comanda
o país há quase 70 anos, desde a ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989).
Assim, apenas três países estão à direita na região, somando-se Equador e
Uruguai.
O economista Santiago Penã obteve 42,7% dos
votos, contra apenas 27,5% do advogado Efraín Alegre, do Concertación Nacional,
uma grande coalizão de centro-direita, centro e centro-esquerda.
Apesar da ligação com o período ditatorial,
contudo, o partido de Penã não era a opção mais radical.
O candidato Paraguayo Cubas, do Cruzada Nacional, é contra o casamento entre
pessoas do mesmo sexo, o aborto mesmo em caso de estupro e a presença de
estrangeiros no país —em 2019, teve o mandato de senador cassado por defender a
morte de 100 mil brasileiros que vivem ali.
Mesmo assim, conseguiu 22,9% dos votos.
Ademais, seu partido, que disputou um pleito pela primeira vez, elegeu cinco
senadores e cinco deputados.
Com discurso agressivo, nacionalista e
antissistema, Cubas é comparado a Jair Bolsonaro (PL). Assim como o
ex-presidente brasileiro, refutou o resultado das urnas. Um dia após as
eleições, protestos
obstruíram ruas com denúncias de uma fraude fantasiosa. Ao menos 74
pessoas foram presas.
O Paraguai optou por uma direita
institucionalizada, mais previsível e sem laivos disruptivos.
Peña terá grandes desafios pela frente. A
informalidade no trabalho é altíssima (64%; no Brasil, 39%); há desigualdade no
acesso a serviços básicos; a inflação subiu a 8% no ano passado, mesmo com
estagnação da economia; no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano, o país
ocupa a 105ª posição entre 189 países (Brasil é o 87º).
A polarização política, com o despontar de uma direita radical, se mantém no Paraguai —assim como em outros países das Américas. O eleitorado favoreceu o respeito às instituições, o que é obviamente positivo, mas a alternância no poder é também fundamental para a saúde da democracia.
O sr. Moraes não é juiz do debate público
O Estado de S. Paulo
Decisão contra o Google se presta a
arbitrar regulação das redes sociais
Não é nenhum segredo que o Projeto de Lei
(PL) 2.630/2020, sobre o novo marco regulatório para as plataformas digitais,
afeta os interesses comerciais e financeiros das Big Techs. Do mesmo modo como
fizeram em outros países e na União Europeia, essas empresas não apenas se
opõem a todo incremento de regulamentação do setor e, consequentemente, de suas
responsabilidades, como utilizam seu desproporcional poderio para influenciar o
debate público. Tal atuação, muitas vezes sem transparência e por meios no
mínimo questionáveis, só evidencia a necessidade de o Congresso prover um novo
e adequado tratamento legal do setor.
É também evidente que há abundante e
disseminada desinformação sobre o PL 2.630/2020. Em vez de ser ocasião de
estudo e aprofundamento do tema, parece que o debate público sobre o projeto
tem se tornado, a cada dia, mais raso, menos objetivo, mais impermeável à
racionalidade. De fato, o assunto não é simples, tem muitos matizes, exige
atenção, mas é triste ver o País refém de narrativas manipuladoras.
Todo esse cenário é sumamente desafiador.
No entanto, nada disso autoriza a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do
Supremo Tribunal Federal (STF), proferida, no dia 2 de maio, no âmbito do
Inquérito 4.781/DF, que investiga fake news e ameaças contra o Supremo e seus
membros. Ele determinou a remoção integral, por parte do Google, da Meta
(proprietária do Facebook, Instagram e WhatsApp), do Spotify e da produtora de
vídeos Brasil Paralelo, de “todos os anúncios, textos e informações veiculados,
propagados e impulsionados a partir do blog oficial do Google com ataques ao PL
2630, inclusive aqueles que se referem como ‘PL da Censura’, ‘Como o PL 2630
pode piorar a sua internet’, ‘O que o PL 2630 pode impactar a internet que você
conhece’, sob pena de multa de R$ 150 mil por hora de descumprimento por cada
anúncio”.
Proferida de ofício, a decisão de Alexandre
de Moraes determina ainda, entre outras medidas, que as empresas Brasil
Paralelo e Spotify informem, em 48 horas, “os métodos e algoritmos de
impulsionamento e induzimento à busca sobre ‘PL da Censura’, bem como os
motivos de terem veiculado anúncio político do Google”.
Há graves erros na decisão de Alexandre de
Moraes. Em primeiro lugar, ela se baseia em uma profunda incompreensão do papel
do Judiciário no Estado Democrático de Direito. Nenhum juiz é árbitro do debate
público no País, menos ainda com decisões de ofício, menos ainda sobre projetos
de lei em tramitação no Congresso Nacional. Absolutamente descabido, o papel de
tutor arvorado pelo ministro do STF agride profundamente a liberdade de
expressão e o exercício da cidadania.
Além disso, o Inquérito 4.781/DF tem por
objeto a desinformação e as ameaças contra o STF e seus integrantes. Não tem
nenhuma relação com as medidas ordenadas por Alexandre de Moraes, que se
referem a anúncios e textos sobre projeto de lei em tramitação no Congresso. Ou
seja, ao determinar no âmbito desse inquérito a remoção de conteúdo sobre o PL
2.630/2020 e outras medidas afins, o ministro do STF agiu muito além dos
limites de sua competência.
A decisão tem também sérias deficiências de
fundamentação. Não basta o relator do Inquérito 4.781/DF dizer, por exemplo,
que “a liberdade de expressão não é liberdade de agressão” ou que “as redes
sociais não são terra sem lei”. Mesmo que dispusesse de atribuição
jurisdicional para atuar assim, o magistrado teria, no mínimo, de indicar onde
os conteúdos que precisam ser removidos agridem terceiros ou desrespeitam a
lei. Não há nada disso na decisão de 2 de maio.
Por último, mas não menos importante,
Alexandre de Moraes levantou o sigilo tão somente da decisão. O restante do
Inquérito 4.781/DF permanece longe dos olhos do público. É o sigilo sob
conveniência: o magistrado expõe apenas o que (e quando) lhe interessa.
O STF não pode se omitir. É preciso cassar,
com urgência, a decisão de Alexandre de Moraes, preservando, assim, o bom
trabalho feito até aqui em defesa do Estado Democrático de Direito.
Amigos, amigos, negócios à parte
O Estado de S. Paulo
Lula quer peitar o FMI, apelar ao ‘coração’
dos Brics e abrir os cofres do Tesouro para ajudar seu ‘companheiro’ argentino,
mas se furta de explicar quem pagará a conta no caso de calote
Na terça-feira, o presidente argentino,
Alberto Fernández, foi a Brasília de pires na mão pedir água para a combalida
economia argentina. Depois de quatro horas de reunião com o presidente Lula da Silva,
recebeu um tapinha nas costas e voltou de mãos abanando. Ou nem tanto. Lula
disse que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, irá a Buenos Aires costurar
um acordo e também ao FMI e ao Banco dos Brics.
Sem dúvida, a recuperação da Argentina é do
interesse geopolítico e comercial do Brasil. O país é nosso terceiro maior
parceiro comercial e o principal comprador da indústria. No ano passado, o
Brasil registrou um superávit de US$ 2,2 bilhões com o vizinho. O colapso de
sua economia teria um duro impacto sobre nossa balança comercial.
Apesar de as exportações para a Argentina
terem aumentado 20% neste ano, o Ministério da Fazenda estima que mais de 200
empresas brasileiras têm tido dificuldades de receber e reduziram suas
exportações. Isso porque os negócios são realizados com dólares, e as divisas
do governo argentino sumiram como água na areia. Na mesa de negociação estariam
prazos mais dilatados para os importadores pagarem suas compras, a conversão
direta das transações em reais e pesos e uma linha de crédito para as
exportações.
Os riscos são evidentes. O peso derrete a
olhos vistos, ampliando o perigo de perdas cambiais do Brasil. Já a linha de
crédito envolveria pagamentos diretos do BNDES aos exportadores brasileiros,
com garantia do Tesouro. Tecnicamente, poder-se-ia exigir da Argentina
garantias na forma de títulos com liquidez internacional, como títulos de
outros países ou contratos de compra de commodities, e, por óbvio, a operação
exigiria taxas de juros mais altas. A questão é em que medida a técnica será
levada em conta. A julgar pelo histórico e pelas declarações do presidente
Lula, não muito.
O modelo não é novo. Nas mãos do PT, o
BNDES liberou dinheiro a juros camaradas para empreiteiras brasileiras (quase
todas condenadas pela Lava Jato) contratadas por governos estrangeiros. Só os
calotes de Cuba e Venezuela somam US$ 529 bilhões. Como o risco foi assumido
inteiramente pelo governo brasileiro, o BNDES acionou o Tesouro. Ou seja, o
contribuinte não só subsidiou os juros, como cobriu as dívidas dos governos
companheiros.
Os argentinos, vale lembrar, têm muitos
dólares. Mas estão debaixo do colchão ou em contas no exterior. Os hermanos
foram em massa à Copa do Catar e o próprio governo estima que só nos EUA há US$
300 bilhões aplicados. Se o governo não põe a mão nesses dólares, é porque os
próprios argentinos não querem trocá-los pelos pesos corroídos dia após dia por
uma inflação que, em ano eleitoral, o governo não tem intenção de controlar
aumentando os juros. Mas Lula quer. Afinal, segundo ele, “me comprometi com meu
amigo Alberto Fernández que vou fazer todo e qualquer sacrifício para que a
gente possa ajudar a Argentina”.
A cortesia – com o chapéu alheio – é
grande. Lula promete que vai falar com o FMI para tirar “a faca do pescoço da
Argentina”. Como se sabe, essa faca não tem fio. O empréstimo de US$ 42 bilhões
à Argentina foi o maior já realizado pelo FMI, e as condições, as mais frouxas
de que se tem notícia. Mesmo assim, o Fundo está a ver navios. Lula também quer
que Haddad vá ao Banco dos Brics para “sensibilizar o coração” de seus
gestores. E se os argentinos não pagarem aos Brics ou ao Brasil? Será que Lula
lhes dirá o que disse do FMI, que não podem “ficar cobrando um país que só quer
crescer, gerar emprego e melhorar a vida do povo”?
O importante é que Fernández “vai voltar
mais tranquilo”, por ora “sem dinheiro, mas com muita disposição política” –
supostamente para viabilizar as ambições peronistas nas eleições. Cabe
perguntar se um presidente argentino de direita sairia com a mesma disposição.
Mas, deixando as especulações de lado, mais importante é indagar quanto a
disposição conferida a Fernández custará ao Brasil. Afinal, para ajudar seu
“amigo” Lula prometeu “todo e qualquer sacrifício”. A questão é: quem será
sacrificado, companheiro?
Premiando o mau comportamento
O Estado de S. Paulo
CNJ condena juiz que fez campanha para
Bolsonaro a ser sustentado vitaliciamente pelos contribuintes
Por unanimidade, o Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) decidiu aposentar compulsoriamente o juiz federal Eduardo Luiz
Rocha Cubas, do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF-1), por sua
participação direta na campanha eleitoral do então candidato à Presidência Jair
Bolsonaro, em 2018.
Não obstante o fato de uma punição como
essa, a aposentadoria com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço,
servir, na prática, como uma espécie de prêmio por mau comportamento, o CNJ não
tinha mesmo outra coisa a fazer senão aplicar ao juiz federal a pena máxima
prevista pela Lei Orgânica da Magistratura (Loman). Rocha Cubas se mostrou
indigno da judicatura.
Durante a campanha eleitoral de 2018, o
magistrado participou ativamente de atos político-partidários em favor de
Bolsonaro. Como se isso não bastasse, Rocha Cubas se lançou de corpo e alma na
cruzada bolsonarista contra o sistema eleitoral, ignorando olimpicamente os
imperativos legais, funcionais e éticos que pesam sobre a toga. Rocha Cubas
chegou ao atrevimento de gravar um vídeo em frente ao Tribunal Superior
Eleitoral, ao lado do deputado Eduardo Bolsonaro, no qual lançava dúvidas
infundadas sobre a segurança das urnas eletrônicas. Isso faltando um mês para o
pleito.
O CNJ, com toda razão, entendeu serem
“condutas gravíssimas” todas essas atitudes de Rocha Cubas à margem das leis e
da Constituição, além de uma deliberada “tentativa de intromissão” do
magistrado no resultado da eleição presidencial daquele ano. A presidente do
colegiado, ministra Rosa Weber, destacou muito oportunamente que, “sem um Poder
Judiciário independente, não há democracia; e sem juízes isentos, responsáveis
e serenos não há como sustentar o Estado Democrático de Direito”.
A postura indecorosa do juiz federal, de
fato, foi acintosamente contrária à Loman e à Constituição, pois juízes –
deveria ser ocioso dizer – não podem se imiscuir em questões de natureza
político-eleitoral. Mas não só isso. Rocha Cubas também explorou a boa imagem e
a aura de credibilidade que paira sobre toda a magistratura nacional perante a
sociedade para difundir mentiras deslavadas, além de teorias da conspiração,
sobre a higidez do sistema eleitoral. Isso decerto ajudou a aumentar a
desconfiança que muitos brasileiros passaram a ter da segurança das urnas
eletrônicas, a despeito de jamais ter sido comprovada qualquer fraude desde que
esse instrumento de votação foi implementado, em 1996. Viu-se o resultado dessa
enorme irresponsabilidade quatro anos depois.
Para a sociedade brasileira, a conta dessa campanha de difamação contra as urnas eletrônicas, da qual o juiz Eduardo Luiz Rocha Cubas foi voz ativa, tem saído muito salgada. Já para o jovem magistrado, ao contrário, a desabrida violação de seus deveres funcionais saiu barata demais. Passa da hora de o País debater com coragem e serenidade o fim das aposentadorias compulsórias como “punição” aos maus magistrados e, não menos importante, a imposição de uma quarentena para os juízes que fazem da judicatura um trampolim para suas ambições políticas.
Fed aumenta juros e pode encerrar ciclo de
aperto
Valor Econômico
Nem deveríamos estar falando sobre um mundo
em que os Estados Unidos não pagam suas dívidas, diz Powell
O Federal Reserve americano elevou os juros
em 0,25 ponto percentual, para 5,25%, e sinalizou pausa no ciclo de aperto
monetário a partir de agora, desde que a trajetória da inflação continue
declinante. Ao duplo arsenal do banco, o aumento da taxa básica - foram 5
pontos percentuais - e a redução do balanço somou-se, em um auxílio inesperado
e indesejável à política monetária a restrição extra da oferta de crédito pelo
sistema financeiro, motivada pela falência de bancos médios desde o início de
março. O resultado é que à piora das condições financeiras com juros restritos
do Fed se acrescentará nova dose contracionista com os limites à concessão de
empréstimos para famílias e empresas.
“Em princípio teríamos de elevar mais os
juros caso o estresse financeiro não tivesse acontecido”, disse ontem Jerome
Powell, presidente do banco, após a reunião que definiu os próximos passos da
política monetária. O Fed decidiu que o rumo futuro dependerá basicamente da
evolução da economia, avaliada reunião a reunião. Powell ressaltou que não
houve uma decisão explícita do comitê (Fomc) de interromper o ciclo de elevação
dos juros iniciado há 14 meses. Ele reconheceu, no entanto, como significativa
a mudança no comunicado do Fed, que eliminou o trecho que indicava que um
aperto adicional “pode ser apropriado para se chegar a uma instância de política
monetária suficientemente restritiva para trazer a inflação de volta à meta de
2% ao longo do tempo”.
O Fed, apesar de se estar perto de encerrar
a rodada de aperto monetário, não prevê que a inflação se reduza rapidamente e
se dirija para a meta tão cedo. “As pressões inflacionárias continuam altas e o
processo desinflacionário ainda tem um longo caminho a percorrer”, disse
Powell. Segundo o presidente do Fed, os efeitos decorrentes das falências
bancárias, certamente restritivos em relação às atividades econômicas, são
incertos na magnitude de seus impactos e o banco “está preparado para fazer
mais ajustes se mais restrições forem necessárias”.
Uma parte importante do caminho para
debelar a inflação, até aqui menos acidentado do que seria de se esperar diante
de um ritmo sem precedente em 40 anos de alta dos juros, já foi percorrido. O
PIB dos Estados Unidos perdeu ritmo e evoluiu 1,1% no primeiro trimestre do
ano, ante 2,6% no último trimestre de 2022 O mercado de imóveis está
encolhendo, embora os preços ainda não como se prevê, os investimentos das
empresas caíram.
O mercado de trabalho continua extremamente
apertado, mas as estatísticas indicam que ele começou gradativamente a esfriar.
No primeiro trimestre do ano, segundo a consultoria Oxford Economics, foram
criados 1,65 milhão de postos de trabalho, o menor acréscimo nesse intervalo de
tempo desde abril de 2021. A relação entre a oferta de vagas, durante muitos
meses estacionada em duas para cada trabalhador em busca de emprego, diminuiu
para 1,6. A taxa de demissão voluntária, um indicador da facilidade de o
trabalhador trocar de emprego e obter um novo, caiu para 2,5%, já não tão
distante do 1,9% do período pré-pandemia.
Powell afirmou que a economia ainda criou
345 mil empregos por mês no primeiro trimestre do ano, um ritmo bem forte, e
que há sinais alentadores para a contenção da inflação, como o aumento da taxa
de participação (percentual de pessoas que encontram ocupação em relação ao
total da população em condições de trabalhar), e os reajustes dos salários
estão ao redor de 4%, a uma pequena distância dos 3% que Powell considera
normal para uma economia equilibrada.
Os técnicos do banco assinalaram que os EUA
se aproximam de uma “recessão suave”, hipótese que o presidente do Fed a
considera possível, mas não inevitável. Ele acredita que o mercado de trabalho
pode se adequar sem grandes cortes de empregos, o que não costumava ocorrer nos
ciclos de desaquecimento no passado. “Há tanto excesso de demanda que nem um
aumento de 5 pontos percentuais em juros foi capaz ainda de equilibrar a oferta
de trabalho”, afirmou.
O Fed não sabe ao certo se sua política é
contracionista o suficiente. O estresse financeiro trará um aperto da oferta de
dinheiro “não exatamente igual à forma habitual”, e aprofundará os efeitos de
juros a 5,25% - os mais altos desde meados de 2007 - e da redução do balanço,
na casa de US$ 170 bilhões desde o início da crise de bancos médios no início
de março. Sobre ela, Powell apontou que os depósitos nessas instituições
voltaram ao normal e que a supervisão do Fed terá mudanças para evitar novas
falências inesperadas.
Apesar de tudo, a inflação não foi domada e
Powell deixou claro que o Fed sequer cogita discutir o momento de virada do
ciclo, o momento da redução dos juros. Da mesma forma, evitou ir muito além na
análise de possíveis efeitos de um calote da dívida americana, caso o Congresso
não chegue a um acordo até junho para elevar o teto da dívida pública. “Nem
deveríamos estar falando sobre um mundo em que os Estados Unidos não pagam suas
dívidas”.
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